Há
pouco menos de quatro anos, o mundo foi brindado com The
Last of Us Part II. Na altura, este vosso ilustre redator analisou
o jogo para a PlayStation 4, acabando por dar a este título a nota máxima
possível. Apesar de algumas questões relativas ao efeito desejado de algumas
decisões narrativas ou ao ritmo a que a história progredia, o derradeiro murro
no estômago que o final do jogo me deu levou-me a desvalorizar os pequenos
problemas que senti com o geral da experiência. Agora, mais velho e com muitas
outras experiências narrativas e de jogabilidade em cima, é com muita
curiosidade que olho para esta remasterização, não só pelo que se propõe a
melhorar, mas também pelo que se propõe a oferecer de novo. Será The Last of
Us Part II Remastered uma experiência à qual quererei continuar a
regressar, ou será um fungo do qual me quererei livrar tão cedo quanto
possível?
Quão
melhorada é que a experiência de The
Last of Us Part II pode ser? Eis a questão central que muitos
jogadores colocaram quando este jogo foi oficialmente divulgado. E a resposta é
simples: não muito. Comparando com a experiência na PlayStation 4, há algumas
melhorias visuais e técnicas que posso apontar. Os efeitos luminosos estão
visivelmente melhores, a fluidez da água de rios, riachos e poças que são pisadas está mais realista, e alguns efeitos de partículas estão mais notáveis. Em
termos de desempenho, o jogo corre consistentemente a 60 fotogramas por
segundo, e os tempos de carregamento são estupendamente curtos. Para além
disto, as funcionalidades do DualSense foram muito bem implementadas, com o
feedback háptico a dar respostas diferentes consoante a arma que disparamos, ou
consoante nos deslocados a pé ou no dorso de um cavalo, para dar alguns exemplos.
E
basicamente… é isto. Face a um jogo laçado durante o pôr-do-sol da anterior
geração da PlayStation, e que espremeu até ao tutano tudo o que esse sistema
era capaz de dar, naturalmente que o salto não seria tão vertiginoso como foi
entre The
Last of Us Remastered e The
Last of Us Part I. Mas é ainda menos vertiginoso se compararmos a
atualização que a versão PS4 recebeu para correr melhor na consola da atual
geração há uns anos. Tenho muitas dificuldades em perceber as melhorias
técnicas em relação a essa versão do jogo. E mesmo em termos gráficos, apenas
consigo mesmo destacar como algo significativa a melhoria do sistema luminoso, que passou a incluir um
ray-tracing que acentua muito bem a grandeza deste mundo, e a claustrofobia
tensa dos corredores recheados de infetados.
Ou
seja, há aqui a registar algumas das melhorias esperadas de um título que
inclui uma conjugação do verbo remasterizar, e o jogo continua a ser
inacreditavelmente (por vezes, grotescamente) belo. Mas não é por aqui que vão
encontrar o grande valor acrescentado desta versão do jogo face à anterior.
Eis
uma novidade para quase ninguém: a história de The
Last of Us Part II é fenomenal. Das melhores que podemos encontrar
neste meio de entretenimento, de facto. As narrativas de perda e de vingança
que se alimentam mutuamente, num círculo vicioso (quase) inquebrável, com
fogachos de busca pela redenção e pela humanidade onde esta parece não existir
é inigualável. É um estupendo tratado sobre o ciclo de violência, sobre os
ganhos indesejados que dele advêm – as cicatrizes, o trauma, o ódio ao outro e
ao próprio -, e sobre as dolorosas perdas que se tem quando se envereda por esse
caminho – de vidas humanas, de amor próprio e o dos que nos rodeiam. Ao mesmo
tempo, é uma belíssima constatação do óbvio: somos todos humanos, capazes dos
maiores atos de amor e de compaixão, mas também dos mais atrozes atos de
destruição; aquilo que nos une será sempre muito mais do que o que nos separa,
mesmo quando, do outro lado, está toda a fonte e o alvo do nosso ódio.
Se
de algum modo conseguiram manter-se livres de spoilers durante estes três anos
e meio, não será aqui que os encontrarão. Apenas referirei que existem três
personagens jogáveis: os retornados Joel e Ellie, que voltam a ser
brilhantemente interpretados por Troy Baker e Ashley Johnson, respetivamente, e
a estreante Abby, interpretada (de forma igualmente brilhante) por Laura
Bailey. É na pele destes três protagonistas que voltaremos a mergulhar num
implacável mundo pós-apocalíptico e que (re)viveremos a história que me fartei
de elogiosamente adjetivar um pouco acima.
No
meu caso, foi mesmo um reviver, uma vez que foi a terceira vez (e meia) que
experienciei os eventos de The
Last of Us Part II. Ainda me lembrando bem dos pontos altos e das
chapadas emocionais da história, confesso que o impacto já não foi o mesmo que
há quase quatro anos. Para além disso, a estranheza que senti anteriormente por
haver dois momentos do jogo em que a sensação de finalidade paira sobre a
campanha não foi totalmente dissipada desta vez, levando a que os incómodos que
sentia com o ritmo da narrativa se acentuassem ligeiramente.
Com
isto, o que quero dizer é que esta é uma história cuja apreciação parece sofrer um
pouco com cada nova jornada pela campanha, não obstante continuar a defender
acerrimamente a qualidade de cada linha de diálogo e de cada indicação cénica
do argumento montado por Neil Druckmann. É daqueles casos em que a história
terá muito mais valor quanto mais frescos estiverem enquanto a vivem. Em
particular, será muito melhor da primeira vez, já que dificilmente esquecerão
os acontecimentos nos quais participarão durante as 25 horas desde modo de
jogo.
E
eis que, finalmente, chegamos a uma das grandes novidades desta remasterização.
A duas, aliás, mas que servem o mesmo propósito – oferecer um vislumbre do sempre fascinante processo de desenvolvimento de jogos. The Last of Us Part
II Remastered oferece a possibilidade de experimentar três níveis que
acabaram por ser excluídos da versão final do jogo, cada qual com um nível de
polimento distinto e num estado mais ou menos inacabado – um deles apresenta animações
muito elementares e nem tem diálogo gravado, enquanto outro está tão perto de
estar completo que até tem uma cutscene exclusiva incluída. Isoladamente
do resto do jogo, os níveis não são nada de especial, mas cada um apresenta uma
série de comentários da produção a explicar o intuito do design daquele nível,
das possibilidades discutidas para o mesmo e, derradeiramente, porque acabou
por ser cortado da experiência.
E
por falar em comentários, outra adição fascinante é a dos comentários da
produção. Se assim o desejarmos, podemos fazer com que todas as sequências
cinemáticas da campanha tenham o seu volume reduzido, passando a ouvir-se em
alto e bom som os comentários des produtores e argumentistas como Neil
Druckmann ou Halley Gross, bem como de atores principais, como Troy Baker,
Ashley Johnson ou Shannon Woodward. Se é a primeira vez que atravessam esta
excelente experiência, ignorem esta opção. Mas se se sentirem compelidos a
regressar, seja quando for, e se, como eu, tiverem aquele bichinho em saber
mais sobre como um jogo é desenhado e de como uma narrativa é montada, façam um
favor a vocês mesmos e rejoguem esta campanha com esta opção acionada.
Já
vos disse que estas adições são tremendamente fascinantes? Aprende-se muito
sobre design e desenvolvimento de jogos nestes modos, e logo com alguns dos
melhores de toda a indústria! De todas as adições anunciadas para esta
remasterização, estas não eram as mais vistosas, mas são, na minha opinião, as mais
valiosas e bem conseguidas.
É
certo que os modos de comentários e vislumbres do processo de desenvolvimento
acabam por ser as melhores adições desta remasterização por mérito próprio… mas
também o são por demérito da novidade que mais exclamações causou aquando do anúncio
deste jogo.
Antes
de entrar concretamente no porquê, permitam-me contextualizar algo: The
Last of Us Part II não é só uma “carinha bonita” que nos toca
profundamente nas emoções e nos agarra com a sua narrativa envolvente e
personagens cativantes. É também um jogo brutalmente divertido. O misto de jogo
de armas e de utensílios destrutivos que temos ao nosso dispor, aliado a,
talvez, o sistema de inteligência artificial de NPCs mais aprimorado de que há
memória, fazem com que seja um prazer macabro perseguir, confundir e atacar
diretamente todos os que se nos opõem. É divertidíssimo experimentar com combinações
de explosivos, atirados ou plantados, de manipulações ambientais para atrair
inimigos para emboscadas, ou surpreender com ataques frontais e às claras. Cada
confronto oferece imensas hipóteses de combate, de furtividade ou de um misto
dos dois. Sobretudo mais para o final do jogo, quando temos todas as
ferramentas de destruição nas nossas mãos e já amplamente melhoradas. E eis o
primeiro motivo pelo qual o modo Sem Regresso não me consegue captar como gostaria:
toda essa inventividade vai por água abaixo num modo de roguelike como
este.
Em
Sem Regresso, temos de escolher uma de oito personagens centrais da narrativa
de The
Last of Us Part II, e enfrentar cinco níveis de encontros
totalmente aleatórios antes de enfrentar um boss final. Os níveis podem variar
entre diferentes objetivos, como derrotar ondas de inimigos ou sobreviver
durante um determinado tempo a uma avalanche interminável de adversários, e
podem ainda apresentar dezenas de modificadores diferentes, que variam entre os
mais básicos (como ter inimigos com mais saúde ou ataques que causam mais dano)
a alguns mais complexos (como a queda repentina de explosivos de inimigos
derrotados). Para além disso, cada personagem tem o seu conjunto específico de habilidades
especiais e de benesses que podem ser aproveitadas em cada run.
Depois
de cada nível, recebe-se um certo número de recursos que podem ser usados para
comprar novas armas, desbloquear novas ferramentas para construir, ou melhorar
as armas e atributos da nossa personagem. Mas… isto não chega. Independentemente
do nível de dificuldade que escolhemos, e de quão bom o nosso desempenho é,
nunca conseguimos chegar aos calcanhares da variedade que encontramos na
campanha. Isto faz com que cada nível e cada encontro seja uma fonte de tensão
gigante, e com que a sensação de perigo que se sente neste modo seja constante
e muito mais elevada do que nos momentos de maior perigo da campanha. O que é francamente positivo! Mas não compensa a diversão que se perde ao termos sempre tão poucas opções ao
nosso dispor. A jogabilidade atinge o seu auge quando temos tudo ao nosso
dispor e melhorado até ao máximo. E neste modo, nunca temos tudo, e raramente
conseguimos melhorar algo até ao máximo.
Infelizmente,
os problemas não ficam por aqui. Cada run nova significa mesmo começar do zero.
Não há melhorias, compras ou recursos que transitem de uma tentativa para a
seguinte, portanto a sensação de progresso é nula. Também não há aqui nenhum
conteúdo narrativo adicional para nos brindar ou que motive investir muito
tempo neste modo, apenas mais modificadores, mais desafios e mais roupas para
desbloquear para cada personagem – o que não chega quando a jogabilidade é tão
menos gratificante do que a da campanha. Depois, há personagens que são
estupidamente mais poderosas que as outras – por exemplo, pela sua habilidade
de recuperar vida quando ataca corpo a corpo e pela arma com que começa, a Abby
é muito mais monstruosa que Lev. Por fim, fica a sensação de que a inclusão da
possibilidade de jogar cooperativamente poderia ter beneficiado, e muito, o
modo de Sem Regresso. Até porque há níveis em que somos acompanhados por um NPC
aliado, provando que daria para atacar a maioria destes níveis juntamente
com um amigo.
Remasterização – Alguns Degraus Acima, Mas Não Muitos
A História - Até às Últimas Consequências
Níveis Perdidos e Comentários da Produção – O (Fascinante) Estado da Arte
Modo Sem Regresso – Tensão Pelos Melhores e Pelos Piores Motivos
The Last of Us Part II Remastered não é um lançamento para todos, mas é uma oferta de valor inegável. É uma proposta irrecusável para os fãs desta extraordinária série que queiram (re)viver uma das melhores narrativas do nosso meio, bem como para os jogadores que gostam de mergulhar no processo criativo de produções desta escala. Já os que procuram uma experiência diferente poderão encontrar algo de interessante no modo Sem Regresso, ainda que não seja uma experiência obrigatória, nem para quem adora o jogo base, nem para o mais fascinado por experiências roguelike. No seu todo, este é um título fenomenal, recheado de conteúdo variado e de qualidade elevadíssima, mas cujo regresso vai valer mais ou menos a pena consoante a quilometragem com que já vêm ou o quão fanáticos são pela viagem aqui oferecida.
- Continua a ser uma das melhores histórias alguma vez produzidas neste meio
- A jogabilidade continua a ser impecável
- Os Níveis Perdidos e os comentários da produção são adições fascinantes
- Funcionalidades da PlayStation 5 e do DualSense muito bem implementadas
- É um jogo visualmente lindíssimo, mas…
- … As melhorias gráficas e técnicas são pouco significativas
- O modo Sem Regresso deixa muito a desejar
Pontuação do GameForces – 9/10
Desenvolvedora: Naughty Dog
Publicadora: PlayStation Studios
Ano: 2024
Análise | The Last of Us Part II Remastered – Ensaio Sobre a Cegueira (da Violência)
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
fevereiro 08, 2024
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