Análise | Split Fiction - A fasquia volta a subir!


Muito provavelmente, as gerações mais recentes não passaram pela experiência de jogar a dois no chão da sala. Quando era 1 contra 1, se fosse preciso, até se colocava um cartão a dividir o ecrã da televisão para ninguém espreitar o lado do adversário. Depois, a cooperação ganhou força em jogos de plataformas como Super Mario e outros clássicos. Com o tempo, o género foi evoluindo e o online tomou conta do panorama, deixando para trás aquela magia do ecrã dividido, fora das plataformas Nintendo, que ainda se esforça para manter esse espirito vivo. Mas excluindo esse universo, pouco se vê nos dias de hoje. Mas quase. E sublinho a palavra quase, porque um estúdio conseguiu trazer esse espírito de volta à ribalta.

A Hazelight Studios surpreendeu-nos em 2021 com It Takes Two, um jogo que não só conquistou o público, como arrecadou vários prémios, entre eles o de Jogo do Ano. Agora, em 2025, o estúdio regressa com Split Fiction, um título que nos cativou desde os primeiros trailers. Mas bons trailers há muitos – será que Split Fiction consegue mesmo superar o seu antecessor?


Desta feita, a história apresenta-nos duas escritoras, Mio e Zoe que se encontram numa editora para assinarem os seus primeiros contratos. Nervosas, rapidamente nos apercebemos das diferenças marcantes entre ambas. Só que aquela editora é uma empresa de tecnologia e quer revolucionar o mercado retirando as ideias dos escritores diretamente da imaginação deles para criar experiencias vivas através de uma máquina, pondo os escritores num estado de hipnose numa bolha para que isso aconteça. Com uns azares à mistura, ambas acabam por ficar presas dentro da mesma bolha, criando erros na máquina, fazendo com que a imaginação de ambas fosse criando misturas nas suas criações narrativas.

Ressalvo que este enredo foi, para mim, dos poucos pontos menos positivos de Split Fiction. Talvez porque It Takes Two tinha um mote mais denso e pessoal, senti-me automaticamente ligado à história. Aqui, sendo um enredo mais fantasioso, essa ligação não foi imediata. No entanto, percebo a necessidade de algo mais irreal para justificar a premissa. Felizmente, essa falta de ligação inicial foi compensada ao longo da experiência, à medida que o jogo nos revela narrativas emocionais para ambas as personagens. O estúdio faz um ótimo trabalho ao aprofundar as protagonistas, mostrando as suas personalidades e a forma como se refletem nos mundos que criam.




Mio e Zoe refletem as suas personalidade nas suas criações narrativas. Mio, uma personagem mais pragmática, transporta-nos para histórias repletas de ação num universo Sci-Fi, enquanto Zoe, com uma personalidade mais aluada e sonhadora leva-nos para mundos de magia e fantasia. Estas diferenças não são apenas estéticas – são a base da jogabilidade, criando desafios que exigem colaboração constante.

Tal como os títulos anteriores da Hazelight, Split Fiction assenta totalmente na cooperação. Aliás, nem sequer é possível jogar este título single-player. Para contornar esta "limitação", o estúdio trouxe de volta o 'passe de amigo', permitindo que um jogador sem o jogo seja convidado por quem o tem - mesmo que tenha uma consola diferente! Além disso, mesmo sem convite, qualquer duo de jogadores pode jogar o primeiro nível gratuitamente. Uma prática rara na indústria atual e que merece reconhecimento.

É que realmente não há "plano B", ou os jogadores trabalham juntos, ou não há progressão. A grande diferença aqui está na forma como o jogo utiliza os estilos narrativos de Mio e Zoe para influenciar diretamente a jogabilidade. Mio, com a sua abordagem mais lógica e mecânica, interage com elementos sci-fi como portais, gravidade manipulável e puzzles baseados em tecnologia. Já Zoe, com a sua veia mais criativa e fantasiosa, tem habilidades ligadas à magia, podendo alterar o cenário, conjurar ilusões ou até dar vida a elementos do ambiente.




Mas não basta que cada jogador faça a sua parte isoladamente – a grande magia de Split Fiction está na forma como estas mecânicas se interligam. Há momentos em que um jogador precisa de ativar um dispositivo tecnológico para o outro poder usar um feitiço, ou situações em que a narrativa muda consoante as ações conjuntas das personagens. Esta dinâmica força uma comunicação constante, tornando a experiência não só divertida, mas também um verdadeiro teste de coordenação e criatividade entre os jogadores.

E se até aqui falei no peso emocional que foi criado para Split Fiction, tenho também que salientar os momentos cómicos que foram criados para aliviar a tensão após momentos mais dramáticos. É que se os momentos mais emotivos despoletam sentimentos mais pesados, passamos do 8 ao 80 nos momentos opostos, onde literalmente tive lágrimas a escorrer de tanto rir, ou fiquei com um sorriso enorme na cara a saltitar e a "voar" com a minha personagem (saberão exatamente de que parte estou a falar quando jogarem esse determinado nível).

Não só isso, mas todas as particularidades que este novo título apresenta são algo que surpreende bastante. Há mecânicas que o estúdio brilhantemente apresenta que nunca tinha visto noutros títulos, uma celebração à originalidade, algo raro nos dias de hoje. Houve momentos em que me apanhei de queixo caído a pensar: como raio é que alguém se lembrou disto?! São detalhes como estes que tornam Split Fiction uma experiência tão especial.



É na jogabilidade que a aventura brilha, mas a parte técnica não fica atrás. Split Fiction mantém a identidade visual vibrante e estilizada que já vimos em It Takes Two, mas eleva a fasquia com cenários ainda mais criativos e detalhados. Cada nível tem um estilo próprio, refletindo não só as personalidades de Mio e Zoe, mas também a fusão caótica das suas imaginações. Desde metrópoles futuristas com tons néon até florestas encantadas com livros flutuantes, cada ambiente parece saído diretamente de uma ilustração interativa. A fluidez das animações e a atenção ao detalhe fazem com que tudo tenha um aspeto dinâmico e vivo, e o facto de correr a 60 FPS sem quebras durante todo o meu gameplay, só ajuda a reforçar essa sensação. 

Contudo, neste ponto, tenho que novamente abordar algo que me apercebi e que é preciso ter em conta. Comparativamente a It Takes Two, Split Fiction é um jogo mais frenético, dinâmico e mexido, o que não é mau, atenção, mas cria duas situações. A primeira é que senti realmente que apresenta poucos momentos mais calmos para apreciar todos os cenários que foram brilhantemente criados, e a segunda, torna Split Fiction um jogo não tão aconselhável para pessoas que não estejam habituadas a jogar videojogos, em comparação com o título anterior do estúdio. É uma realidade que temos de ter em conta ao escolher o nosso parceiro nesta aventura, o que pode criar alguma frustração em partes mais complicadas ou precisas durante o jogo em certos "novos" jogadores. Talvez aqui pudesse ser criado um modo de dificuldade dirigido a estes jogadores, mitigando esse sentimento que pudesse ocorrer.



Mas um jogo destes não vive só da imagem – o áudio tem um papel essencial na imersão. A banda sonora adapta-se perfeitamente ao tom de cada nível, misturando temas eletrónicos e orquestrais para acompanhar a fusão dos estilos narrativos das protagonistas. Os efeitos sonoros também merecem destaque, com pequenos detalhes que tornam o mundo mais credível, desde o som dos portais sci-fi de Mio até ao tilintar da magia de Zoe. Tudo isto resulta numa experiência audiovisual que não só impressiona tecnicamente, mas também reforça o impacto emocional e humorístico da aventura.


Conclusão

No final, Split Fiction é uma obra que brilha tanto pela sua originalidade como pela sua capacidade de proporcionar uma experiência divertida, emocional e, por vezes, desafiadora. A Hazelight Studios consegue novamente criar uma narrativa cativante, onde a cooperação é não apenas essencial, mas também profundamente integrada em cada aspeto do jogo. Não é apenas uma continuação do legado do estúdio, é uma celebração de tudo o que torna a cooperação nos videojogos algo mágico. Com mecânicas inovadoras, uma narrativa única e uma execução técnica irrepreensível, este título é, sem dúvida, uma das grandes surpresas do ano, que não vai deixar não só os fãs de jogos cooperativos indiferentes, mas acredito que todos devem experimentar este título.

 

O melhor

  • Inovação de mecânicas;
  • Narrativa envolvente e emocional, bem como todos os momentos cómicos;
  • Enredo extremamente bem detalhado graficamente;
  • Título mais dinamico e frenético;

O pior

  • Premissa fantasiosa inicial pouco emotiva;

 

Nota do GameForces: 9.5/10


Título: Split Fiction
Desenvolvedora: Hazelight Studios
Editora: Electronic Arts
Ano: 2025

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela editora.

Autor da Análise: Filipe Martins
Análise | Split Fiction - A fasquia volta a subir!  Análise | Split Fiction - A fasquia volta a subir! Reviewed by Filipe Martins on março 17, 2025 Rating: 5

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