Análise | Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections – Celebração a Despachar


Há poucos mangas e animes tão populares e influentes como a obra-prima de Masashhi Kishimoto, Naruto. As façanhas do pequeno ninja que se veste de laranja no seu caminho para se tornar Hokage (o respeitado líder da sua terra natal) são sobejamente conhecidas pelos fãs destas formas de entretenimento, e têm sido francamente bem-adaptadas para o meio dos videojogos através da série Ultimate Ninja Storm. Agora, com o manga prestes a fazer 25 anos, e com o anime a já ter celebrado duas décadas de existência, recebemos Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections como forma de celebração. Mas será este jogo tão bom quanto o seu nome é longo, ou será uma celebração cuja festa à qual não quereremos ir?


Como se poderia esperar de um título de celebração da obra que o inspira, Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections reconta toda a história de Naruto e Naruto Shippuden… bem, talvez a palavra "toda" seja um exagero. O que este jogo faz é recontar os momentos chave das aventuras de Uzumaki Naruto, desde o dia em que se tornou um ninja, até ao dia em que se torna o líder do seu povo, o sétimo Hokage. Enquadrando toda a narrativa como a necessidade de preservar a história da amizade e dos conflitos entre o protagonista e Uchiha Sasuke, o que acontece é que o modo de história apenas nos oferece a possibilidade de reviver as grandes batalhas nas quais Naruto e Sasuke participam.

Esta é uma das razões pelas quais o modo de história é uma desilusão imensurável. Há uma quantidade tremenda de batalhas fenomenais e emocionalmente impactantes da história de Naruto que não estão presentes no jogo. Lee contra Gaara, Jiraiya e Tsunade contra Orochimaru, Shikamaru contra Hidan, Kakashi contra Pain, Guy contra Madara – estas são apenas algumas das lutas que os fãs de Naruto recordam com imenso carinho e/ou trauma que não estão presentes no modo de história deste jogo.

Para além destas, e de outras, ausências de peso no que a momentos narrativos potentes diz respeito, ainda há o facto de cada momento aqui abordado estar reduzido ao mínimo indispensável. No total temos cerca de 20 arcos narrativos a serem reduzidos a pouquíssimas batalhas cada um – uma batalha no mínimo, e três batalhas no máximo. Entre estas batalhas, temos slideshows a contar rapidamente o que acontece imediatamente a seguir e o que acontece entretanto até à batalha seguinte. Não há tempo para as nuances emocionais, para demonstrar como as variadíssimas personagens crescem ao longo das aventuras ou para aprofundar como as relações entre os nossos ninjas preferidos se desenvolvem.


Mas calma, que não é apenas pelo facto de o modo de história querer contar a narrativa de forma incompleta e a correr que este modo me desiludiu. É também o facto de a grande maioria das batalhas presentes neste modo serem um mero copy/paste de títulos Ultimate Ninja Storm anteriores. Por exemplo, a batalha de boss do Naruto contra o Gaara consiste na mesma sequência aborrecida de atacar um inimigo gigante enquanto nos esquivamos dos seus ataques lentos, até chegarmos a momentos de quick time events que nos levam até uma nova fase da luta ou até à conclusão da mesma. Fora uma ligeira remasterização visual, a batalha é exatamente igual, sem tirar nem pôr.

O mesmo acontece para outras grandes batalhas, como, por exemplo Naruto contra Pain, ou Sasuke contra Itachi, com a ligeira diferença de que as várias fases destas lutas presentes em Ultimate Ninja Storm 2 aparecem aqui como uma luta individual. Mas se esta mudança é algo inócua, há outras lutas em que as mudanças que introduzem são bastante danosas. O exemplo mais óbvio é a batalha entre Jiraiya e Pain. Um dos confrontos mais emblemáticos de toda a série, e que em jogos anteriores tinha sido impecavelmente adaptado, está aqui inacreditavelmente amputado. Há uma luta normal, perfeitamente conquistável em 15 segundos, um slideshow que despacha o momento emocional deste confronto, e siga para a próxima. Portanto, ou há batalhas praticamente copiadas e coladas, ou há batalhas despojadas de qualquer impacto narrativo. Não há uma única batalha que aqui se apresente melhor do que em qualquer um dos jogos anteriores.

Tudo isto é extremamente desapontante. Enquanto fã desta série, o que queria e esperava era um recontar de toda a história de Naruto, com batalhas grandiosas que variavam entre o combate de arena em 3D e animações imaculadas que aprofundam o impacto narrativo de cada confronto. Ou seja, esperava aquilo a que os títulos numerados desta série me habituaram, mas tudo num só jogo. Mas o que aqui apresentam é ridiculamente menos do que isso, nem se aproxima dessa expectativa. É certo que esta história já acabou de ser contada há quase 10 anos, mas esperava que uma celebração da obra mostrasse mais respeito por esta narrativa tão marcante e, ainda hoje, adorada.


Mas este jogo tem na história especial de Boruto um ponto alto inesperado – algo bastante surpreendente sobretudo tendo em conta a lástima que a grande maioria desse anime e desse manga são. Este modo conta a história de como um novo jogo realidade virtual está a tomar conta do mundo ninja, roubando os seus utilizadores da sua energia que, por sua vez, será utilizada para destruir as memórias que todas as nações têm das suas ligações com Naruto e os seus amigos. Para pôr fim à ameaça, Uzumaki Boruto tem de ficar a conhecer melhor a história de vida do seu pai, de modo a restaurar a memória de todo o mundo.

Fora o enorme suspiro que dei por ter de reviver algumas das maiores batalhas de Naruto outra vez e a um ritmo ainda mais apressado, esta história encontra-se muitíssimo bem montada. Introduz novas personagens com histórias e motivações interessantes, e por quem genuinamente queremos torcer a favor ou contra. As sequências cinemáticas estão belissimamente bem animadas, não havendo slideshows à vista. E há dois ou três picos emocionais muitíssimo bem conseguidos, com momentos genuinamente tocantes e grandes desempenhos dos atores de voz. Gostei tanto deste modo, que me vou abster de fazer piadas com o meta-comentário quase auto depreciativo de que este jogo é um desperdício de energia subjacente a esta narrativa.

Se estranham estar a falar tanto da(s) história(s) de um jogo, e não da sua jogabilidade, o motivo é fácil de adivinhar: é porque não muda assim tanto face aos antecessores. Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections mantém a fórmula de ser um jogo de lutas de arena em 3D, com vários níveis abertos inspirados em localizações icónicas da série. As mecânicas mantêm-se praticamente iguais, com um botão para atacar corpo a corpo, outro para lançar ataques de longo alcance, outro para saltar ou impulsionarmo-nos numa qualquer direção, e ainda um botão para carregar chakra. Combinar o botão de chakra com outros leva a jutsus (técnicas especiais de cada personagem) normais e a jutsus secretos, ou a impulsos maiores na direção do oponente. Há ainda botões para defender, para evitar ataques (jutsus de substituição) e botões para mandar aliados atacar.


Como já vinha sendo habitual, podemos entrar numa luta a sós ou com outras duas personagens de apoio que servem de aliados. Estes não participam ativamente na batalha até serem chamados por um dos bumpers ou até a barra de afinidade estar cheia. Nesse momento, as personagens começar a tomar ações mais regulares – por exemplo, ajudando a carregar energia, a acrescentar ataques aos nossos, ou a defenderem-nos em situações específicas. Nessa altura, também podemos ativar jutsus secretos combinados que, se for ativado com uma equipa com ligações profundas, como Naruto, Sasuke e Sakura, resulta num ataque combinado especial e mais poderoso.

Até aqui tudo igual, o que não é necessariamente mau. É um sistema sem grande profundidade, é certo – o dano que cada ataque desfere está padronizado para todas as personagens, as únicas diferenças são mesmo a cadência de golpes ou a distância a que se colocam para atacar. Mas parece-me que é daqueles casos em que não mexer numa fórmula vencedora pode ser a opção certa. Ainda assim, verifiquei duas mudanças face ao último jogo desta série. Primeiro, a combinação de chakra com ataque longo leva a jutsus específicos para cada personagem, quando antes resultava apenas em atirar alguns shuriken carregados de energia. E depois, temos a existência de um botão específicos para esquivas, simplificando uma ação que em jogos anteriores eram mais complexos de executar. São mudanças pequenas e que não farão os fãs mais acérrimos sentir uma grande evolução, mas são pequenos passos bem dados para aprimorar uma base que já levava a combates dinâmicos, divertidos e visualmente impressionantes.

Ainda que muitos dos resultados dos ataques e habilidades estejam padronizados, é na espetacularidade visual única a cada personagem que se encontra a maioria do sumo desta experiência. E aqui, Ultimate Ninja Storm Connections volta a ter muito para oferecer – mais do que nunca, aliás, graças a mais de uma mão cheia de novas personagens totalmente novas no elenco de lutadores que podemos escolher. São mais de 120 personagens disponíveis, cada qual com os seus jutsus base e ataques finais devastadores para testemunhar. E claro, se juntarmos as equipas de ninjas certas, temos ainda mais justus secretos em conjunto para ver em todo o esplendor. E acreditem que vale a pena experimentar quase todas as personagem pelo menos uma vez, já que a maioria das animações dos seus ataques são espetáculos aos quais vale a pena assisti.


E temos muitas oportunidades para ver todas estas animações. Entre combates online que colocam à prova todas as nossas capacidades – e paciência, já que há sempre uma mão cheia de pessoas que parecem ter descoberto a fórmula perfeita para serem irritantes -, e uma mão cheia de modos a solo, há aqui muito para experimentar. Desde modos de torneio ou de liga, até modos de sobrevivência que nos obrigam a superar vários combates seguidos sem perder muita vida, ou a simples partilha de um segundo comando contra irmãos ou vizinhos do terceiro esquerdo, há aqui ofertas para todos os gostos. E para apimentar ainda mais a experiência, há modos em que vamos tendo de lidar com condições de combate aleatórios, como a impossibilidade de usar jutsus de substituição ou ataques aumentados para todos durante a partida. Há aqui muita coisa que quase que impossibilita o jogo de se tornar aborrecido.

Sim, eu escrevi “quase”, porque aqueles que, como eu, tenham contraído o vírus do “completismo” vão acabar por esbarrar numa quantidade absurda de colecionáveis. Para ser claro, não é no número de colecionáveis que está o problema, mas sim no processo para os desbloquear. Se na maioria dos casos apenas temos de usar esta personagem X vezes, ou usar um ataque especial Y vezes, depois deparamo-nos com a novidade mais aborrecida de toda a experiência – o sistema de proficiência. Trata-se de um sistema no qual cada personagem tem um nível associado e que pode ir sendo aumentado consoante a quantidade de vezes que a utilizamos. E quando atingimos alguns níveis, recebemos colecionáveis associados a essas personagens.

Parece giro, não é? Mas eis o motivo pelo qual este sistema se torna um dos mais aborrecidos de que tenho memória: o ritmo ao qual se sobe de nível é tão lento. Mas tão lento. É mesmo muito, muito lento. Numa batalha normal, ganhamos uma centena ou duas de pontos de experiência, e são precisas dezenas e dezenas de milhares de pontos para se chegar ao nível 30 - o último nível que dá recompensas, tanto quanto pude apurar.

Vou pôr as coisas nestes termos: eu demorei 15 horas de jogo a experimentar todos os modos e personagens, a conquistar todos os desafios e a colocar uma única personagem no nível 30 de proficiência. Para colocar outras 4 personagens nesse nível, de modo a desbloquear todos os troféus/conquistas do jogo, iria precisar de mais 15 horas de jogo – e de jogo repetitivo, já que tudo o resto está completo. Agora imaginem, ou façam as contas se forem pacientes o suficiente, quantas horas serão precisas para fazer todas as personagens chegar ao nível trinta e desbloquear todos os colecionáveis do jogo. Aposto o que quiserem como nem o maior fã de Naruto ou destes jogos terá paciência para tal empreendimento – e eu considero-me como um dos fãs mais acérrimos de ambos.


Antes que eu comece ativamente a juntar pessoas para ir vaiar a CyberConnect2 para as portas da produtora em Fukuoka, no Japão (sim, eu cheguei ao ponto em que já sei onde fica), permitam-me abordar algo muito menos problemático do jogo – a sua vertente visual. A maioria das animações são exímias, cheias de explosões de cores vibrantes, e a maioria dos modelos das personagens e dos designs ambientais das arenas de combate estão muito bem conseguidas. Mas não todas.

Lembram-se de ter falado dos slideshows presentes no modo de história entre as batalhas? Estes são compostos por fotogramas das séries animada, mas a qualidade que apresentam é muitíssimo variável. Há imagens do Naruto original que parecem ter sido animadas há poucas semanas, e há outras de Shippuden que parecem ter sido lançadas na televisão há décadas e décadas. E lembram-se de ter mencionado muito copy/paste noutras secções desta análise? Sim, adivinharam: há muitas personagens que foram copiadas e coladas de outros jogos, sem qualquer trabalho de remasterização notório. Em particular, as personagens que vêm do primeiríssimo Ultimate Ninja Storm apresentam uma qualidade visual muitíssimo díspar das personagens do mais recente Ultimate Ninja Storm 4. Não me canso de dizer, uma celebração desta fantástica série merecia muito mais.

Ainda assim, e apesar desta inconsistência na qualidade visual, o jogo não se apresenta sem problemas técnicos. É certo que na maioria do tempo corre perfeitamente bem a 60 fotogramas por segundo (nas consolas de nova geração, pelo menos), mas há batalhas mais intensas durante as quais se notam várias quebras nessa taxa. E houve até uma ocasião em que o jogo simplesmente foi abaixo enquanto esperava para entrar numa sequência cinemática da história de Boruto. Nada de extraordinariamente problemático, mas notório o suficiente para chatear um pouco.

Fica a faltar falar da vertente sonora, que, à semelhança de títulos anteriores, é algo ambivalente. Por um lado, temos os atores de voz japoneses originais a regressar aos seus papéis e a entregar falas com um nível de qualidade inquestionavelmente elevado. Por outro, temos uma banda sonora algo desinspirada e muito pouco memorável, não se perdendo nada se a ignorarmos. O pior é que os produtores licenciaram cinco das músicas de abertura mais icónicas de Naruto e Naruto Shippuden… mas estas apenas estão disponíveis sob a forma de um DLC pelo qual se tem de pagar um valor francamente elevado. Um derradeiro e frustrante exemplo de como esta é uma celebração bastante desapontante.


Conclusões
Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections é um jogo com qualidade, mas com muito pouca ambição. Refina alguns pontos da jogabilidade que vem dos vários títulos anteriores, expande ainda mais o leque de personagens jogáveis, e oferece uma história original de Boruto que é melhor do que a mais otimista das expectativas. Mas desilude tremendamente com a falta de amor e cuidado que coloca no seu modo de história bastante incompleto de Naruto, que nada mais é do que uma série de copy/pastes de jogos passados. Há aqui qualidade, mas é uma celebração algo frustrante de um dos melhores manga/animes dos últimos tempos. Podia perfeitamente ser a derradeira experiência de Ultimate Ninja Storm, mas assim é apenas mais uma pedra da calçada – e daquelas mal colocadas que faz com que os mais distraídos tropecem nela.

O Melhor:
  • Jogabilidade mantém-se frenética e divertida
  • Elenco de personagens impressionantemente amplo e variado
  • História especial de Boruto é surpreendentemente boa, mas…

O Pior:
  • … Modo de história de Naruto é uma tremenda desilusão a todos os níveis
  • Sistema de proficiência das personagens é frustrantemente aborrecido
  • Qualidade gráfica é algo inconsistente, e desempenho com algumas quebras nas batalhas mais intensas

Pontuação do GameForces – 6/10

Título: Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections
Desenvolvedoras: CyberConnect2
Publicadora: Bandai Namco
Ano: 2023

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela Bandai Namco através da PlayNXT.

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Análise | Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections – Celebração a Despachar Análise | Naruto X Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections – Celebração a Despachar Reviewed by Filipe Castro Mesquita on dezembro 14, 2023 Rating: 5

Sem comentários:

Com tecnologia do Blogger.