Nunca, mas nunca pensei ter o
prazer de escrever sobre um Mario & Luigi para a Nintendo Switch. Em
2019, conjurou-se a tempestade perfeita para naufragar a série sem
possibilidade de restauro: não só Mario & Luigi: Bowser’s Inside Story +
Bowser Jr.’s Journey (um remake ótimo lançado na consola errada, no ano errado)
foi o jogo Mario com piores vendas desde a Virtual Boy, mas também ditou a
falência da sua desenvolvedora Alphadream. Tendo a Nintendo perdido a equipa
criativa e o incentivo financeiro para criar novos Mario & Luigi,
esta série tão querida da minha infância estava condenada ao esquecimento… ou
então eu julgava. Cinco anos mais tarde, a companhia Acquire tomou o elmo da
saga e anunciou o seu próximo capítulo: o novíssimo Brothership!
Naturalmente, fiquei jubilante
com a revelação, mas também receoso: são muitos os elementos que prestigiam os
Mario & Luigi, o que significa que há muito por onde errar na produção de
uma nova aventura. Mais do que Super Mario RPG ou até os Paper Mario, os títulos Mario
& Luigi são verdadeiros RPGs por turnos de Mario, e não apenas RPGs com
Mario. Aqui, os
construtos RPG são adaptados para encaixarem no universo do canalizador e não o contrário,
resultando num sistema de jogabilidade com uma índole distintamente Mario – contando, por exemplo, com a versão mais refinada dos icónicos minijogos de timing nos combates, em que premimos
os botões no momento certo para maximizar a eficácia dos nossos ataques e
defesas. É colocado um foco redobrado na relação entre Mario e Luigi, tanto que
controlamos o duo em simultâneo nos combates por turnos e na
exploração dos seus mundos, recheados de puzzles ambientais e povoados
por espécies únicas e personagens cheias de personalidade, com aquele
sentimento mágico de bizarria-tornada-mundana que vigora nas melhores experiências dos
canalizadores.
Após meses de contido otimismo, chegou
a hora da verdade. E quando finalmente deitei olhos, mãos, e coração a
Brothership... Ahhhhhhhhh, isto é Mario & Luigi. A primeira impressão era
tudo o que desejava e muito mais. As diferentes regiões são coloridas e
chamativas, e tornam-se imediatamente icónicas em virtude de uma direção de
arte exemplar, mesmo com modelos e texturas simples (e, estranhamente, constantes quedas da taxa de fotogramas). A interface insurge-se
contra a onda de minimalismo na indústria e surge adoravelmente estilizada,
investindo confiantemente num charme que os videojogos atuais têm receio de exibir.
Pela primeira vez na série, as personagens são totalmente 3D, e a (pouca)
excentricidade das sprites que se perdeu foi compensada aos montes pela
expressividade das animações com que os irmãos riem, choram, abraçam-se, dançam. O contraste com os predecessores é
particularmente evidente nos movimentos adaptados dos jogos anteriores,
agora imbuídos de ânimo e cinética redobrados. O resultado é um universo
pulsante e contagiante na sua cândida alegria, que parece celebrar a todo o
momento a sua simples existência e os novos pulmões e coração que a Acquire lhe
transplantou!
A própria música dos ambientes entra nesta constante festa. A lendária compositora Yoko Shimomura pode não ter regressado, mas Hideki Sakamoto deu o litro para mitigar a saudade, concebendo brilhantes temas como Twistee Island e Lottacoins Island que parasitaram o meu cérebro como as músicas do Pingo Doce nas quadras natalícias. É hino atrás de hino, mas principalmente fora dos combates - é uma decepção que as músicas de confronto se contem pelos dedos de uma mão, num RPG de mais de 40 horas.
A módica seleção de temas pode desiludir, mas sabem o que não desilude nas batalhas? Tudo o resto! Desde os ataques básicos aos especiais, está tudo de volta e com a mesma precisão, satisfação e desafio de sempre. Teria gostado que os ataques básicos finalmente fossem evoluindo com o avanço na história, mas não censuro a Acquire por ter jogado pelo seguro no seu primeiro contacto com a série. Especialmente porque temos uma variedade estonteante onde mais importa: os adversários. Brothership introduz uma imensidão de novos inimigos, e todos são incrivelmente imaginativos nos seus designs e padrões de ataque! Passei a campanha ansioso por descobrir novas espécies de antagonistas e a caixinha de surpresas que é o seu comportamento. Até os lacaios do Bowser são mais empolgantes de enfrentar do que nunca, coordenando ataques em grupo dinâmicos entre si!
Outra novidade é os Plugs de batalhas, equivalentes a Badges de outros Mario RPG: podemos equipá-los e, durante as batalhas, estes ativarão vários efeitos especiais, desde diminuir o dano que sofremos a transformar os nossos inimigos em pequenas criaturas inofensivas. Porém, os Plugs entram num período de cooldown após um certo número de usos, o que nos encoraja a alterar os nossos conjuntos de Plugs regularmente. As possibilidades estratégicas são imensas, e a experimentação de novas combinações foi uma constante do início ao fim da aventura.
Até nas suas novidades, Brothership
é um Mario & Luigi à boa moda antiga. E, ainda assim, denota-se o desejo de
ser algo mais, sobretudo ao nível da história. Ao contrário dos predecessores e dos seus enredos extremamente diretos, esta nova aventura tem
algo a dizer sobre as relações interpessoais, sobre os laços de amizade, amor e até rivalidade
que nos unem. Para terem uma noção, a narrativa transporta os dois
canalizadores para o mundo paralelo de Concordia, com a missão de reconectar as
suas ilhas que, previamente, formavam um continente único, enquanto um grupo de
vilões sinistros tenta semear o isolamento e egocentrismo generalizado.
Há muito a apreciar nesta direção narrativa inaudita. Mecanicamente, o facto de o mundo estar dividido por ilhas (em oposição às massas continentais unificadas dos títulos passados) dá a Brothership uma estrutura episódica perfeita para uma consola híbrida como a Nintendo Switch e torna cada área explorável mais memorável, tanto no seu design e habitantes, como nas suas mecânicas particulares e puzzles - por exemplo, a ilha Merrygo com o seu grande labirinto, e a ilha Desolatt e as partidas de escondidas que lá jogamos com um grupo de crianças.
Narrativamente, a temática central nunca é perdida de vista e, ao mesmo tempo que dá um fio condutor às peripécias excêntricas típicas dos RPGs de Mario, conduz o canalizador por desenvolvimentos fora da caixa para o seu universo, lembrando-me em pontos o inigualado e arrojado Super Paper Mario. Sendo um tema tão cabeludo, há imensas oportunidades desperdiçadas, mas é laudável o quão longe Brothership está disposto a ir para um produto com o nome de Mario estampado. Aplaudo igualmente a sua pertinência, ao encaixar numa luva numa franchise que, desde a sua concepção, prospera na exploração do elo fraternal entre Mario e Luigi. Também parece cosmicamente certo que este seja o primeiro Mario & Luigi com sidequests tradicionais, que nos levam a ajudar imensos irmãos, amigos, e casais das ilhas que reconectamos e expõem diretamente o valor dos laços e interações entre as personagens, sublinhando a premência da missão principal. E a temática assenta na perfeição no mundo fragmentado de Concordia e nos seus habitantes meios-humanos meios-tomadas elétricas, ao ponto de eu ponderar qual ideia terá nascido primeiro na mesa dos desenvolvedores, numa versão moderna da questão da galinha e do ovo.
Seja como for, sair do Mushroom
Kingdom e entrar em Concordia era o que a série mais precisava depois do insalubre
Paper Jam Bros.. Novas espécies de NPCs, novas personagens carismáticas que não
são Toads com chapéus diferentes, associadas à escrita e humor sagazes de sempre (e, pela primeira vez, com uma ótima localização para português do Brasil) – senti-me de regresso a Superstar Saga e ao
seu irreplicado Beanbean Kingdom, com um sentimento de incógnita e
fascínio que o Mushroom Kingdom dificilmente invoca hodiernamente. Ao mesmo
tempo, personagens veteranas como Princess Peach, Bowser e Toads estão de
regresso, mas são usadas tão comedidamente que sentimos uma deleitosa
surpresa quando efetivamente as encontramos. Foi também um reconfortante ver de volta
a Starlow, que nos acompanhou em Mario & Luigi anteriores, e até uma série
de referências aos predecessores!
Mais do que um conforto, foi um alívio perceber que o
passado não foi esquecido porque Brothership tem, em certos aspetos, o tom de
um reboot. Parte disso vê-se no chamariz mecânico do título ou, melhor
dizendo, na ausência dele. Enquanto aventuras anteriores nos transportaram para
dentro do corpo do Bowser ou para os sonhos do Luigi, Brothership opta por recolocar
a ênfase na cooperação dos irmãos, concretizada numa alteração do funcionamento
do Luigi que entra em conflito com a identidade basilar da série.
Não tenho problemas com a mecânica
Luigi Logic, que faz o Luigi desencantar novas formas de resolver problemas e
dá azo a tipos de puzzles e desafios inéditos (e que ativamos com o botão
L, como não podia deixar de ser!). O problema é muito mais profundo, e muito
mais incomodativo para um fã de longa data. Estão prontos? Ouçam lá: Luigi
salta automaticamente pelo mundo sem depender do nosso input, e o botão que
usamos para selecionar as suas ações em combate é o A.
…Não vos parece importante? Passo a explicar: Na crítica de cinema, muito se atira a máxima “show, don’t tell” e, nos videojogos, a ideia de “show through gameplay, not through passive exposition” deveria ter o mesmo valor. O que distingue Mario & Luigi de Paper Mario e tantos jogos com aparições dos dois irmãos é que Luigi não só é uma companhia constante, mas tem exatamente o mesmo nível de importância do Mario na história e nos controlos. Tanto no combate como na exploração, o botão de ação do Mario é o A, e o do Luigi é o B, e o controlo simultâneo de ambos é uma condição categórica para podermos progredir. Deste modo, a jogabilidade apresenta Mario e Luigi como um duo num uníssono inquebrável. Tornar Luigi numa espécie de Ellie (de The Last of Us), que se move automaticamente e dá encontrões aos inimigos sem consequências, implica abdicar desta relação paritária. Tal como em Pikmin 4, o design e direção imaculados da série foram descaracterizados, possivelmente em prol de uma meta de acessibilidade que ninguém exigira.
Se os problemas dos elementos reboot fossem só estes, menos mal. Todavia, Brothership trata as mecânicas de longa data da série como se fossem fresquíssimas novidades, tão complexas como teoremas de física quântica (mesmo sendo o Mario & Luigi com os tutoriais mais sucintos). Elementos da jogabilidade como os Martelos, Bros. Attacks e Bros. Moves demoram uma eternidade a serem introduzidos, fazendo horrores ao pacing da experiência. Não me surpreenderia se muitos jogadores abandonassem Brothership nas suas primeiras horas, em que a complexidade mecânica é exígua, o método de travessia entre ilhas é extremamente lento, e nem as melhores personagens secundárias nem os vilões deram ares da sua graça. Se é esta a vossa posição, perseverem: Mario & Luigi: Brothership custa a arrancar, mas quando adquire momentum, é impossível de largar. …Mesmo quando o jogo suspende a narrativa para nos obrigar a organizar uma festa, reconectar ilhas que já conectamos antes e recolher matéria-prima de várias ilhas, em secções de backtracking exasperantes e despropositadas numa experiência já de si longa.
Conclusão
Mario & Luigi: Brothership é uma evolução natural e triunfante dos 20 anos de jogos da saga, que em nada evidencia ter sido visionado por uma nova desenvolvedora. Os puzzles e combate capturam a diversão e magia excelsa da série, e a história e a apresentação propulsionaram-se para novas alturas. Parece que esta era a grande meta que Mario & Luigi sempre ambicionara atingir, mas que era previamente impossibilitada pelo escopo e hardware inferiores do passado: um jogo irrestrito na sua sincera alegria, em que defeitos como o pacing inicial lânguido são eventualmente silenciados pelo primor e charme que permeiam a nossa travessia por Concordia.
O melhor
- Um verdadeiro Mario & Luigi à moda antiga, até nas novidades;
- ... Com puzzles ambientais e combate por turnos fantásticos como sempre;
- Assoberbante quantidade de inimigos novos e padrões de ataque imaginativos;
- Um mundo novo para descobrir, com várias personagens únicas para conhecer...;
- ...tornado icónico por uma direção de arte vibrante e inspirada...;
- ...e desenvolvido narrativamente em direções sem precedentes na série;
- Músicas de exploração excelentes;
- Escrita sagaz e humor fantástico, tanto na localização inglesa como na PT-BR.
O pior
- Luigi despromovido a deuteragonista ao nível da jogabilidade;
- Pacing lento, especialmente numa fase inicial;
- Backtracking pleonástico;
- Quedas constantes da taxa de fotogramas;
- Impossibilidade de mudar a linguagem dentro do jogo;
Nota do GameForces: 8.5/10
Desenvolvedora: Acquire; Nintendo;
Ano: 2024.
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela editora.
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