Na trajetória até a Nintendo se tornar
na marca de peso que se apresenta hoje e Mario ser uma propriedade de apelo e
reconhecimento global, podemos demarcar centenas de pequenos mas fulcrais passos
que determinaram as suas politicas e atitudes atuais. Já sabem onde quero chegar: Super
Mario RPG, lançado originalmente para a Super NES como Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars, é sem dúvidas um destes momentos-chave.
Por um lado, este clássico consistiu
numa nova direção para o famoso canalizador, que nos anos 90 começava a soltar-se
das amarras dos jogos de plataforma para se definir como um ícone, capaz de
se inserir em qualquer género e dar-lhe o seu toque especial. Por outro, Super
Mario RPG: Legend of the Seven Stars foi desenvolvido pela Square, o que abriu o precedente para futuras
colaborações entre a Nintendo e outros estúdios na exploração das suas
propriedades, como temos visto com Mercury Steam, Good-Feel, etc.. Por fim, é
claro, este é um jogo excelente por seu próprio direito, segundo legiões de fãs
saudosistas espalhados pelo globo, e definiu as bases com que viriam a ser construídas as futuras
séries do género com Mario: Mario & Luigi e Paper Mario. Tenham em atenção
que esta apreciação do jogo não saiu da minha boca: até experienciar o remake na
Nintendo Switch, eu nunca chegara a terminar este clássico da Super NES, apesar
da curiosidade que nutria por conhecer as raízes destas duas séries RPG que marcaram a minha
infância.
De facto, ao longo da minha
jornada, senti-me a explorar uma peça de museu, o ponto de partida de inúmeras
normas nos jogos de estratégia de Mario. A começar pela ambição de levar a
história além do mero confronto entre Mario e Bowser: pode ser com a batalha
costumária destas personagens que iniciamos a aventura, mas este confronto é interrompido quando a espada
gigante Exor cai do céu e a Star Road é destruída, impedindo os desejos de se
tornarem realidade. Assim, cabe a Mario e aos aliados que reúne encontrar as
Star Pieces, restaurar a Star Road e derrotar o Smithy Gang por trás deste
predicamento!
Tal como em Paper Mario (64) e
The Thousand-Year Door, esta missão implica explorar diferentes regiões
sequencialmente, cada qual com as suas espécies, problemas e vilões distintos. Pelo
caminho, encontramos ocasionalmente minijogos e desafios simples de plataforma, mas a nossa principal ocupação consiste em batalhas por turnos contra uma pletória de inimigos, combinando ataques
normais e especiais, defesas e itens para triunfar e irmos subindo de
nível, tornando-nos progressivamente mais poderosos. A chave das batalhas é,
como não podia deixar de ser, os Action Commands. Mais uma vez (ou pela
primeira vez, se formos criteriosos?) precisamos de premir A no momento certo
para maximizar o dano dos ataques que realizamos e minimizar o dano que
sofremos durante o turno dos oponentes, o que torna cada ataque ou defesa num microjogo de timing. Naturalmente, podemos usar itens para nos ajudar
no combate, como para regenerar a nossa vida ou pontos para ataques especiais,
e equipamento para aumentar as nossas estatísticas de poder e defesa. Todos
estes fundamentos mecânicos são fáceis de compreender e colocar em prática, trazendo à tona a velha máxima “fácil de aprender e difícil de dominar” característica dos melhores jogos.
Encontrar toda esta estrutura e
mecânicas delineadas em Super Mario RPG foi duplamente
surpreendente para mim. Logo à primeira, a Square conseguiu escrever a fórmula certa para um RPG de Mario, ainda para mais numa época em que o
universo de Mario era minúsculo em comparação ao atual, em que Super Mario
Bros. 1, 2 e 3 e Super Mario World eram praticamente o único material de base. Porém, ainda mais surpreendido fiquei… por quão desapontante a
experiência se revelou.
Começando pelo mais importante, a
jogabilidade é a antítese de prazerosa: se em Paper Mario encontramos uma
versão polidíssima dos Action Commands e em Mario & Luigi a sua evolução
mais elegante e refinada, em Super Mario RPG temos de tolerar a sua forma rudimentar
e frustrante. Para além de serem mal telegrafados, tanto os ataques
dos heróis como dos vilões são muito inconsistentes entre si quando ao instante em
que devem ser executados ou defendidos, respetivamente. Regra geral, se um Action Command não está associado a um projéctil com trajetória clara, o seu
timing é um mistério arbitrário. Não estou sozinho nesta crítica: os desenvolvedores do remake notavelmente concordam comigo neste ponto, como evidenciado pelo aviso que
colocaram sobre os heróis para nos avisar do momento certo para agir. Esta é
a solução mais artificial possível para o problema, e mesmo assim não resolve
esta frustração na plenitude para quem procura fazer os Perfect Dodges/Attacks
(que anulam o dano sofrido ou exponenciam o dano que provocamos, respetivamente)
e tem de ficar a fazer os inputs ora um nadinha mais cedo, ora mais tarde, na
busca interminável pelo timing ideal.
Para compensar por esta
jogabilidade básica frustrante… as batalhas são extremamente, ridiculamente
fáceis. Mesmo que tenham dificuldades nos Action Commands, não se sentirão
desafiados pelo combate até chegarem ao Smithy Gang. A abundância de itens e de
moedas, o baixo custo de Skills como Come Back (reviver), e os ataques
“fracos” da maior parte dos inimigos contribuem para confrontos que pouco
testam as nossas habilidades e, pontualmente, apenas colocam à prova a nossa
paciência.
Portanto, os combates estão longe de ser uma motivação para vos manter interessados, e não pensem que será a história a motivar-vos a seguir em frente: a narrativa resume-se aos contratempos prosaicos que cada povoação atravessa (numa versão piorada da estrutura de Paper Mario: Colour Splash). E as regiões são tão distintas em espécies, e possuem NPCs tão insignificantes e descartáveis a cada capítulo terminado, que não consigo encarar esta iteração do mundo de Mario como um continente vivo e coeso, e muito menos um que mereça a minha atenção. Até o Smithy Gang, composto pelos grandes oponentes desta aventura, é um primeiro rascunho de um grupo de vilões. A maioria tem designs desajustados para o universo Mario (que eu não tenho qualquer intenção de perdoar por eles terem vindo de uma "realidade paralela"), e todos têm presença nula na aventura, surgindo às pinguinhas no final de cada capítulo por obrigação. Apenas um dos encontros com eles foi digno de menção para mim, e isto apenas se deveu ao diálogo humorístico que acompanhou a sua batalha.
Pior do que os vilões, é um dos dois protagonistas inéditos. Se me fecharem numa sala com um apologista de Geno em Super Smash Bros. e regressarem 5 minutos mais tarde, encontrar-nos-ão à pancada, porque eu sou incapaz de encontrar um aspeto redentor na personagem. Este boneco de madeira é um herói proveniente de um local alheio ao jogador, sem qualquer investimento no mundo que atravessa e na sua própria existência para além da sua missão de restaurar a Star Road, que realiza da forma mais despersonalizada possível. Felizmente, o mesmo não se verifica com Mallow, a segunda personalidade inédita que acompanha Mario, Bowser e Peach: este “rapaz-nuvem” une-se a Mario para descobrir os seus verdadeiros pais e ultrapassar a sua falta de coragem, e participa nalgumas das peripécias engraçadas da aventura pela sua cobardia e ingenuidade. Estes traços e motivações simples são tudo o que peço das personagens secundárias de Mario!
Estou ciente da injustiça que
cometo ao criticar este clássico pelo seu mundo e suas personagens, concebidos antes
da maturação do universo Mario. Porém, foi em 2023 que joguei
Super Mario RPG, foi em 2023 que Super Mario RPG foi relançado, e foi
esta versão que os desenvolvedores distribuíram para ocupar as mesmas estantes que Super Mario Bros. Wonder, Paper Mario: The Origami King e, no futuro próximo, Paper Mario: The Thousand-Year
Door.
Não tenho coragem ou intenção de apontar o dedo à Square, que fez este jogo há quase trinta anos, em hardware e paradigma de gaming completamente distintos. Aponto sim à ArtePiazza, a desenvolvedora desta versão, que criou um remake bastante conservador, tanto quanto pude apurar com base nas minhas curtas passagens pela versão Super NES. O mundo foi recriado num estilo gráfico 3D fiel e adorável, sendo um deleite inspecionar cada recanto e descobrir objetos ou referências a outras séries que eram borrões de pixéis na versão 16-Bit original. Porém, não há desculpa para o mundo não ser aberto, nem para estar recheado de loadings prolongados a cada transição de ecrã, nem para apenas nos podermos movimentar nele em 8 direções, e muito menos para as animações novas serem tão rígidas e forçadas, fazendo-nos recuar décadas no tempo relativamente à expressividade das personagens jogáveis de Super Mario Bros. Wonder e Super Mario Odyssey.
Num paralelismo interessante, a banda
sonora é também laudável, estando recheada de composições fenomenais quer
optem por ouvir os temas originais da Super NES ou as magníficas versões orquestradas.
Porém, o mesmo não se pode dizer dos efeitos sonoros, cuja escassez é escandalosa
em 2023. Bowser é o único protagonista que solta um pio, enquanto os seus
companheiros se encontram em greve de fala – incluindo Mario, a personagem que nunca
sai de cena. O nível de bizarrice de assistir ao rapto de Peach sem a princesa largar
um “ai” ou de ver Mallow a chorar e a expressar-se verbalmente sem vibrar as suas
cordas vocais apenas pode ser interiorizado se visualizarem uma das cinemáticas
do jogo, onde a ausência de efeitos sonoros é mais incomodativa.
Estas melhorias seletivas podem
dar a entender que este remake se cinge ao mínimo de alterações necessário para
trazer Super Mario RPG para a era moderna, e que estamos perante uma total
falta de imaginação e de coragem. Porém, sou impedido de fazer estas afirmações
porque a ArtePiazza introduziu um punhado de novidades… que pouco contribuem
para corrigir os grandes problemas que encontro neste título.
No que toca aos combates, um refinamento dos Action Commands era fundamental e um Modo Difícil seria uma dádiva… todavia, optou-se por introduzir um Triple Move que, uma vez carregado, permite ao jogador realizar um ataque poderoso com três dos protagonistas, bem como uma mecânica de Chains, que aumenta as estatísticas dos protagonistas temporariamente se forem realizados vários Action Commands com sucesso de forma consecutiva e, ouçam bem, um Modo Fácil (Breezy Mode). À minha dificuldade de me manter investido no combate, a ArtePiazza respondeu enfiando-me um Xanax na goela.
Para quem procura um desafio
adicional, a única novidade neste sentido consiste em batalhas de desforra
contra bosses prévios, com algumas condições especiais. Estas foram de
longe o ponto alto da experiência em termos mecânicos, obrigando-me por uma vez
no título inteiro a pensar de forma estratégica! Porém, apenas um punhado dos bosses
do jogo recebeu este tratamento especial, de tal modo que a hora e tal extra de
conteúdo adicionada no remake soube a pouco. De resto, foram efetuados ajustes
como a introdução de autosave, fast travel, e um leitor de música, a atualização
dos designs de personagens para os atuais, a troca dos minijogos do casino
por alternativas sem apostas, e a agilização de ações como a obtenção de itens
espalhados no mundo. Quase todos contribuem de modo benéfico para a experiência,
mas não colmatam as lacunas do título (senão, tinha poupado o meu latim, não é?).
Ultimamente, respeito Super Mario RPG pela tentativa acertada e inspirada de transpor Mario para um RPG por turnos, e por, em 1996, terem delineado a personalidade charmosa e engraçada de Bowser, surpreendentemente sobreponível àquela que conhecemos hoje em dia. E não é como que não tenha retirado proveito de Super Mario RPG: os capítulos focados na Valentina e em Booster brilham em relação aos demais, constituindo as memórias que levo da experiência, e o humor que levanta a cabeça de vez em quando é sempre certeiro. A exploração, os desafios de plataforma, e a maior parte das missões opcionais são divertidos e descomplicados para os padrões da era do lançamento original. Repetindo-me, é intrigante atravessar uma cápsula do tempo, descobrir uma tentativa de criar uma história de um universo então jovem e assistir ao nascimento da personalidade excelente de Bowser. E, bem, estou a escrever este parágrafo ao som do belo arranjo orquestral de 'This is Booster’s Tower', já depois de ter passado várias vezes pelo resto da banda sonora!
Super Mario RPG é um exemplo
excelso do porquê de desenvolvedoras como Square-Enix e CAPCOM desenvolverem
remakes que remoldam e, para alguns fãs, “adulteram” a experiência original. Este
relançamento conservador expõe uma aventura tornada arcaica pelo
tempo, incapaz de escapar a comparações diretas com os seus sucessores espirituais e efetivos e de
sair por cima nelas por uma vez.
Não sendo isento de novidades, os ajustes feitos neste remake orbitam em torno dos grandes problemas deste RPG em vez de os abordarem. Sem as alterações substanciais que o material original da Square merece, os pontos positivos do jogo são manchados pelo combate frustrante e fácil e pela história e mundo desinteressantes e desarticulados. Em última instância, Super Mario RPG é uma recomendação óbvia para os fãs da versão original e para quem quiser descobrir um pedacinho da história do Mario e os seus primeiros passos no gênero; sendo a experiência global tão ambivalente, não me atrevo a ir mais além.
O melhor
- Exploração, desafios de plataforma
e missões opcionais ótimos;
- Fiel e bela renovação
audiovisual;
- Valor como cápsula do tempo;
- Momentos inspirados pontuais;
- A intuitividade e interatividade
mecânica expectável de um RPG Mario;
- Batalhas de desforra contra
bosses entusiasmantes;
- Pequenos ajustes que melhoram a
experiência.
O pior
- Combate frustrante, com Action
Commands mal telegrafados…;
- …e simultaneamente facílimo,
somado de ajustes de dificuldade que agravam este problema;
- História episódica e
desinteressante e vilões péssimos;
- Escassez incomodativa de
efeitos sonoros e animações rígidas;
- Mundo não-aberto e recheado de loadings;
- Sem correções das restrições datadas do original;
- Sem novidades transformativas que atualizem devidamente a experiência.
Nota do GameForces: 6.5
Desenvolvedora: Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 1996-2023
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
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