Em termos mecânicos, cada jogo
Pikmin representou um refinamento do antecessor. À base estabelecida por Pikmin 1, Pikmin 2 adicionou um AI mais inteligente, sprays, upgrades, um
segundo capitão, tipos inéditos de Pikmin e uma tonelada de novos inimigos. Por
seu lado, Pikmin 3 tornou o AI virtualmente perfeito, adicionou dois novos tipos tipos de Pikmin e incontáveis ajustes de qualidade de vida, e aprofundou o multitasking
com um terceiro capitão e a possibilidade de atirar os capitães, para além de introduzir o seu próprio rol de novos inimigos e obstáculos.
Com esta progressão imaculada entre títulos, eu não via muita margem para evolução após Pikmin 3. Nem precisava de ver. Bastava a Nintendo entregar-me uma sequela com novos mapas, Pikmin e inimigos, bem como alguns pequenos twists nas mecânicas, e já me sentiria plenamente agradecido e satisfeito com a aventura. Todavia, bastou acompanhar os trailers de Pikmin 4 para perceber que o novo título da série iria muito além disso. O material pré-lançamento do jogo revelou a existência do cão ajudante Oatchi, o regresso das caves de Pikmin 2, a possibilidade de criarmos o nosso próprio capitão, secções noturnas… Todas estas novidades espicaçaram o meu interesse, mas também me deixaram relativamente reticente em relação ao futuro da série.
Felizmente, não tive de esperar
até 21 de julho, a data de lançamento de Pikmin 4, para saber o que pensar de todas
estas mudanças, graças a uma demo gratuita que a Nintendo disponibilizou na
Nintendo eShop a 29 de junho – que apaziguou alguns receios e introduziu
outros.
Começando a demo, ouvimos Olimar a contar o que aparenta ser a história do primeiro jogo, passando pelo seu encontro inicial com os Pikmin. Mas pouco tarda até franzirmos o sobrolho, quando ele narra o seu encontro com um cão ajudante, o que não bate certo com os acontecimentos de Pikmin 1. Poucos segundos mais tarde, controlamos o capitão numa breve sequência jogável, em que ele explora uma casa humana, o que também é novidade para nós.
O mais provável é
estarmos perante um retcon da trilogia inteira, mas não um retcon qualquer:
uma reimaginação de Pikmin 1 que continua o Bad Ending desse jogo, tendo em
conta que durante a aventura encontramos um rival humanóide com uma folha a brotar
da sua cabeça com as proporções de Olimar e acompanhado pelo mesmo cão. A verdadeira surpresa seria essa pessoa não ser Olimar! A
verificar-se, será uma desilusão ver várias das personagens e acontecimentos chave
de Pikmin 2 e 3 a perderem importância, e o impacto do Bad Ending de Pikmin 1 a ser diminuído com
um novo final feliz. Dada a natureza spoiler deste tópico, não irei
abordá-lo na análise final. Poderão presumir a minha opinião terminando o jogo
completo e levando em linha de conta este parágrafo.
Mas chega de falar de Olimar,
porque temos um novo protagonista em Pikmin 4: nós! Há muitas séries em que um
protagonista personalizável faz sentido, e não considerava que esta fosse
uma delas. Os protagonistas de Pikmin 1, 2 e 3 são das personagens mais bem caracterizadas
da Nintendo, e fazer da personagem jogável do quarto título uma tábua rasa e
silenciosa poderia significar abdicar deste ponto forte do universo Pikmin.
Para compensar a personagem
principal oca de Pikmin 4, várias personagens secundárias foram adicionadas. À
medida que exploramos o planeta alienígena, encontramos vários
membros da Brigada de Resgate, que se despenharam no planeta após tentarem
resgatar Olimar (revelando-se mais inúteis do que um guarda-sol em janeiro),
bem como turistas incautos. Estas figuras juntam-se ao nosso acampamento à medida
que as resgatamos e assumem várias tarefas previamente desempenhadas por Olimar,
como a redação da Piklopedia e notas de tesouros… e nem todas juntas estas personagens
compensam por meio Olimar. As novas notas da Piklopedia e do Treasure Hoard aparentam ter sido redigidas numa estufa por um comité de modo a serem o mais inofensivas possível, contendo reflexões bastante vazias e apenas tocando nas vivências e opiniões pessoais das personagens que as escrevem rara e
superficialmente. Após vários dias de jogo, não sou capaz de nomear um traço de
personalidade da maior parte dos nossos compadres.
E não é por eu ter falado o
suficiente com eles, porque se há algo que essas personagens não sabem fazer é
fechar a matraca. As primeiras horas da demo estão recheadas de diálogos supérfluos
e repetitivos, e não exagero quando digo que foram profundamente agoniantes e o
ponto mais baixo da saga. Parte do texto dedicou-se a explicar as mecânicas do jogo
como se os jogadores tivessem o QI de um Pikmin, o que eu consigo tolerar visto
que poderá significar que mais jogadores entenderão e apreciarão a série;
porém, uma porção significativa dos diálogos serviu para nos relembrar vezes e
vezes sem conta das ações que tínhamos acabado de efetuar e do nosso objetivo
imediato, no maior insulto à inteligência do jogador que
encontrei num videojogo em muito tempo.
Em última instância, a grande
contribuição destas personagens para Pikmin 4 consiste numa mudança radical na atmosfera
em relação a Pikmin 1 e Pikmin 3. Com tantos figurantes à nossa volta, com a
adição de um cão ajudante fofinho, e sem a urgência de morte iminente como em
Pikmin 1 ou de queda de uma civilização como em Pikmin 3, Pikmin 4 é uma
experiência muito mais leviana do que os predecessores.
Diria até que Pikmin 4 é um mero título feel-good, valorizando também a aparente dificuldade baixa da
campanha. Esta problemática imagina-se logo pela inexistência de limite de dias.
Como já discuti na análise de Pikmin 2, a inexistência de um prazo é deletéria
para a jogabilidade de Pikmin, eliminando a necessidade de realizar multitasking
ou de priorizar/equilibrar tarefas e promovendo estilos de jogo lânguidos,
prudentes e aborrecidos.
Contudo, em oposição a Pikmin 2, este não é nem por sombras o meu ponto principal de frustração com a dificuldade de Pikmin 4, porque um defeito maior eleva-se: o auto-aim. Pikmin 3 Deluxe introduziu um sistema de lock-on que nos permitia apontar para qualquer inimigo com facilidade; Pikmin 4 torna este sistema obrigatório e automático e, em vez de simplesmente restringir o cursor à área geral do inimigo, prende completamente o ponteiro no ponto fraco dos inimigos. Inimigos básicos como Dwarf Bulborbs em Pikmin 1, 2 e 3 ajudavam-nos a treinar a nossa mira; em Pikmin 4, basta premirmos A na sua proximidade e eles morrem imediatamente. Como se não bastasse, quando existem vários pontos de interesse próximos, é o cabo dos trabalhos conseguir que o ponteiro fique especificamente naquele que desejamos.
Os novos Pikmin de Gelo também ajudam demasiado nas batalhas: em escassos segundos, estas novas criaturas são capazes de congelar os inimigos. Os Bulborbs são os inimigos mais desafiantes que encontramos na demo, mas com os Pikmin de Gelo conseguimos destruí-los antes de eles terem oportunidade de contra-atacar. Soa-vos familiar? É porque este funcionamento é reminiscente do atordoamento provocado pelos Pikmin Roxos em Pikmin 2. A minha esperança é que as próximas áreas do jogo introduzam inimigos mais árduos em que os confrontos sejam mais do que uma formalidade ou, melhor ainda, que nos permitam desligar o auto-aim intrusivo e/ou introduzam vários modos de dificuldade, como em Pikmin 3 Deluxe.
Vamos acalmar com a negatividade
(por agora), porque também tenho muitos motivos para estar entusiasmado pelo
novo jogo! Oatchi, o nosso cão ajudante, tem potencial para ser uma fantástica novidade
na exploração do mapa. Após Pikmin 3, em que o uso de vários capitães foi ajustado
até à perfeição, a Nintendo tomou a decisão mais interessante possível neste
campo: introduzir um capitão mecanicamente distinto. Nós podemos controlar
Oatchi isoladamente e usá-lo para comandar o nosso esquadrão Pikmin, mas há certas
ações que apenas uma das personagens consegue executar. Por exemplo, Oatchi é capaz
de ajudar os Pikmin a carregar objetos, enquanto o nosso explorador humanóide consegue escalar muros de terra. É imediatamente evidente que as
diferenças entre capitães poderão ser capitalizadas em puzzles, e já
temos um vislumbre disso nas…
…caves! Sim, elas funcionam de
modo diferente no exclusivo da Switch, e todas as críticas que lhes apontei no
clássico da GameCube foram resolvidas. O tempo continua a passar dentro das
caves, embora seis vezes mais devagar do que na superfície, as caves têm no
máximo dois pisos e, tanto quanto pude apurar, nenhuma área é gerada proceduralmente, dando lugar a level designs ponderados e mais orientados para puzzles!
Algumas das caves especiais reservam-nos Dandori Battles, duelos contra a máquina que funcionam como versões simplificadas das Bingo Battles de Pikmin 3. O nosso objetivo nelas é simples: recolher mais tesouros do que o nosso oponente. A única que experienciei na demo foi simples e fácil, mas divertida, e antecipo batalhas mais entusiasmantes com o avanço da história. Para mim, a melhor parte desta secção foi poder interagir com o capitão adversário, roubando os tesouros dele!
Oatchi e o nosso capitão
humanóide prometem tornar-se capitães mais capazes à medida que progredimos,
graças a um rico sistema de melhorias. Gostaria que as melhorias
do nosso capitão estivessem associadas aos tesouros que recolhemos como em
Pikmin 2, mas reconheço que isto é uma picuinhice. Contamos também com a adição benéfica de
um conjunto de itens que podemos comprar e usar a qualquer momento, que
aumentam as nossas opções em combate.
Se julgavam que as diferenças entre Oatchi e o capitão principal podiam originar uma experiência a dois assimétrica e aprimorada como em Luigi's Mansion 3, tirem o cavalinho da chuva. A possibilidade de cooperar com um segundo jogador para resolver puzzles foi descartada em virtude do mesmo tipo de multijogador básico de títulos como Super Mario Odyssey. No novo exclusivo da Switch, o segundo jogar apenas dispara contra inimigos e barreiras e atira itens, com um segundo ponteiro. Este papel diminuído do segundo jogador é uma deceção imensurável, especialmente após o irrepreensível modo multijogador de Pikmin 3 Deluxe.
Mesmo com todas as novas funcionalidades,
o esquema de controlos mantém-se intuitivo. Este é similar ao usado nas versões
HD de Pikmin 1 e Pikmin 2, mas com algumas ações adicionais. Contamos também
com várias melhorias de qualidade de vida; por exemplo, as flores de comprimido
(Pellet Posy) só alternam entre as cores dos tipos de Pikmin presentes no
terreno naquele momento, e mantêm-se na mesma cor enquanto estão a ser
atacadas. Existem, ainda assim, algumas alterações que parecem querer tirar
controlo do jogador ou sobrepor-se às suas escolhas: quando entramos ou
abandonamos uma cave, temos a possibilidade de ajustar a nossa equipa de Pikmin;
contudo, fazemo-lo com ponto de partida numa equipa pré-definida que o jogo escolheu por
nós. Quando atiramos Pikmin para um tesouro, somos brevemente impedidos de
continuar a fazê-lo após dispensarmos o número exato de Pikmin necessários, o
que significa que temos de esperar um pouco caso queiramos atirar mais Pikmin para diminuir o tempo necessário para o transporte.
Graficamente, os ambientes são deslumbrantes,
com o mais fiel fotorrealismo da série e possivelmente da Nintendo Switch. Não
só as texturas e modelos são belos, mas a iluminação e
efeitos de água são os mais convincentes da saga. As personagens e os animais,
por seu lado, são mais cartunescos do que em Pikmin 3, sendo apelativos
sem destoarem dos locais em que se encontram.
O único local para onde não gosto de olhar… é para o texto em português do Brasil. Dentro de todos os jogos da Nintendo localizados para esta variante da nossa língua, este é capaz de ter os textos mais incomodativos. Os nomes localizados da fauna e flora conciliam o preguiçoso, o ridículo e o inadequado ao contexto europeu, como Granufulô, a tradução escolhida para Pellet Posy, e Cupim alado, o novo nome de Shearwig. Depois de anos a usar a Switch em português, foi este o jogo que finalmente me derrotou e conseguiu fazer-me mudar a linguagem da consola (porque, como é habitual, não é possível mudar a linguagem de Pikmin 4 a partir da própria aplicação).
Infelizmente, a banda sonora não me
impressionou até agora. Encontramos alguns remixes bem conseguidos de músicas
e jingles dos predecessores, mas as composições inéditas que ouvimos na nossa
base e na primeira área da aventura assumem registos mais minimalistas, mortiços e desinteressantes.
Em contrapartida, os efeitos sonoros que ouvimos ao atravessar a primeira
região de Pikmin 4 são os mais envolventes da série.
Com tantas novidades positivas e alterações desagradáveis, só um facto é certo sobre Pikmin 4: esta sequência será uma mudança radical para a série, com potencial para cativar uma nova audiência e revelar novo potencial neste universo conhecido. Se o consegue fazer sem alienar os fãs atuais, incluindo este encarecido redator, é algo que só saberemos quando o título for lançado a 21 de julho.
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