Certos nomes de videojogos contraem
laivos de ironia com a idade. Quando Donkey Kong Country renasceu pelas mãos da Retro Studios em Donkey Kong Country Returns (doravante “Returns”), o
seu lançamento representou um grandioso retorno desta prestigiosa série de
platformers 2D, muito antecipado após décadas de spinoffs estrambólicos. Hoje, ler o seu nome é como ouvir o colega que anuncia
que “começará a ir ao ginásio” como resolução de Ano Novo, todos os anos.
Porque Donkey Kong Country já regressou na Wii, regressou na 3DS com o port
Returns 3D e, agora,
regressa novamente na Switch, com Returns HD.
Um remaster na Switch não é despropositado: só por existir, já concentraria os cinco jogos Donkey KongCountry numa só plataforma, facilitaria o usufruto do modo multiplayer a dois e, quem sabe, finalmente dar-nos-ia uma versão definitiva desta campanha, ao conciliar o grafismo melhorado e os 60FPS da versão Wii com os controlos tradicionais e níveis extra da 3DS.
Este port certamente arrancaria mais entusiasmo de mim, se eu não estivesse ougado por um jogo Donkey Kong inédito, e se não vivêssemos num mundo pós-Donkey Kong Country Tropical Freeze. Uma sequência melhor do que Returns em grafismo, identidade própria, level designs, banda sonora, enfim, em tudo, tanto que a considero o melhor platformer 2D de sempre. Uma sequência também disponível na Nintendo Switch, pelo mesmíssimo preço de 59,99€.
É bom sinal que Returns seja pior
do que Tropical Freeze, tal como Portal é pior do que Portal 2 e Super Mario
Bros. 1 é pior do que o 3; é a lei da vida das franchises sadias. Uma "versão beta de
Tropical Freeze", como costumo descrever Returns, continua a ser uma experiência
fenomenal; porém, ao fazer dos dois jogos irmãos em consola e preço, a Nintendo
precipitou todo um rol de comparações injustas.
Cinco minutos em cada jogo
bastarão para Returns ficar mal na fotografia. Donkey Kong Country Tropical
Freeze arranca com os quatro protagonistas a serem expulsos da sua ilha, numa demonstração
de força dos seus oponentes. O primeiro nível prenuncia uma aventura
pulsante, levando-nos por um cenário tropical com uma mixórdia de secções
terrestres e aquáticas (que nem sequer existem em Returns) enquanto apreciamos uma
triunfante música inédita de David Wise. Por seu lado, Returns inicia com os novos
vilões Tiki, uma tribo de instrumentos flutuantes cuja escassez de carisma apenas
compete com a sua falta de imponência, a hipnotizar a fauna da ilha para roubar
as bananas de Donkey Kong e Diddy Kong. Perante este furto, os primatas lançam-se
numa missão de resgate pela sua ilha e os seus diversos ecossistemas, começando
por uma selva familiar ao som de um remix conservador de Jungle Hijinx de Donkey Kong Country (1).
É na familiaridade do seu
panorama geral que Returns mais desilude. A história é adaptada do primeiro
Donkey Kong Country. A banda sonora é principalmente composta por remixes (excelentes, mas ainda assim remixes) da do primeiro Donkey Kong Country. Os biomas que atravessamos são maioritariamente importados
do primeiro Donkey Kong Country, e os “inéditos”, como praias e vulcões,
parecem saídos de um New Super Mario Bros.. Qualquer sinopse concebível de Returns necessariamente
acusará a iteratividade desta sequência, será incapaz de contornar o
comedimento e prudência das maiores decisões que a definem - razoáveis e
inspiradoras de confiança à luz do contexto do seu lançamento na Wii, mas já
displicentes nessa mesma época.
Apesar destes catalisadores de ceticismo,
Returns sai redimido pela sua interpretação revigorada da fórmula clássica,
quer na apresentação quer na jogabilidade. As selvas, ruínas e cavernas que exploramos
são agora representadas em detalhados e verosímeis mundos tridimensionais, onde
todas as plataformas que pisamos e gimmicks com que interagimos estão fina e
naturalmente integradas nas paisagens. A este trabalho impressionante, a Retro
Studios soma um dinamismo e capricho especial: há níveis silhueta, há níveis de
perseguições, há níveis em que elementos do pano de fundo invadem o plano de
jogo. Enquanto a trilogia original na Super NES nos deslumbrava pela sua
estética avant garde, Returns fá-lo com a sua construção e progressão de
cenários ambiciosa, minuciosa e radiante, ao ponto de ter inspirado jogos como
Super Mario Bros. Wonder e Nikoderiko: The Magical World nos quinze anos que o
seguiram, e ainda assim só ter sido superado por Tropical Freeze neste departamento.
Todo este esmero teria sido em vão se a jogabilidade não partilhasse o mesmo primor, e a Retro Studios não só honrou esta responsabilidade como imprimiu-lhe as suas nuances idiossincráticas. Num gênero de jogos dominado por protagonistas leves e ágeis, o peso acrescido de DK faz-se sentir sempre que corremos, saltamos e rolamos, exigindo um metodismo nas ações do jogador que assenta na perfeição na exigência de Returns.
Enquanto os jogos Mario, Kirby e Yoshi nivelam a sua dificuldade
por baixo, criando trajetos acessíveis para qualquer jogador e adicionando
conteúdo opcional para satisfazer os veteranos, a aventura do gorila toma a
direção oposta: os desafios são criados para efervescer o sangue dos jogadores
mais calejados, mas várias ajudas (como o Modern Mode, que aumenta a tolerância
ao erro, e vários itens de apoio) estão presentes para garantir o sucesso dos
novatos. Esta direção dá azo a construções de níveis refrescantes dentro do
gênero, onde todos os jogadores terão o privilégio de morrer, e morrer, e
morrer vezes sem conta, e inevitavelmente vociferar muitas obscenidades contra
os primatas, mas com parcimónia contra o jogo em si – porque Returns consegue
ser graciosamente difícil, mas justo (na maior parte do tempo).
A escola de design diferenciada
de Returns dita igualmente a sua gama de colectáveis opcionais, que compreende
quatro letras KONG e cinco a nove peças de puzzles em cada nível. É muita uva e
pouca parra: os desenvolvedores da Retro Studios arranjaram mil e uma formas de
esconder sorrateiramente estes segredos, ora testando aos limites a nossa atenção
a lugares suspeitos, ora encorajando um maior grau de interatividade com os
locais (i.e. obrigando-nos a colher todas as bananas ou derrotar todos os
inimigos de uma área).
Estamos perante um paraíso para
quem gosta de terminar jogos a 100%, e também a melhor escola para os complecionistas
wanna-be. Precisei de jogar imensos níveis duas ou três vezes até encontrar
tudo, e este exercício nunca se tornou entediante; muito pelo contrário, foi
consistentemente estimulante e aprazível para a minha veia de explorador digital.
Só muito raramente fiquei frustrado por uma minoria de colectáveis totalmente arbitrários,
impossíveis de encontrar sem a ajuda do “item radar”, ou desalentado por ter de
superar mais uma das salas bónus, que apenas possuem um objetivo e são copiadas
e coladas ao desbarato pelos nove mundos de Returns.
É irónico que, num título que peca primariamente por ser derivativo em identidade própria, vários dos defeitos na jogabilidade decorram de desvios face à trilogia original. A Retro Studios devia ter posto os olhos não só nas salas bónus diversificadas dos jogos clássicos, mas também na opção de trocar o controlo entre os dois Kongs a qualquer momento e beneficiar das suas propriedades distintivas, e no leque de animais de montaria e respetivo contributo para a variedade mecânica (em Returns, apenas o rinoceronte Rambi foi alistado para este papel). Foi subtraída uma fatia da complexidade mecânica dos jogos da Super NES, num conjunto de omissões lastimáveis mas perdoáveis, tal é a quantidade e qualidade do conteúdo em Returns.
Onde novatos e veteranos se
erguerão numa expressão de repúdio uníssona é no sortimento de bosses da
aventura. As suas batalhas são o cúmulo do tédio: passamos a maior parte do
tempo à espera da oportunidade de contra-atacar, enquanto nos defendemos de ataques que saem a conta-gotas. Não só os combates
têm o entusiasmo de ver tinta a secar, como carecem de qualquer resquício do grandeur
ou criatividade dos níveis normais. São autênticos check-ups de dentista: formalidades desagradáveis que não temos escolha senão aceitar e engolir.
Para juntar o inútil ao
desagradável, os bosses ficam a dever à beleza, com designs visuais
que não resistiram ao teste do tempo. As mudanças gráficas empreendidas pela
Forever Entertainment, estúdio responsável pelo remaster, são discretas,
i.e. ao nível do pelo de Donkey Kong e Diddy Kong, de uma iluminação mais
cartunesca que destaca melhor personagens e áreas de interesse a custo de menor
realismo, e de ajustes erráticos de alguns modelos. Porém, este trabalho é um
jogo de concessões: por cada textura ou efeito visual mais detalhado, há outro piorado. Sem o obrigatório upscale, o remaster seria
incapaz de afirmar-se graficamente superior à versão Wii e mostra-se desrespeitosamente
aquém do esmero que o material base da Retro Studios merecia.
Face a este port questionável, dou por mim saudoso da versão Nintendo Switch de Luigi’s Mansion 2 HD, lançada em 2024. Também ela é conservadora, mas introduz alterações gráficas integralmente benéficas, sem interferir com o que funcionava na versão original. Enquanto isso, Returns HD consegue ser comedido nas suas melhorias e ainda assim introduzir loadings mais demorados e quedas de fotogramas esporádicas, difíceis de tragar num remaster de um jogo Wii.
Pior ainda, a travessia de certos níveis é agora deploravelmente impossível para o segundo jogador no modo cooperativo, e o reconhecimento de comandos anquilosado obrigou-me a reiniciar o jogo sempre que trocava entre os modos portátil e TV, algo que nunca me acontecera com qualquer outro título da consola. Dizer que este port é problemático é dourar a pílula; é inacreditável como a versão Switch é sovina com as suas novas funcionalidades (resumidas a HD Rumble e esquemas de controlos com e sem controlos por movimentos) e ainda assim materializou todos estes retrocessos flagrantes. Returns HD só se mantém uma recomendação sólida (para jogar a solo) porque o esplendor do material de base é extremamente difícil de sufocar.
Conclusão
Donkey Kong Country Returns HD é a melhor versão deste clássico da Wii... Por defeito. Quase 15 anos mais tarde, continua a ser um deleite superar os seus níveis desafiantes, encontrar os seus colectáveis opcionais, e apreciar os seus ricos mundos tridimensionais, especialmente agora que o podemos fazer a 1080p60FPS e com controlos tradicionais.
Porém, um platformer 2D deste calibre carecia de um port mais primoroso, que contivesse uma atualização gráfica mais ambiciosa e não introduzisse novos problemas à experiência, desde quebras da taxa de fotogramas a contratempos severos no modo cooperativo.
- Dezenas de níveis criativos;
- Dificuldade elevada e justa, sem alienar novatos;
- Segredos numerosos e muito bem escondidos;
- Localizações tridimensionais detalhadas e dinâmicas;
- Introdução de HD Rumble e esquemas de controlo tradicionais;
- Atualização gráfica para Full HD/60FPS...
O pior
- ...pouco ambiciosa e com vários retrocessos face à versão Wii;
- Certos níveis tornaram-se incompatíveis com o modo cooperativo;
- Bosses extremamente entediantes.
- Demasiado derivativo de Donkey Kong Country (1) em história, ambientes e banda sonora.
Desenvolvedora: Forever Entertainment, com base no trabalho de Retro Studios e Monster Games
Ano: 2010-2025
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela editora.
![Análise | Donkey Kong Country Returns HD - Re-Re-Regresso Sem Pompa, Mas Com Circunstância](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpaEQpC3p11O2bVL1Trr1CRYrnWx-J1QthHXRA_nXNSwa6WANizn3ZwUmFTex0266CSOLRqtnCHMWtEKC9zPnsV3zc48c4rWOsALDCB2irCg_F6hPq-k7qK_5ga9YrN7fq_Zan6SpcXdybHCdPKmUBL7It_fHeegufPz3hBDg8eKM7rnd2GFvnjF3OGIk/s72-c/2x1_NSwitch_DonkeyKongCountryReturnsHD_image1600w.jpg)
Retornando para Donkey Kong Country Retorna para defender Donkey Kong Country Retorna dos Haters que retornaram para odiar Donkey Kong Country Retorna!
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