Análise | Until Dawn - Suspense com imperfeições

 

Ao longo da minha vida, sempre nutri um interesse especial por filmes de terror, especialmente os psicológicos, onde sinto sempre a adrenalina prestes a disparar. Dentro do gênero, tenho uma apreciação por longas metragens como Get Out, Saw ou, guardando o melhor para o fim, Escape room e Split. Já videojogos de terror, por motivos que nem eu sei explicar, foram acabando por ficar de lado. No meio do leque demasiado extenso de géneros que jogo, ainda não tinha conseguido encontrar um espacinho para franquias como Resident Evil, Silent Hill ou Five Nights at Freddy's. 

Mas não me sinto totalmente deslocado, já que joguei títulos como F.E.A.R e os Dead Space originais, bem como mais recentemente o remake do primeiro título. Não tendo tido oportunidade de jogar o Until Dawn original (ou melhor,  tendo preterido outros títulos em vez dele), quando me foi dado a oportunidade de experimentar o remake, não hesitei. Com base no pouco que sabia do jogo, tinha a expectativa de conhecer uma remasterização que fizesse o meu batimento cardíaco acelerar na minha sala escura. Mas será que tal sucedeu?




Until Dawn conta-nos a história de um grupo de amigos jovens adultos, que se reúne numa cabana isolada numa montanha completamente coberta de neve. O local não foi escolhido por acaso: foi lá que, exatamente um ano antes, tragicamente duas amigas do grupo (e irmãs de um dos protagonista) morreram, de uma maneira misteriosa, num anterior convívio das personagens, que agora lá regressam para lhes prestar homenagem.

Cada um dos elementos do grupo é introduzido, com ênfase a ser dada às suas características psicológicas (se é corajoso, cobarde, romântico, etc.) e às suas ligações com o resto do grupo (se é namorado/a, se gosta ou não de outra personagem por exemplo). Sendo um jogo interativo, durante o desenrolar da história, vamos controlando cada personagem alternadamente e, em certos momentos, podemos escolher decisões opostas que influenciam o desenrolar da história. E aqui apercebo-me do primeiro contrassenso nascido desta forma de interatividade: as características das personagens muitas vezes parecem irrelevantes para o desenrolar da narrativa. Por exemplo, uma personagem descrita como covarde pode, num momento decisivo, agir de forma assertiva, gritando e impondo-se, se assim decidirmos. Essa discrepância entre as características estabelecidas e as ações que o jogador pode escolher prejudicam a profundidade psicológica que o jogo prometia.



Ainda assim, o enredo, bem estruturado do início ao fim, cria cenas de tensão habilmente construídas, e num crescendo narrativo que torna os acontecimentos ainda mais envolventes. O ambiente está nivelado com toda a atmosférica de terror, que ajuda o jogador a embrenhar-se na história e a sentir níveis de ansiedades mais elevados em circunstâncias de maior intensidade. É de salientar a abordagem cinematográfica na apresentação, que em muito contribui para a eficácia em colocar o jogador dentro da experiência de terror interativa. A equilibração ponderada de iluminação e sombras é um fator essencial nesta categoria de videojogos e Until Dawn fá-lo com mestria. Destacam-se os instantes em "mundo aberto", onde um foco de luz de uma lanterna contra as árvores consegue criar uma imagem marcante.

Para ajudar a intensificar o impacto do género de terror, Until Dawn também realiza uma excelente integração dos efeitos sonoros, que desempenham um papel fundamental na criação do imprescindível nervoso miudinho e de uma sensação aterradora. A música e os efeitos sonoros são utilizados de forma magistral para amplificar o suspense, surgindo nos momentos certos para elevar a sensação de perigo iminente ou incerteza. Em cenas mais calmas, os sons ambientais criam uma sensação de inquietação constante, enquanto em momentos de ação ou susto, os componentes sonoros atingem picos dramáticos que aceleram o ritmo cardíaco do jogador. 

Esses elementos sonoros complementam as cenas de maneira eficaz, não apenas acompanhando as emoções dos personagens, mas também guiando as reações do jogador, mantendo os sentidos sempre em alerta. A banda sonora torna-se, assim, uma ferramenta narrativa por si só, contribuindo para a embrenhando o jogador neste universo ao fazê-lo sentir cada mudança de tom, ameaça ou surpresa na história e alimentando de modo fundamental o impacto emocional do jogo.

Mas há alguns fatores que prejudicam o que de especial este título tenta trazer. Para começar, as expressões faciais das personagens são um ponto de controvérsia. Apesar do jogo utilizar tecnologia de captura de movimento avançada, as expressões muitas vezes parecem forçadas ou pouco naturais. Em cenas dramáticas, certas reações são exageradas ou até desconcertantes, quebrando o realismo que o jogo tenta estabelecer. Essa falta de consistência nas animações faciais pode distrair, especialmente em ocasiões emocionais importantes, onde a autenticidade das expressões é crucial para conectar o jogador com os personagens. Por exemplo, quando uma personagem deveria demonstrar amedrontamento, a expressão é mais uma caricatura desta emoção do que uma expressão genuína, deitando por terra a potencial conexão emocional entre nós e o mundo virtual. Conseguem perceber melhor o que digo no vídeo abaixo:


Também a movimentação das personagens contamina a nossa experiência, ao ser artificial e robótica. Isto é especialmente percetível durante cenas de exploração, em que o andar dos personagens é rígido e mecânico e afeta um pouco a fluidez e naturalidade das interações. Novamente, exemplificamos com um vídeo: 

Por fim, o desempenho de Until Dawn é igualmente limitador: o jogo está bloqueado a 30 fotogramas por segundo e não existe uma opção performance que o coloque a 60FPS, restringindo a fluidez visual que se espera de um título moderno. Mesmo com essa limitação, é possível notar quedas de desempenho em ocasiões de maior carga visual. Essas flutuações de FPS ocorrem principalmente durante cenas com muitos efeitos visuais e com efeitos de iluminação e sombra complexos, mas não a vemos como justificada especialmente dado o seu impacto na consistência da história.


Conclusão

Until Dawn é uma experiência de terror interativa que, apesar de algumas falhas técnicas e inconsistências nas animações, consegue oferecer uma narrativa memorável e um ambiente envolvente. A habilidade do jogo em criar suspense e tensão, apoiada por uma excelente banda sonora, mantém o interesse do jogador ao longo da história. Há um esforço para atualizar um título bem cotado, embora a movimentação das personagens e as expressões faciais possam quebrar a imersão em certos momentos, a trama rica e as escolhas significativas compensam essas imperfeições. Até com suas falhas, Until Dawn consegue provocar emoções que rivalizam com as melhores experiências de terror psicológico, tornando-se uma referência importante para os fãs do gênero.






O Melhor:

  • Narrativa coerente;
  • Efeitos de luz e sombra envolventes;
  • Cenas de tensão bem conseguidas.

O Pior:
  • Movimentação das personagens pouco fluida;
  • Expressões faciais bizarras e contranatura.


Pontuação do GameForces – 7/10


Título: Until Dawn
Desenvolvedora: Ballistic Moon
Publicadora: Sony Interactive Entertainment
Ano: 2024

NotaEsta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela SIE.

Autor da Análise: Filipe Martins 

Análise | Until Dawn - Suspense com imperfeições  Análise | Until Dawn - Suspense com imperfeições Reviewed by Filipe Martins on outubro 18, 2024 Rating: 5

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