Análise | Penny’s Big Breakaway – Revivalismo Que Se Estranha e Se Entranha


Por muito que não o queiramos, temos de admitir uma coisa: estamos a ficar velhos. Isto é chato em muitas coisas, sobretudo para a diminuição da qualidade das costas e para o aumento de grunhidos estranhos que nos saem da boca de cada vez que nos levantamos do sofá. Mas também traz algo de engraçado, que pode ser uma bênção durante alguns momentos de lazer – a sensação de nostalgia. E esta indústria é bem perita em fazer-nos cócegas na nostalgia, desde a quantidade de remasterizações e remakes, até às experiências totalmente novas que procuram recapturar as sensações que os jogos do passado eram capazes de transmitir. É nesta segunda categoria de jogos que encontramos Penny’s Big Breakaway, sendo um título de plataformas em 3D que tenta transportar-nos para a era áurea das consolas da SEGA. Mas será esta uma experiência capaz de evocar sensações reconfortantes, ou uma que estragará as saudades que temos de tempos mais simples?


Penny’s Big Breakaway catapulta-nos para um animado e colorido mundo onde o imperador Eddie está a preparar um espetáculo para a sua gala. Para tal, precisa de um parceiro que esteja à altura de participar num dueto consigo, e prepara audições para encontrar o talento perfeito para tal. Eis que entra a jovem Penny, capaz de desempenhar impressionantes truques graças ao seu ioiô senciente chamado… Yo-Yo. Vendo aqui a sua grande oportunidade de atingir o estrelato, Penny e Yo-Yo deslocam-se às audições e acabam por, inadvertidamente, transformar a ocasião num acontecimento humilhante para o intempestivo imperador.

Como tal, o imperador decretou Penny uma fora-da-lei, levando a jovem performer a fugir da justiça e dos exércitos de pinguins à disposição do império, levando-a a uma aventura com implicações cósmicas, mas com um toque surpreendentemente humano no centro de tudo. Honestamente, nunca espero encontrar bons enredos ou linhas narrativas cativantes em jogos deste género, mas graças a uma reviravolta ou duas, Penny’s Big Breakaway surpreendeu-me pela positiva nesta vertente. Não ganhará prémios, nem nada do que se pareça, mas ajudou a tornar toda esta aventura um bocadinho mais cativante, o que é sempre bom.

Esta aventura leva-nos a percorrer dezenas e dezenas de níveis cheios de cor e vivacidade, enquanto utilizamos as habilidades de Yo-Yo para saltar entre plataformas, atravessar corpos aquáticos ou magmáticos e, derradeiramente, atingir os palcos que estão no final. Começamos o jogo com todas as habilidades base ao nosso dispor. Podemos atirar e fixar Yo-Yo no ar, para nos balançarmos nele e, assim, atravessar quedas falésias sem fundo, usar um salto duplo para chegar um pouco mais longe, rodopiar para desatarraxar elementos nos ambientes, montar Yo-Yo como se fosse um motociclo para atravessar longos caminhos rapidamente, ou sermos puxados por Yo-Yo como se fôssemos nós o ioiô para voar rapidamente de uma plataforma para outra. Andando pelos níveis, podemos ainda encontrar power-ups temporários que nos permitem voar, atravessar riachos sem o perigo de nos afundarmos, dar mais poder a Yo-Yo para partir paredes, entre outros.


Ou seja, é uma jogabilidade rica e criativa, que à primeira vista não parece muito complexa. E se usarmos cada habilidade por si só, uma de cada vez, de facto não é. Mas muito rapidamente começamos a sentir dificuldades em atravessar os níveis sãos e salvos, em tempos satisfatórios ou até em encontrar os colecionáveis e em cumprir as missões secundárias que os cidadãos deste mundo nos vão pedido à medida que vamos passando pelos níveis. E assim, começamos a sentir alguma estranheza. Porque estamos a usar as nossas habilidades todas, e mesmo assim, temos a sensação de que não estamos a jogar eficazmente. Ainda para mais, quando o analógico direito não controla a câmara – esta mexe-se sempre automaticamente, apontando-nos o(s) caminho(s) -, mas antes faz com que lancemos Yo-Yo na direção para a qual desviamos o mesmo.

Sim, a primeira impressão é positiva, mas fica-se com a pulga atrás da orelha, sempre com a sensação de que algo não está bem, que algo está em falta. Mas à medida que vamos jogando, vamos percebendo melhor algo que o jogo não nos explica (não muito bem, pelo menos) – o segredo está no encadeamento das habilidades de Penny e Yo-Yo. Chega uma altura em que começamos a perceber o sistema de física de impulso, como este afeta a transição entre o baloiçar e o montar Yo-Yo, e vice-versa. E nessa altura começamos a perceber a utilidade do analógico direito e de como a câmara automática acaba por nos dar muita mais liberdade do que a que nos retira. Aqui, começamos a dominar o jogo, e a perceber que estamos perante uma experiência muitíssimo divertida e de grande qualidade. Aqui, começamos a entranhar Penny’s Big Breakaway.

Algo que ajuda a entranhar toda esta experiência, é também o design de níveis exímio. Cada nível é composto por enormes áreas abertas decoradas consoante a temática do nível – os típicos cenários de gelo, riachos, magma, por aí fora. Nestas áreas, há um caminho até ao palco final, e temos de ir observando como variadíssimos obstáculos e perigos estão colocados e como se comportam no ambiente, de modo a percebermos como podemos chegar ao fim. A diversidade de perigos é enorme, tal como as combinações destes que vamos encontrando ao longo dos níveis. Mas mais do que isso, a liberdade de podermos usar e encadear as nossas habilidades em qualquer momento permite-nos explorar imensos recantos e encontrar caminhos alternativos ao que a câmara nos mostra.


Há poucas coisas mais prazerosas do que sentir que somos perspicazes ao ponto de ignorar o óbvio para encontrar caminhos alternativos para resolver os problemas que o jogo coloca perante nós. E Penny’s Big Breakaway é um título perito em dar-nos essa sensação, tanto pelo facto de ser necessário dominar bem as mecânicas para o fazer, como pelo facto de ser necessário superiorizarmo-nos à câmara automática e incontrolável. É aqui que esta câmara se torna potenciadora de diversão, e não inibidora da mesma. Caso queiramos despachar o nível, sabemos sempre para onde ir. Mas caso queiramos brincar com as mecânicas e deixarmo-nos levar pela curiosidade do que cada nível tem escondido, sentimo-nos competentes e perspicazes por conseguir dar a volta à câmara. O mais interessante, é que nem é preciso haver grande recompensa à nossa espera, não tem de haver um colecionável, ou sequer uma quantas moedas à nossa espera. A sensação de conquista do jogo é motivadora e gratificante o suficiente para nos fazer querer transformar esta experiência de 7 ou 8 horas, numa de 15 horas ou mais.

Para atingir essa marca dos dois dígitos de horas de jogo, também ajuda o facto de haver uma boa quantidade de conteúdo adicional dentro e para além da campanha. Dentro dos níveis, temos os tais colecionáveis e missões secundárias referidas acima. As segundas, podem varia entre atravessar rapidamente uma secção do nível, recolher itens espalhados, entregar um item importante sem sofrer dano pelo caminho, ou encadear habilidades de modo a acumular uma certa quantia de pontos. Para além da campanha, temos uma série de níveis especiais que são desafios de plataformas mais puros, e que podemos desbloquear gastando os colecionáveis que recolhemos nos níveis base. E temos também modos de Time Trial e de desafio de Speedrun, que nos obrigam mesmo a demonstrar todo o domínio das mecânicas de jogo. Há muito para explorar e há imensos incentivos à rejogabilidade – incentivos esses que nos compelem a ficar mais umas quantas horas neste mundo de ioiôs mágicos e exércitos de pinguins.

Mas nem tudo é belo e maravilhoso em Penny’s Big Breakaway. Por muito entusiasmante que seja dar o clique e dominar as mecânicas, há algumas falhas que são exacerbadas quando isto acontece. A primeira, e mais óbvia, é a falta de escalar de dificuldade entre níveis. Toda a curva de aprendizagem do jogo está dependente do quão rápido ou eficazes somos a dominar e a encadear as habilidades de Penny e Yo-Yo. A partir desse momento, todos os níveis parecem ter o mesmo nível de dificuldade. Um nível do nono mundo, não é mais difícil do que um no terceiro, ou do quinto. Não sentimos que a dificuldade vá aumentando ao longo da campanha, ficando a sensação de que os produtores receavam alienar os jogadores que demorassem mais tempo a dominar as mecânicas. Ou seja, a dada altura, deixámos de nos sentir desafiados pelos níveis do jogo. Foram sempre divertidos de explorar e conquistar, mas gostaríamos de ter sido mais desafiados.


De resto, o jogo apresenta demasiados bugs, inconsistências e problemas técnicos. Estes problemas dizem sobretudo respeito à quebra acentuada na taxa de fotogramas sempre que chegamos a uma área mais ampla e recheada de água, ou sempre que o jogo começa a carregar demasiados elementos cénicos no pano de fundo. Como seria de esperar, num jogo de plataformas que exige bastante precisão em todas as ações, movimentos, e afins, isto é um problema que causa um incómodo notório. Nunca morremos por causa de uma destas desacelerações, mas perturba a fluidez do jogo.

Já os bugs, dizem todos respeito à interação de Penny com elementos ambientais. Nomeadamente, no quão presos podem ficar nestes. Perdemos genuinamente a conta das vezes em que Penny devia ter aterrado numa plataforma e ou ter lá permanecido ou escorregado por ela abaixo. Mas não, foram imensas as vezes – imensas mesmo – em que vimos Penny simplesmente ficar presa na borda de uma plataforma, às cambalhotas no lugar, até que finalmente, passados uns quantos segundos, escorregava por essa borda abaixo e caía para a sua morte. As caixas de contacto com as bordas das plataformas são muito inconsistentes, e leva a este bug extremamente recorrente que nos faz perder imenso tempo e paciência.

O problema das caixas de contacto inconsistentes é um problema que temos, de facto, de lamentar profundamente. Não só pelo que descrevemos no parágrafo anterior, mas também pelo facto de prejudicarem muito a diversão das batalhas boss de Penny’s Big Breakaway. Estas batalhas deviam reenquadrar as mecânicas de jogo e colocar-nos diante de desafios diferentes e que mexem com a fórmula. E até certo ponto, conseguem fazer exatamente isto, com os confrontos a serem uma lufada de ar fresco criativa e divertida, até certo ponto. Mais concretamente, até ao ponto em que as caixas de contacto se apresentam como um problema relativamente danoso.


É muito, muito difícil prever se a vasta maioria dos ataques do elenco de bosses deste jogo nos vai atingir ou não quando estamos a correr pelas arenas de combate a tentar esquivarmo-nos dos mesmos. Em alguns casos, também é difícil prever se um ataque nosso com Yo-Yo vai atingir ou não o nosso oponente. As caixas de contacto nestes confrontos são muito irregulares, havendo demasiadas situações em que temos claramente a sensação de que um ataque inimigo não nos devia ter danificado, mas nas quais vemos a nossa barra de energia a diminuir.

Olhando a outras vertentes mais técnicas, não podemos ignorar a bizarra direção artística de Penny’s Big Breakaway. Todos os ambientes são coloridos e cheios de vida, e todas as personagens estão muito bem caracterizadas através de excelentes animações que lhes dão uma vivacidade e uma personalidade marcantes, enquanto evocam sensações nostálgicas acolhedoras. Mas os designs das personagens são… únicos. Honestamente, vai depender imenso de pessoa para pessoa o quão bonito ou feio vão achar o elenco de personagens. Por aqui, achamos que são geralmente feios, e definitivamente a pior parte de toda a vertente artística, mas conseguimos ver muita gente que cresceu a jogar tantos dos títulos de plataformas presentes em consolas clássicas da SEGA a conseguir entranhar esta estranheza particular do jogo.

Mas vamos lá terminar em beleza. A banda sonora de Penny’s Big Breakaway é sublime. Um misto perfeito de cativante, divertido e nostálgico. Cada trilha confere a cada secção deste mundo uma sensação única. Ao ponto de uma das melhores partes do progresso para um novo mundo ser o de poder desvendar um pouco mais da banda sonora tão, tão boa. É genuinamente um dos pontos altos de toda esta experiência, e éramos perfeitamente capazes de ficar parados no início de um nível enquanto íamos fazer uma tarefa doméstica qualquer só para ser a respetiva trilha sonora a tocar enquanto resolvíamos os nossos afazeres. E juntando a isto uma panóplia de efeitos sonoros também bastante cativantes e nostálgicos, só temos coisas muito boas a dizer de toda a vertente sonora deste jogo.


Conclusão
Penny’s Big Breakaway é um jogo no qual se aplica na perfeição a expressão idiomática “primeiro estranha-se, depois entranha-se.” O primeiro impacto causa alguma estranheza e confusão às sensibilidades de jogo mais modernas, mas à medida que vamos avançando e dominando melhor as mecânicas, encontramos uma verdadeira pérola nesta experiência. Não será ainda um marco dentro do género de plataformas em 3D, sobretudo devido a algumas inconsistências e a alguns problemas técnicos que perturbam a experiência, mas é um jogo que nos deixa com água na boca, e a rezar para que Penny acabe por partir em mais aventuras no futuro.


O Melhor:
  • Jogabilidade incrivelmente divertida e entusiasmante depois de dominada
  • Design de níveis extremamente bem conseguido, com muitos segredos e desafios para descobrir
  • Imenso valor de rejogabilidade e conteúdo secundário para desbloquear
  • Banda sonora estupendamente viciante e evocadora de nostalgia

O Pior:
  • Sensação de progresso quase inexistente depois de se dominar a jogabilidade
  • Caixas de contacto de ambientes e inimigos (sobretudo bosses) algo inconsistentes
  • Alguns bugs e problemas de desempenho recorrentes que perturbam a experiência

Pontuação do GameForces – 7.5/10

Título: Penny’s Big Breakaway
Desenvolvedora: Evening Star
Publicadora: Private Division
Ano: 2024

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela Private Division.

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Análise | Penny’s Big Breakaway – Revivalismo Que Se Estranha e Se Entranha Análise | Penny’s Big Breakaway – Revivalismo Que Se Estranha e Se Entranha Reviewed by Filipe Castro Mesquita on março 22, 2024 Rating: 5

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