Análise | Splatoon 3: Expansion Pass (Inkopolis & Side Order) - Em Modo Poupança de Tinta

A dimensão competitiva de Splatoon pode ser os pulmões e coração desta série da Nintendo, mas isso não significa que estes jogos de tiros estão isentos de valor como propostas para um jogador. A mecânica basilar de pintura e nado no território conquistado, conciliada com o talento da Nintendo na conceção de inimigos e gimmicks, imbui a série de uma mina de potencial para aventuras de plataformas e combate. É precisamente este potencial que a Nintendo capitaliza nas aventuras “tutoriais” incluídas com cada jogo e, desde Splatoon 2, nos conteúdos adicionais pagos.

Até hoje, considero a DLC de Splatoon 2, Octo Expansion, a melhor experiência para um jogador da série, pela sua reorganização majestosa dos pequenos elementos que compunham a campanha banal de Splatoon 2 numa nova história revigorada, delineada por missões focadas em inimigos e armas específicos que, pela sua não linearidade, se permitem ser mais desafiantes, experimentais e consequentemente memoráveis. Com níveis tão variados e concisos quando inspirados, um aprofundamento notável da história do universo e um climax soberbo, Octo Expansion é muito, muito mais do que a soma das suas humildes partes. Após Return of the Mammalians (a história incluída em Splatoon 3) seguir as pegadas de Octo Expansion, estava ansioso por descobrir se, e como, Side Order seria capaz de reinventar a roda.

Pois bem, aguentemos esta ânsia mais uns minutos antes de mergulharmos no sumo desta campanha, porque "Splatoon 3: Expansion Pass" e "Side Order" não são sinónimos: a Inkopolis Plaza, o hub de Splatoon (1), também foi adicionada ao terceiro jogo da série. Assim, poderão escolher esta cidade como uma alternativa a Splatsville, sendo que esta conta com pequenas alterações para acomodar todas as funcionalidades do terceiro jogo. Noutro título, reviraria os olhos perante esta adição cosmética; em Splatoon 3, jubilo por esta metrópole ser mais pequena e densa do que Splatsville e me permitir chegar mais rapidamente ao modo Tableturf… e depois dou permissão aos meus olhos para fazerem a pirueta. Depois de 300 horas no jogo, pouco me importa se o hub é azul, verde ou em forma de Inkopolis Plaza se, 199 em cada 200 vezes que inicio Splatoon 3, salto imediatamente para o lobby ou lojas através do menu de acesso rápido.

Consequentemente, Inkopolis Plaza acaba por ser uma adição praticamente supérflua em termos de funcionalidade e jogabilidade. Mas funcionalidade não é tudo (os nossos apêndices que o digam), pelo que eu estava disposto a elogiar esta novidade se a Nintendo pelo menos tivesse investido em diálogos ou worldbuilding, ao restituir às Squid Sisters o seu cargo como pivots das notícias (em vez de apenas as trazer para a ribalta nas Splatfests, nas quais elas realizam as suas performances musicais).

Se conhecêssemos a perspetiva destas personagens sobre os mapas e modos de Splatoon 3 e testemunhássemos o seu regresso à ribalta fora das atividades do (New) Squidbeak Splatoon, conseguiria justificar esta componente da DLC por dar a sua pequena contribuição para tornar o mundo de Splatoon um nadinha mais pleno e vivo. Na realidade, quando temos de assistir a um anúncio em Inkopolis Plaza, é o grupo de Splatsville (Deep Cut) que entra em cena, enquanto as personagens de Splatoon 1 cumprem a exigente incumbência de sorrir e acenar. 

Em todo o caso, não vale a pena eu massacrar o show de abertura da DLC: se perspetivarmo-lo como "primeira de duas partes" de conteúdos, Inkopolis Plaza é desapontante; como um bónus emparelhado a uma nova história, é uma agradável lembrança das raízes de Splatoon. É que não há dúvidas nenhumas de que o espetáculo principal é a campanha Side Order. Esta é uma nova história na qual voltamos a assumir o controlo de Agent 8, com a missão de escalar a Spire of Order e derrotar a entidade malévola presente no ponto mais alto da torre deste mundo digital para salvar a lulanidade.

É isso mesmo, “mundo digital”. Detesto ser o portador das más notícias, mas a Inkopolis isenta de cor não tem as implicações ou os elementos sinistros indiciados no teaser trailer. Na realidade, a narrativa prende-se com três grandes tópicos, todos modestos: o plano básico do vilão, a entrega de uma resolução para as pequeninas e praticamente insignificantes pontas soltas de Octo Expansion, e a exposição das relações entre Acht e Marina e entre Pearl e Marina. Inicialmente, eu entrara de bom grado nesta porta para a vida das personagens; porém, depois de incontáveis interações entre as jovens com similares moldes e conteúdos, já estava desesperado por dar meia volta e deixar para trás este bater no ceguinho insofrivelmente maçador.

De um mundo pós-calamitoso saltamos para uma realidade virtual convivial, e imagino que a premissa sinistra e intrigante da DLC tenho sido descartada e trocada por um mundo digital para que este último concedesse plausibilidade intra-universo às regras da jogabilidade. Side Order é uma campanha roguelite, não muito diferente na sua estrutura de jogos como Hades e o recém lançado God of War: Ragnarok: a aventura está dividida em 30 pisos de desafio e, assim que superarem o último, terão terminado a vossa jornada. Em cada piso, terão de cumprir uma de 5 condições: proteger uma Splat Zone, transportar uma torre até à meta, guiar uma ou mais bolas até à meta, derrotar os ultrarrápidos Sharks ou derrotar um boss. A barrar o vosso progresso, surgirão hordas de Jelletons, inimigos inéditos que parecem uma reinterpretação dos Salmonids; aliás, a aventura inteira pode ser vista como uma reformulação de Salmon Run para jogatinas a solo. 

Após cada desafio superado, têm de escolher qual o piso e missão que pretendem aceitar dentro de três opções, cada uma associada a uma melhoria de poder, alcance, sorte, etc. que vos acompanhará até ao final da tentativa. Se, nalgum momento da subida, esgotarem as vossas vidas, perderão as melhorias temporárias e regressarão ao rés-do-chão, onde poderão usar os vossos espólios para adquirir melhorias permanentes para a Agent 8 ou decorações para a componente online de Splatoon 3, bem como voltar a desafiar a torre do início.

Não detalhei tudo tudo para que a análise não se tornasse numa entrada da Wikipedia, mas dá para perceber que não há nenhuma revolução estrutural em relação ao comum roguelite, certo? E aqui chegamos ao meu principal problema com a DLC: eu abomino rogueli*es. Podem conhecer melhor as minhas razões para tal num artigo dedicado ao tema (originalmente planeado como parte integrante deste texto, pelo que recomendo bastante a leitura), mas por agora só preciso que saibam o básico: detesto o modo como a permadeath implica que tenhamos de concluir várias vezes o mesmo conteúdo, e não reconheço nos níveis criados proceduralmente o mesmo valor artístico e de entretenimento dos segmentos desenhados meticulosamente por um desenvolvedor, com uma visão e filosofia aplicada rigorosamente.

Curiosamente, não posso simplesmente acusar Side Order destes problemas, esfregar as mãos e publicar esta análise. Desde logo, o permadeath existe nesta DLC, mas não me deixa margem para reclamações… porque o seu impacto foi praticamente nulo na minha experiência. Morri uma única vez antes de atingir os créditos, e apenas não superei a torre de primeira porque andei com paninhos quentes a respeitar religiosamente a condição bónus de um nível; nessa altura, ainda não tinha notado que estes objetivos opcionais, atribuídos aos níveis de forma aleatória e esporádica, foram implementados com pouco ou nenhum rigor (por exemplo, um destes desafiava-me a “não usar a forma lula” num piso em que, se não atravessasse Ink Rails com esta transformação, seria incapaz de me aproximar do objetivo).

Contabilizando este trágico perecimento, até derrotar o grande vilão, investi cerca de 2 horas e meia na campanha, e só cerca de hora e meia foram despendidas em jogabilidade; em contrapartida, Octo Expansion rendeu-me bem mais do dobro do tempo e, assinalo, quase sem recorrer a reutilização de conteúdo. Porém, se o material promocional da Nintendo clarifica algo, é que a empresa japonesa vê o potencial de rejogabilidade como a mais-valia irresistível de Side Order: podem jogá-la vezes sem conta, quem sabe até milhões de vezes! De facto, após derrotarem o grande vilão, o jogo encoraja-vos a escalar a torre mais 11 vezes, uma vez com cada arma disponível na DLC, para reverterem definitivamente as ações do vilão.

Enquanto irremediável aficionado de Splatoon, abracei previsivelmente esta tarefa e cumpri-a sem suar ou praguejar, arma a arma. E arma a arma, ia ficando progressivamente mais indignado por este “pós-game” não introduzir novidades em nenhuma das novas partidas, apresentando apenas alterações nas linhas de diálogo relacionadas com o boss final. O mais escandaloso é que, no final desta jornada ingrata, nem tive direito a uma recompensa final decente: não há sequer cheiro de um boss ou nível secreto, e os textos que vamos desbloqueando arrastam demasiado o pouco de interessante que a história tem para nos transmitir.

Suponho que haja um elevado grau de confiança dos desenvolvedores no prazer intrínseco de vencer a Spire of Order e, genuinamente, consigo entendê-los até certo ponto – jogar 12 vezes algo que detesto seria um desesperado pedido de ajuda a quem me rodeia. Apesar da clara noção de que faltava a Side Order mais um tempinho na grelha e alguns acompanhamentos, jogar Side Order é divertido, porque jogar Splatoon 3 é divertido. Do mesmo modo que consigo retirar prazer ao atravessar níveis medíocres de Super Mario Maker por as mecânicas de movimentação refinadas serem meio caminho andado para eu apreciar todo e qualquer trajeto, consigo fazer o mesmo nesta expansão por esta não macular a jogabilidade no cerne da série. 

Por outro lado, a progressão da imponência da nossa personagem é muito mais evidente do que noutros jogos do gênero, em parte pela crescente velocidade e eficácia com que dilaceramos as hordas, e em parte porque, num vácuo, os upgrades são bastante generosos, injetando-nos uma dose de serotonina e adrenalina à medida que vemos Agent 8 a adquirir a velocidade de Hermes ou a artilharia de Hefesto – isto dependendo dos tipos de upgrades que escolhemos. Diferentes escolhas de melhorias dão azo à adoção de estilos de jogo completamente distintos, na excitante vertente de experimentação que mais eleva o valor de rejogabilidade da Spire of Order.

Experimentação esta que é aprofundada pelo drone da Pearl, que nos acompanha a todo o momento, dispensando itens e, mais importante, lentificando as nossas quedas. Esta opção de movimentação adiciona verticalidade ao leque de variáveis dos combates e abre as portas para um expandido rol de estratégias: pode ser uma táctica rudimentar, mas não há nada como atrair e concentrar Jelletons por baixo de nós para os dissolver com um Splashdown certeiro! Como é comum com mecânicas saídas do berço a integrar séries maduras, o Pearl Drone só peca por defeito, visto que a sua aplicabilidade é condicionada pelas escassas formas de que dispomos para ganhar altitude. 

Apesar destes tiros certeiros, não sei até que ponto o conteúdo existente justifica sequer as doze jogatinas da praxe. Side Order dispõe de 12 inimigos comuns, com padrões de ação demasiado previsíveis, e 4 bosses totalmente distintos, dos quais 3 dão o corpo às balas em cada partida completa pela Spire of Order, numa frequência que assegura que perdem o seu apelo individual num piscar de olhos.

Adicionalmente, noutro alicerce em que Side Order se distancia das normas dos roguelites, os níveis não são proceduralmente gerados. A Nintendo não deixou o trabalho de criar os cenários da torre ao algoritmo e, considerando todos os pares mapa-objetivo presentes, existem cerca de 100 combinações diferentes para experimentarem. Realmente parecem muitas se expuser este número chorudo mas, entre o estilo de arte uniforme e estéril e as construções pouco mais complexas do que arenas de Beyblade, sou absolutamente incapaz de nomear mais de 10 – e não é nada surpreendente que os mapas que mais bem recordo sejam os que são usados apenas com um dos 5 objetivos, mostrando por raros instantes sombras da criatividade por trás de Octo Expansion. E realço que são só mesmo sombras fugidias, porque mesmo os cenários que merecem uma palmadinha nas costas estão restritos pelos objetivos de Side Order, descurando valências como platforming, gestão de tinta e furtividade, que apenas são minimamente úteis em serviço do combate. 

E vejam bem, mesmo que cada um dos 100 níveis fosse a 8ª, 9ª, 10ª maravilha do mundo, esgotarão todas as combinações disponíveis ao fim de 6 ou 7 partidas e, posteriormente, apenas os repetirão ad aeternum. Não estou a insinuar que preferiria que as arenas fossem originadas pelo algoritmo do jogo para aumentar a sua longevidade (no dia em que eu o fizer, podem assumir que fui lobotomizado), mas, se a longevidade almejada não era de todo alcançável com esta fórmula, não há desculpa para existirem menos níveis no total do que os presentes em Octo Expansion, e para todos serem criados com este nível de conservadorismo. No final de tudo, o que determina a frequência com que revisito uma experiência é a qualidade e nível de diversão dos seus desafios e, ironicamente, será à DLC de Splatoon 2 que regressarei quando quiser coçar a gana de Splatoon a solo.


Conclusão

Splatoon 3: Expansion Pass aparentava ser uma vitória garantida para a Nintendo, depois de os desenvolvedores da série de shooters descobrirem a fórmula perfeita para este estilo de conteúdos no jogo anterior. No entanto, uma respeitável procura de uma nova direção e formato para a campanha a solo culminou numa gigantesca queda na qualidade e quantidade de conteúdo, em praticamente todas as vertentes - e a inclusão de Inkopolis Plaza pouco ou nada faz para a amortecer.

Ainda assim, estaria a mentir se dissesse que jogar Side Order não é divertido; mesmo que o mérito advenha maioritariamente do sólido jogo base, o fator novidade e uma componente de experimentação irresistível ajudam a assegurar a nossa diversão numa aventura, de resto, com falhas extremamente evidentes.


O melhor

- Uma desculpa para jogar mais Splatoon 3;

- Rica componente de experimentação;

- Ótimo aprofundamento mecânico na adição de Pearl Drone;

- Inkopolis Plaza facilita o início de partidas Tableturf.

 

O pior

- Dificuldade anedótica;

- História e diálogos redundantes e desnecessariamente arrastados;

- Curtíssima duração e nenhuma novidade mecânica ao longo das diferentes runs;

- Replay value assente em repetição sem substancial variabilidade;

- Condições bónus mal projetadas;

- Inexistência de uma recompensa apropriada pelo "longo" pós-jogo;

- Foco desproporcionado em combate.

 

Nota do GameForces: 4.5


Título: Splatoon 3: Expansion Pass
Desenvolvedora: Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2023-2024

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.

Autor da Análise: Tiago Sá

Análise | Splatoon 3: Expansion Pass (Inkopolis & Side Order) - Em Modo Poupança de Tinta Análise | Splatoon 3: Expansion Pass (Inkopolis & Side Order) - Em Modo Poupança de Tinta Reviewed by Tiago Sá on março 19, 2024 Rating: 5

1 comentário:

Com tecnologia do Blogger.