A espera por novos jogos Pikmin não seria tão excruciante se a Nintendo não fosse a única a fazê-los. O mercado indie, para além de ser o berço das ideias mais ousadas e fora da caixa da indústria, é também o que nos traz alternativas atualizadas a séries clássicas, entregues por fãs para fãs. Se a nova direção de Paper Mario não vos agrada, podem sempre jogar Bug Fables: The Everlasting Sapling, Underhero, etc.. Se estão fartos de esperar por um novo Donkey Kong Country, têm à disposição Yooka-Laylee and the Impossible Lair, criado pelos desenvolvedores da trilogia original. Se não aguentam muito tempo sem satisfazer o vosso bichinho Sonic, podem mergulhar em Freedom Planet e Spark the Electric Jester. Caso a inexistência de um Wario Land moderno vos frustre profundamente, Pizza Tower está à vossa espera na Steam.
E se quiserem uma alternativa a Pikmin? Azar o vosso. Há quem recomende Night in the Woods, Bugsnax e… Lemmings? Porém, nenhum desses é bem Pikmin, pois não? O título mais parecido com as experiências de estratégia em tempo real da Nintendo que encontrei foi Hotel Transylvania 3 Monsters Overboard e…...não, obrigado.
Em 2022, vários burburinhos
começaram a fazer-se ouvir sobre Tinykin: um novo indie de um estúdio francês,
que adapta a fórmula de Pikmin! Obviamente, eu tinha de experimentar este título
e, quem sabe, aliviar um pouco a minha gana de Pikmin!
Em Tinykin, controlamos Milodane,
um prestigiado arqueologista com o poder de estar sempre a olhar para nós como
uma boneca num filme de terror. Ele é originário do planeta Aegis, que se acredita
ser o planeta originário dos humanos, mas o nosso protagonista tem razões para
crer que, na verdade, a espécie veio da Terra. Assim, ele embarca na sua nave
para descobrir as origens da humanidade, mas acaba por se ver preso numa casa
gigante recheada de insetos falantes. Para poder regressar ao país de origem, o
arqueólogo tem de construir uma nova nave, usando objetos espalhados pelas
várias divisões! Esta premissa levou-me logo às nuvens. É tal e qual como
Pikmin 1, e vocês já devem saber que eu adoro Pikmin 1!
No entanto, alguns minutos após
pegar no comando, lá percebi que Tinykin não é exatamente uma alternativa aos
títulos da série. Tinykin é tão Pikmin como Hey! Pikmin. Nós realizamos as
nossas tarefas a ajuda de Tinykin, do mesmo modo que precisamos dos Pikmin para
progredir no spin off da 3DS. Existem vários tipos de pequenas criaturas,
que realizam diferentes tarefas consoante o local para onde as arremessamos: as rosas transportam objetos, as azuis conduzem eletricidade, as vermelhas explodem
objetos, as verdes formam escadas e as amarelas formam rampas. Graças a uma
adorável cinemática reproduzida quando encontramos cada tipo pela primeira vez,
imediatamente percebemos a sua utilidade!
No entanto, as semelhanças com a saga da Nintendo acabam por aqui. Nós recebemos Tinykin tocando nos seus ovos
espalhados pelas áreas, não cultivando-os com pellets ou corpos de
inimigos derrotados. Até porque, ao contrário do verificado nos 5 jogos Pikmin,
não há qualquer inimigo à vista. Alias, só há três acontecimentos que podem
derrotar Milodane, sendo o mais frequente destes as quedas de elevadas alturas.
Tendo em conta que, logo que perecemos, somos retornados em segurança ao último local
seguro em que estivemos, diria que morrer é benéfico na maior parte do tempo
e eu fi-lo de propósito várias vezes, para não ter de escalar de novo até ao local donde
caí!
Sim, “escalar”. Tinykin tem imensa
verticalidade nos seus mapas, e isso parte não só das habilidades dos Tinykin,
mas também da destreza inata do protagonista. Milodane é capaz de saltar e planar
durante alguns momentos, bem como de deslizar sobre e escalar cordas. Conjugando
estas ações, somos capazes de alcançar todos os cantos da casa.
Algo que é necessário, tendo em
conta os nossos objetivos principais. Em cada área do jogo, há um pequeno
problema que temos de resolver para recebermos uma componente da nave. Todas implicam de um modo criativo a divisão da casa em que nos encontramos. Na casa de banho,
temos de fazer um banho de bolhas para dar início à festa dos insetos; na
cozinha, temos de preparar um bolo para apaziguar os conflitos entre as
classes sociais. Como devem imaginar, cada uma destas missões implica realizar
vários passos. Por exemplo, para confecionarem o bolo, precisam de encontrar
farinha, ovos, açúcar, fermento, iogurte e manteiga, levá-los até à batedeira,
ativá-la e, obviamente, levar a massa ao forno!
Como se não bastasse, existe um
rol de missões secundárias em cada área, em que temos de ajudar certas personagens, usualmente encontrando e/ou transportando objetos específicos. Em todas
as divisões, existem também centenas de gold nuggets para encontrar, que
funcionam como as Purple Coins de Super Mario Odyssey ou as Musical Notes de
Banjo-Kazooie. Caso encontrem uma quantidade especifica de nuggets (usualmente
900), poderão aumentar o vosso tempo de voo. Embora a maior parte esteja à
vista, muitos escondem-se em locais ardilosos, seja debaixo de um móvel ou num
espacinho entre livros, testando a nossa atenção e faro para segredos! Portanto,
seria extremamente inadequado avaliar Tinykin como um jogo de estratégia.
Este é um collectathon, da mesma categoria dos dois jogos que acabei de
mencionar. Chip mudado; agora podemos colocar a questão: o quão boa é
esta experiência como collectathon?
Eu gostei de estar neste mundo,
mas gostava de ter gostado mais. A movimentação é das mais fluidas que experienciei
num videojogo, gerando um estado zen de progressão ininterrupta. As áreas são espantosas, consistindo em divisões credíveis e
detalhadas e perfeitamente ajustadas para serem atravessadas por um micro humano,
concedendo-nos um mundo repleto de significado para percorrer. Os insetos são um
deleite de conhecer e ouvir, em parte pelas vivências caricatas que nos contam,
mas também pelas interpretações que fazem dos fenómenos comuns à sua volta. Os contadores
de nuggets, Tinykin e missões paralelas refletem a densidade de conteúdo
dos locais da aventura, e ativam as partes do nosso cérebro que nos dão prazer
por ver números subir.
Porém, a dificuldade inexistente gera um fosso impossível de ignorar na experiência. O platforming exige pouca precisão. Como supramencionado, não existem inimigos para enfrentar ou que condicionem a nossa travessia. Não há qualquer condicionamento de tempo que nos faça priorizar tarefas ou tentar acelerar o nosso avanço. Os Tinykin são totalmente invencíveis e magicamente estão sempre à mão quando os queremos atirar. Isto é maravilhoso para a fluidez da nossa movimentação, mas o facto de nunca termos de nos preocupar com a sua posição ou segurança diminui a sua credibilidade como seres integrantes deste mundo.
Pode-se dizer que a aventura tem puzzles simples, mas estes resolvem-se sozinhos. Atirar os Tinykin rosas, azuis e vermelhos pode provocar pequenas mudanças no mundo, mas todas estas são irreversíveis e benéficas para o nosso avanço. Nunca há uma situação em que não queremos interagir com algo, ou em que possamos querer interagir com os objetos numa ordem específica. Se há algo que podemos mover, explodir ou ativar com eletricidade num dado momento, convém despachar logo o assunto e remover uma ação da lista de tarefas. Nem sequer temos de pensar no melhor Tinykin para cada situação: cada espécie de Tinykin apenas possui um uso muito específico e, em todo o caso, não temos qualquer forma de alternar entre os diferentes tipos manualmente, sendo que o jogo automaticamente escolhe o mais adequado para atirar consoante a situação.
O mais próximo que Tinykin tem de desafios reside em raras e
curtíssimas secções lineares, as quais nunca atingem a dificuldade dos primeiros
mundos dos New Super Mario Bros., e Time Trials adicionados numa atualização.
Mesmo conjugados, estes momentos não ocupam 5% do tempo que passamos em Tinykin,
e ainda assim são segmentos completamente opcionais.
É um jogo sem qualquer fail
state, sem qualquer possibilidade de ver um Game Over. Na ausência de qualquer
desafio, é inevitável o meu cérebro se desligue do que estou a fazer. Acabo por
passar uma boa parte do tempo em autopiloto, voando pelas áreas em loop recolhendo
Tinykin e realizando tarefas à medida que acumulo Tinykin suficientes e, em
alguns casos, os objetos necessários. Sendo extremamente polida e densa em
conteúdo e vitalidade, esta é certamente uma ótima aventura para as crianças
mais novas e para quem procura uma experiência inteiramente descontraída. Porém,
para mim, é um jogo bom para entreter os polegares enquanto ouço um podcast,
algo que não afirmo como um elogio.
Não consigo resistir a trazer de
volta Pikmin para debaixo do holofote. Acreditem que estou a julgar o título pelos
próprios méritos, mas é-me impossível não fazer comparações à saga da Nintendo
quando mais elementos Pikmin são precisamente o que falta para tornar esta
aventura mais empolgante. Tendo em conta o quão sólida é a base estabelecida
por esta experiência, não posso deixar de ansiar por uma sequência que a
desenvolva e que preencha as suas lacunas.
Permitam que cada tipo de Tinykin
realize mais ações, e deixem-nos optar entre eles. Espalhem inimigos pelo mapa
que nos encorajem a aproveitar ao máximo os criativos poderes dos Tinykin que
já existem nesta iteração da campanha. Adicionem pequenos puzzles que
aproveitem os utensílios de uma casa, como balanças, até porque, salvo uma
dúzia de elementos especiais, o mundo de Tinykin é estático. Da mesma forma, podem
transformar objetos do nosso dia em dia em plataformas especiais, para aprofundar a componente de platforming que é claramente o foco deste
novo universo. O jogo não precisa de ser difícil, mas deve confrontar-me com
obstáculos suficientes para me obrigar a estar atento; prova disso é Kirby que,
sendo muito fácil, é das minhas séries prediletas!
E, já agora, aproveito para pedir algo diferente, que
adoraria ver já em Tinykin na forma de uma atualização gratuita: deem-me uma ajudinha
para encontrar o pólen e Tinykin que me falta numa divisão. O complecionista em
mim quase sobe paredes ao ver que apanhou 1680 dos 1700 colectáveis duma área. Sei que não sou bom a limpar uma casa a pente fino, mas não precisam de me fazer sentir mal por isso. Já deram uns binóculos ao Milodane para podermos estudar a área; agora,
deem-lhes utilidade!
Conclusão
Uma aventura criativa, densa em coletáveis, e engrandecida por incríveis level designs, tinha tudo para ser um dos melhores platformers 3D dos últimos anos. Contudo, a incomodativa ausência de dificuldade em Tinykin deixa um vazio na experiência, que limita o prazer da experiência para jogadores mais experienciados.
O melhor
- Criativos tipos de Tinykin;
- Apelativas áreas construídas como divisões e perfeitamente desenhadas para
- Movimentação deliciosamente fluida;
- Elevada densidade de conteúdo, incluindo segredos bem escondidos, em cada divisão;
O pior
- Puzzles simplórios que ainda assim se resolvem sozinhos, e...;
- Platforming pouquíssimo desafiante, e...;
- Total inexistência de inimigos, que conduz a ...;
- Experiência que se joga em autopiloto uma boa parte do tempo;
Título: Tinykin
Desenvolvedora: Splashteam
Publicadora: tinyBuild
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão Microsoft Windows do jogo, experienciada através do Xbox Game Pass.
Autor da Análise: Tiago Sá
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