Mario é um ícone dos videojogos não só pela qualidade dos seus jogos, mas também pela sua plurivalência. Com Mario Kart, Mario Golf, Mario RPG, e uma míriade de outros spin-offs, o famoso canalizador e os seus companheiros são transpostos para novos contextos, em jogos que conciliam uma excelente concretização das bases do gênero destino com um twist Nintendo. É raro o produto final não acertar na mosca; contudo, como a plenitude das entidades no universo conhecido, Mario tem um limite elástico. Mario não empunha uma AK47, Mario não passa horas a fechar portas de hotéis, e Mario não integra um jogo de terror. O universo do canalizador é colorido e leviano, e os raros momentos contrastantes só podem ser desvios fugazes de um registo acolhedor para todas as faixas etárias.
O choque de expectativas entre Luigi’s Mansion e estes cânones implícitos torna o jogo de lançamento da GameCube imediatamente fascinante. Percorrendo uma mansão assombrada escura, sendo surpreendidos por fantasmas hostis, e ouvindo a banda sonora ominosa de Koji Kondo, podemos não nos assustar, mas empatizamos perfeitamente com os sentimentos de pavor que assolam Luigi, a personagem que controlamos – especialmente porque Luigi’s Mansion é exímio a posicionar-nos nas botas castanhas do irmão de Mario e estabelecer genuína imersão. Parte deste sentimento deriva do sortimento de divisões credíveis que compõe a mansão, que raramente se desviam do esperado para uma herdade real. Porém, os verdadeiros MVPs são os Portrait Ghosts, fantasmas humanóides que vivem absortos nas suas rotinas e nos ignoram completamente até nós os atacarmos. Através desta priorização da verosimilhança, esta mansão ganhou substância como uma localização surpreendentemente tangível para a residência de seres transcendentes num jogo do universo Mario.
Porém, se a GameCube contemplou uma geração inigualada de experimentação para o famoso canalizador, a 3DS e a Wii U consistiram numa era de sanitização e homogeneização. Quando chegou a hora de lançar um Luigi’s Mansion 2 para a Nintendo 3DS (com o subtítulo Dark Moon na Europa) e as chaves do IP foram emprestadas à Next Level Games, havia que corrigir este calamitoso outlier. A música e apresentação sinistras deram lugar a um estilo angular e luzidio, mais próximo do esperado para uma colorida produção Mario. Os Portrait Ghosts desapareceram quase sem deixar rasto, e a pasta da tormenta de Luigi foi transferida para um novo conjunto de fantasmas básicos, cartunescos e brincalhões, que apenas perdem temporariamente o protagonismo na hora das batalhas contra bosses.
Luigi pode continuar a explorar uma mansão (ou, neste título, cinco mansões) para defraudar os planos dos fantasmas Bus e a usar um aspirador para se defender contra hordas fantasmagóricas e resolver puzzles ambientais, mas a atmosfera e alinhamento de prioridades alteraram-se completamente. Na transição, foram sacrificados os elementos que tornaram Luigi’s Mansion profundamente memorável e marcante, em prol da certeza de que a aventura não despertará medo nas crianças mais pequenas.
Foi esta a apreciação que amadureceu na minha mente desde que joguei Luigi’s Mansion 2 pela última vez há mais de 7 anos; um veredito em lento mas certo condicionamento pelos viéses de memória - que, como em tudo na vida, tendem a privilegiar as sensações mais intensas e a esborratar o que é despretensiosamente medíocre ou até ótimo. E foi isso que, até certo ponto, eu esquecera: Luigi’s Mansion 2 é simplesmente ótimo.
As duzentas horas que dedicara à história e ao modo online não eram apenas fruto da minha então reduzida biblioteca 3DS, ou da falta de sentido crítico típica das idades mais tenras. É difícil pousar a consola após sermos desafiados a explorar uma das mansões: entre fábricas de relógios arenosas e minas de cristais invernais, os cinco complexos inspirados que percorremos são tematicamente diversos (sem testarem os limites da nossa credulidade como os pisos estapafúrdios de Luigi’s Mansion 3), e esta variedade é devidamente capitalizada nos puzzles com que somos confrontados. Graças à diversidade de bugigangas (e até Toads amigos!) para transportamos e atirarmos com o aspirador e de geringonças para manipularmos, nunca há duas secções de exploração iguais – um sentimento exponenciado quando procuramos as 13 Jóias opcionais de cada mansão, escondidas de formas que oscilam entre o justo e o deliciosamente diabólico para deleitar quem inspeciona cada canto e recanto das divisões.
O combate também entrou num agradável conflito com as minhas recordações. Em retrospetiva, se ignorarmos os bosses imaginativos e marcantes, o repertório de fantasmas comuns das cinco mansões é humilde. Porém, a cadência cirúrgica da introdução de novos fantasmas e a sua combinação com objetos que alteram os seus padrões de ataque fazem com que o repertório de inimigos pareça muito mais expansivo do que realmente é. O novo método de captura também dá o seu contributo para intensificar os combates: para vencermos um fantasma, precisamos de o surpreender com um flash de luz e, em seguida, aspirá-lo. Durante a perseguição, seguramos o analógico na direção oposta à do ser espectral em fuga, enquanto saltamos no momento certo para nos desviarmos dos ataques dos outros inimigos e tentamos carregar a sucção potente (um puxão vigoroso que drena imensa vida de uma vez). Assim, a nova lanterna impõe método nos confrontos, a sucção potente acrescenta uma componente de risco-recompensa ao combate e o salto confere uma nova dimensão de controlo à captura de fantasmas, sendo uma alternativa superior ao equivalente de Luigi’s Mansion 3 (em que o Slam nos concedia automaticamente vitória) e representando um salto gigantesco em relação ao jogo da GameCube em que, para além de segurarmos o analógico no sentido oposto do do fantasma, apenas nos restava rezar por não sermos interceptados.
Até a segmentação da experiência por missões, que nos coloca a explorar os mapas por “níveis” como se de um Paper Mario Color Splash ou New Super Mario Bros. se tratasse, não é necessariamente um retrocesso face à liberdade do original. O novo sistema encaixa como uma luva em consolas portáteis como a 3DS e a Switch, e a discrepância temporal canónica entre cada expedição do Luigi é aproveitada como pretexto para introduzir mudanças nas mansões e revitalizar as salas antes de se tornarem familiares – seja progressivamente soterrando uma mina de neve numa tempestade invernal, ou evidenciando a tomada de uma mansão pelos aracnídeos locais.
Estava bem ciente de que os acontecimentos grandiosos de Luigi’s Mansion 2 eram escassos e espaçados, mas esquecera completamente a consistência exemplar que permeia toda a campanha. Os puzzles são justos e pertinentes, todas as mecânicas são satisfatórias e polidas, o desperdício do nosso tempo somente se denota nas missões do Fantacão, e a aventura simplesmente não padece de nenhuma daquelas frustrações atrozes que existem até nos melhores jogos: como as caixas de texto morosas do remake de Paper Mario: The Thousand-Year Door, a performance lastimável do 3º capítulo de Baldur’s Gate III, a deficitária interface de escolha rápida de itens em The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. No máximo, posso alegar que E. Gadd muito fala para pouco dizer, que a avaliação da nossa performance nas missões com base no tempo de finalização é antitética à exploração, que as recompensas pela acumulação de crédito deveriam ser mais numerosas, e que o ato de repetir uma missão para encontrar uma jóia que nos escapara é potencialmente enfadonho. Todos são defeitos mais insignificantes na prática do que na teoria, e dificilmente os apontaria se não tivesse experienciado Luigi’s Mansion 2 HD com o chip de redator de análises.
Todavia, não julguem que o mérito desta visão imaculada reside na versão Switch! Nenhum dos parâmetros de funcionamento da aventura foi melhorado, porque não havia nada a corrigir no lançamento original da Nintendo 3DS. Até a excelente tradução dos textos para português de Portugal já existia antes! A Tantalus Media, estúdio responsável pela conversão do jogo para a Nintendo Switch, só empreendeu três grandes mudanças: a acomodação da interface e funcionalidades para um só ecrã, a implementação de HD Rumble e do segundo analógico, e a atualização dos visuais.
Uma atualização laudável, diga-se de passagem. Todos os modelos e texturas foram recriados em alta definição, com um respeito religioso à visão gráfica original. Portanto, estamos perante um refinamento e não uma evolução dos visuais originais, que pode parecer inconsequente à primeira vista. É colocando os jogos lado a lado que nos apercebemos da exaustividade das diferenças, patente nos modelos mais nítidos, nos detalhes adicionados a uma série de objetos, e aos efeitos visuais retocados. Basta olhar para Luigi e ver o seu nariz perfeitamente redondo, a textura e costuras adicionadas à sua indumentária e os seus sapatos envernizados para percebermos que conservadorismo e preguiça não são sinónimos.
É a mesma história de The Legend of Zelda: Twilight Princess HD: o jogo recebeu atualizações gráficas significativas mas, por mal se tirar o pó à geometria original criada para um ecrã com o comprimento de um cotonete, a magnitude das melhorias pode passar despercebida. E, positivamente, se as cenas de Twilight Princess estavam condenadas a envelhecer como leite pela sua direção artística, os visuais estilizados de Luigi’s Mansion 2 tornam este trabalho suficiente para modernizar a aventura de caça de fantasmas e a posicionar sem espinhas no patamar esperado para um jogo original da Nintendo Switch (mesmo que não roce os calcanhares do deslumbrante Luigi’s Mansion 3).
Ainda assim, quando quiser aventurar-me pelas cinco mansões novamente, não é à versão Switch que regressarei. Considero Luigi’s Mansion 2 um exemplo perfeito de como o salto da DS para a 3DS pode elevar uma experiência tradicional. O Circle Pad permite que nos desloquemos intuitivamente por ambientes tridimensionais, e o giroscópio é perfeito para ajustar a angulação do aspirador e eliminar a necessidade do uso de um segundo analógico. Podemos encontrar estas evoluções na Nintendo Switch; porém, o mesmo não se pode afirmar do efeito 3D.
As salas estilo diorama que integram as mansões, as cinemáticas dinâmicas, e todos os pequenos easter eggs plenos de charme com que a Next Level Games adornou o jogo foram inequivocamente concebidos com esta profundidade de campo em mente. Este toque visual extra fascina-me ao ponto de, após concluir missões de Luigi's Mansion 2 HD como o boss final, ter imediatamente ligado a minha 3DS e repetido os mesmos acontecimentos só para olhar embasbacado para a dimensão extra! Isto para não falar do segundo ecrã e da conveniência associada a podermos consultar e deslocar o mapa da mansão a todo o momento (substituído na versão Switch por um minimapa opcional e um novo menu de consulta dos planos do edifício).
Consequentemente, sou deixado a matutar sobre a pertinência deste remaster, para além de introduzir o jogo a um novo público e de preencher uma vaga no calendário de lançamentos da Nintendo (desculpas que serviriam para qualquer amostra de software do passado da companhia). Não vem resolver nenhum problema de disponibilidade, como o remake de Paper Mario: The Thousand-Year Door, nem de controlos, como The Legend of Zelda: Link’s Awakening. Nem sequer foi introduzido qualquer conteúdo inédito à experiência para aliciar quem a jogara na 3DS, como a opção de a vivenciar com um segundo jogador ou até uma mansão ou missões extra, fáceis de espremer algures na lista de níveis da campanha.
No máximo, pode-se argumentar que a Nintendo veio garantir nobremente a preservação do modo online Torre dos Sustos, dois meses após os serviços online da Nintendo 3DS terem sido desafortunadamente abatidos pela Nintendo (coincidência das coincidências). Seja este um chamariz de má fé ou não, foi o modo multijogador o catalisador da minha pré-aquisição do jogo. Até quatro jogadores podem juntar-se para superar uma torre de desafios gerados proceduralmente, ao derrotarem fantasmas, encontrarem fantacães e descobrirem sob um limite de tempo o acesso para o próximo piso. Já é aliciante a perspetiva de coordenar com outros jogadores as melhores estratégias para devastar este desafio; coloquem à mistura minibosses especiais necessários para alcançar os afamados 100%, e têm a desculpa perfeita para investir dezenas de horas nesta componente multijogador. Só tenho pena de não poder sinalizar locais específicos no mapa aos meus colegas, algo que podíamos fazer com o ecrã de toque na 3DS.
É uma benesse poder contar com o regresso da Torre dos Sustos original, porque não quero de todo regressar à de Luigi’s Mansion 3. As adições da iteração mais recente do modo, nomeadamente novos objetivos, suporte para oito jogadores, salas secretas e um final boss melhor, em nada compensam a redução das opções de personalização de partidas, a obrigatoriedade de cooperação em certos momentos (ruinosa com jogadores aleatórios), a remoção de um incentivo à recolha de dinheiro, e a quantidade elevada de bugs. A edição de estreia de ScareScraper pode ser menos vanguardista em 2024 mas, tal como a história de Luigi’s Mansion 2, é a sua consistência e isenção de irritações que acaba por me conquistar.
Conclusão
Luigi's Mansion 2 HD pode não ter a atmosfera imersiva, os fantasmas humanóides memoráveis e as sequências surpreendentes dos outros jogos da série, mas tem para oferecer a qualquer possuidor da Nintendo Switch uma viciante experiência de exploração e combate a seres do além, com um design profundamente portátil que a torna perfeita para consolas como a Nintendo 3DS e Nintendo Switch.
Não vos estou a contar nada de novo se já experienciaram esta campanha na 3DS, mas isso é porque não há nada de novo para dizer. Fora as acomodações indispensáveis para o jogo funcionar no hardware atual e uma respeitável melhoria da apresentação, esta aventura foi transportada para a consola híbrida da Nintendo numa redoma de vidro, não existindo qualquer argumento para conquistar quem ainda possui a última consola portátil da Nintendo.
- Cinco mansões variadas e originais;
- Exploração viciante, especialmente na busca das Jóias opcionais;
- As melhores mecânicas de combate da série;
- Bosses excelentes;
- Totalmente em português de Portugal;
- O regresso do modo Scarescraper;
- Melhoria gráfica substancial...
- ...que não é inequivocamente superior ao efeito 3D;
- Sem nenhum conteúdo novo;
- Atmosfera genérica em comparação com o primeiro jogo;
- Fantasmas comuns menos estimulantes do que os Portrait Ghosts do predecessor.
Desenvolvedora: Tantalus Media
Ano: 2013-2024
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
Para esta análise apenas posso dizer:
ResponderEliminarGOOD JOB! GOOD JOB! GOOD JOB! GOOD JOB! GOOD JOB!