Há
anos em que parece que a indústria dos videojogos se reúne toda e chegam a um
consenso muito simples: “Este é o ano em que vamos garantir que TODA A GENTE vê
o seu backlog aumentar,” seguido de dezenas de risos maléficos retirados de um
qualquer desenho animado da Hanna-Barbera. E 2022 foi um desses anos. Entre
grandes jogos saídos de algumas das maiores produtoras do mundo, até aos pequeninos títulos saídos das mãos de estúdios com meia dúzia de pessoas, é
espantoso olhar para trás e ver a quantidade de experiências de elevadíssima
qualidade com os quais fomos brindados este ano. É daqueles anos em que quase
não quero olhar para os meus favoritos, porque sei que estarei a deixar para
trás algo que realmente me impressionou e me divertiu durante horas a fio.
Quase!
Precisamente
porque este foi um ano tão recheado, cada elemento desta equipa vai escolher os
seus jogos favoritos numa série de categorias, como se cada um de nós fosse um
juiz dos Game Awards. (Embrulha, Keighley!) Se isto me vai impedir de deixar
algo excelente para trás e por mencionar? Ah, claro que não! Afinal de contas,
o plano maléfico da indústria funcionou, e o meu backlog está maior que nunca,
e há jogos que certamente adorarei que nem tive oportunidade de jogar, como Cult of the Lamb ou Sonic Frontiers. Mas farei o melhor que sei para
celebrar aquele que foi um dos melhores anos de sempre no que a videojogos diz
respeito, e no qual saíram o que considero ser 2 dos melhores jogos alguma vez
produzidos. Vamos lá então!
Mesmo
tendo sido apanhado de surpresa pela emocional narrativa de Pokémon
Scarlet & Violet e pela profundidade das personagens da Professora
Sada e do Professor Turo, não surpreenderá ninguém dizer que God of War: Ragnarök foi o jogo que este ano nos ofereceu as melhores personagens.
Daí destacar Thor como um dos antagonistas mais interessantes de que tenho
memória, com Ryan Hurst a dar uma profundidade incrível ao arco narrativo do
deus nórdico do trovão. Mas por muito que aplauda esta personagem e o
desempenho do seu ator, a medalha de ouro deste ano tem de ir para Kratos,
protagonizado por Christopher Judge.
Se
em 2018 já tínhamos visto o antigo deus da guerra a evoluir tremendamente
enquanto viajava com o seu filho Atreus, em God of War: Ragnarök
vemos o culminar da redenção cujos primeiros jogos que protagonizou sugeriam
ser irredimível. Cada interação com Atreus, com Brok ou Sindri, com
antagonistas como Thor ou Odin mostram uma personagem em constante melhoria
pessoal. Mesmo os rasgos de fúria que evocam o seu passado monocórdico estão
tão bem integrados nesta demanda de reabilitação e no desenvolvimento emocional
de Kratos no papel de guerreiro, de pai e de amigo. Há tanta nuance no modo
como esta personagem está escrita, e tanto cuidado em cada gesto, expressão
facial ou falha de voz no excelente desempenho de Christopher Judge, que não dá
para não destacar Kratos como a melhor personagem dos videojogos de 2022.
Eu
adoro música. Claramente uma das coisas mais controversas que já escrevi eu
sei, estou na corda bamba do cancelamento depois disto. Mas a sério, a banda
sonora é uma das vertentes dos jogos à qual tento prestar mais atenção porque
pode genuinamente tornar um momento de hype e torná-lo eternamente retido na
minha memória. Foi, sem dúvida, o caso das bandas sonoras de Elden Ring
e de God of War: Ragnarök. Todos os confrontos com os bosses
Godskin ou com os “shardbearers,” bem como as batalhas contra os deuses de
Asgard – tudo momentos para sempre gravados na minha memória. Pelo desafio e
pela jogabilidade, sim. Mas não tenham dúvida que as trilhas musicais destes
momentos desempenharam um papel fundamental.
Mas
então, se são bandas sonoras tão boas, nenhuma delas leva o ouro? Nope. O
grande vencedor desta categoria, para mim, é Live A Live. O
trabalho de Yoko Shimomura é brilhante, e o trabalho de remasterização do mesmo
aqui é de chorar por mais. Com 9 capítulos passados em 9 períodos históricos
diferentes, seria um esforço hercúleo esperar que a banda sonora fosse não só
consistente, mas algo que enaltece cada um destes capítulos. Mas é precisamente
o que acontece neste jogo. Não há um capítulo com uma trilha musical fora de
lugar ou que não esteja constantemente a tornar o jogo melhor. Não que não
aconteça o mesmo em Elden Ring e God of War: Ragnarök,
mas num jogo com a estrutura de Live A Live era tão mais difícil
conseguir fazê-lo com consistência, que tinha de dar este reconhecimento a este
JRPG perdido no tempo.
Ai,
ai… vamos a uma categoria que fui eu que propus que fosse incluída nesta série
de artigos, mas que me dói. Muito. Porque nem tudo são flores e borboletas,
2022 também teve a sua dose de jogos que me entusiasmavam até ao preciso
momento em que os comecei a jogar. Nintendo Switch Sports era um
jogo que eu queria muito que fosse bom – até porque nunca tive uma Wii nem uma
WiiU para jogar as iterações anteriores -, mas que me entreteve durante 2 horas
e nunca mais quis voltar. Mas mais que a falta de precisão que me fez sofrer
com o dinheiro que investi neste jogo, foi o facto de Scorn ser um
tremendo aborrecimento. Foi dos primeiros jogos anunciados para a nova geração
da Xbox que me cativaram e que retive na memória, mas pegar neste grotesco jogo
de puzzles obtusos não me entreteve minimamente durante a hora que o joguei.
Mas um desperdício de direção artística como este não foi o suficiente para
levar o latão pintado de ouro a spray. Esse (de)mérito vai para Saints Row.
Pode
parecer estranho, mas Saints Row até me entreteve um bocado – tanto que
até o platinei na PS5. Mas este facto faz-me sentir sujo. Porque passar dos
fantásticos e hilariantes Saints Row: The Third ou Saints Row
IV para este reboot é como passar do melhor filé mignon num
restaurante com estrelas Michelin para um pedaço de frango rançoso e mal
cozinhado que nos contamina com salmonela. Não é que não tenha méritos, o mundo
aberto tem o seu interesse e o jogo de disparos na terceira pessoa está
relativamente competente. Mas as personagens são terríveis, o guião é do pior
que já vi, o sentido de humor desapareceu completamente, e a incompetência
técnica é quase espantosa. Portanto sim, sinto-me parvo por ter dado dinheiro
por este jogo que cuspiu no legado de uma das minhas séries preferidas. Pelo
menos não me fez apanhar salmonela. Eu fui fazer análises para o garantir. Três
vezes.
Ufa,
depois de arejar alguma da minha frustração, voltemos a celebrar o que a
indústria dos jogos tem feito de bom, olhando agora para algo no qual este meio
de entretenimento tem melhorado de ano para ano: as histórias. E o bronze aqui
para um jogo que não contou apenas uma boa história, mas 9! Sim, Live A Live volta a picar o ponto nesta minha reflexão dos melhores do ano ao
oferecer 9 capítulos, com 9 protagonistas, e 9 histórias distintas passadas em
9 períodos temporais diferentes. Uma tarefa dificílima, mas concretizada com
grande sucesso, merecendo plenamente todo o reconhecimento. E a prata terá de
ir para Elden Ring. E se já estão a começar a espumar da boca
porque, na vossa cabeça, “estes jogos não têm história,” ou algo assim, nem
comecem. Elden Ring tem uma grande narrativa, cheia de intriga e
cuja descoberta é sempre entusiasmante, e várias pequenas subnarrativas
recheadas de personagens de qualidade e de linhas narrativas fascinantes.
Mas
claro, o ouro tem de ir para God of War: Ragnarök. A conclusão da
jornada de Kratos e Atreus no mundo da mitologia nórdica superou todas as
minhas expectativas. As reviravoltas que me levaram a abrir tanto a boca que,
de facto, entrou uma mosca. O desenvolvimento dos protagonistas, dos seus
companheiros e até dos vários antagonistas. Os momentos de incrível entusiasmo
e de autênticos socos no estômago. As curtas narrativas das missões secundárias
que tanto acrescentam ao que vemos e experienciamos neste mundo. Até o raio do
pós-jogo com dois ou três momentos incrivelmente impactantes e memoráveis. Tudo
isto enquanto toca em tantas temáticas e em tantos assuntos complexos,
conseguindo resolvê-los a todos de forma brilhante. Não há uma única falha, uma
qualquer lacuna que eu me consiga lembrar de apontar à história de God of War: Ragnarök. Não há um único aspeto para o qual eu aponte e pense
“preferia que fosse antes assim.” E é por isso que é a melhor narrativa que a
indústria dos videojogos nos eu este ano.
Se
há um aspeto em que os jogos têm melhorado a olhos vistos ao longo dos tempos é
no… aspeto. Felizmente, a inspiração dos diretores criativos e artístico e das
suas equipas este ano foi muito melhor do que a minha para escrever aquela
frase de abertura deste tópico. Numa categoria onde gostaria muito de dar
algumas menções honrosas, começo por destacar Sifu. O jogo incorpora
muitíssimo bem os ambientes vívidos nos combates mais intensos, utilizando
vários truques de luz e de mudanças repentinas de cor para dar uma maior
sensação de perigo e de urgência aos confrontos com bosses. Depois temos mais
um confronto entre Elden Ring e God of War: Ragnarök,
sendo o RPG da FromSoftware a voltar a ficar ligeiramente atrás. Os ambientes
são espetaculares, os designs das criaturas, dos bosses, das armas e armaduras,
e mesmo do mais pequenino objeto que parece insignificante contribui muito para
a coerência deste universo tão atraente quanto perigoso.
Mas
sim, é God of War: Ragnarök a levar mais uma vez o maior louvor.
Honestamente, é capaz de ser o jogo mais bonito e diverso que já tive o prazer
de contemplar na vida. Com a possibilidade de conhecer e explorar todos os
reinos da mitologia nórdica, é impressionante que cada um deles tenha uma
identidade visual tão distinta. Mesmo quando estamos a mirar paisagens ao longe
– e há umas quantas de se perder o fôlego, já agora -, o detalhe colocado em
cada centímetro quadrado do que aparece no ecrã é tanto que é impossível não
ficar a admirar o cuidado com o qual tudo isto foi desenhado e construído. É
mais uma das vertentes que torna God of War: Ragnarök a ser um
dos melhores jogos de sempre, na minha perspetiva, e é muito fácil afirmar que
este é o jogo com a melhor direção artística de 2022.
Bem,
esta categoria podia perfeitamente chamar-se “jogo preferido que joguei na Xbox
este ano.” Porque 2022 foi o ano em que finalmente mergulhei neste lado do
mercado das consolas ao comprar uma Series S e, claro, uma subscrição do Game
Pass. Isto fez com que uma série de clássicos e exclusivos da Xbox entrassem
automaticamente no meu backlog, tendo conseguido limpar alguns deles. Tenho a
destacar Halo Infinite, cuja campanha a solo me entreteve imenso
sobretudo pela jogabilidade FPS limpa e gratificante, e pelo mundo aberto cujo
design me surpreendeu bastante. Outro grande destaque foi Forza Horizon 5,
cujo mundo aberto é absolutamente exímio e cujas mecânicas de condução são das
mais divertidas da última década, ou mais! Mas há um jogo que terminei que me
entreteve mais, e que me deixava mais ansioso para voltar a jogar quando tinha
que parar para ser um “adulto responsável.” E esse jogo foi Psychonauts 2.
Calma,
com isto não estou a dizer que Psychonauts 2 é, objetivamente, um jogo
melhor que Halo Infinite ou que Forza Horizon 5. Mas foi o que
mais me divertiu. Trata-se mesmo de uma questão de gosto e de preferência por
um género face a outros. Sendo fã do original e do seu sentido de humor, foi
um prazer regressar à pele de Raz e vê-lo estabelecer-se como um agente secreto
e a desenvolver as suas habilidades psíquicas. Adorei a história e o que esta
foi revelando sobre a família de Raz e várias outras personagens que considero
velhas amigas. E claro, adorei a jogabilidade de plataformas e ação, fazendo questão
de explorar cada recanto das várias zonas abertas disponíveis. Por tudo isto, Psychonauts
2 foi o jogo do meu backlog que mais prazer me deu retirar dessa longa
lista de espera este ano.
Se
uma reflexão deste género costuma estar repleta de jogos vindos das maiores
produtoras do mundo, isso não quer dizer que o mercado independente não esteja
a conseguir oferecer experiências de elevadíssima qualidade. Bem pelo
contrário, 2022 voltou a ser um grande ano para as pequenas produtoras e para
os jogos indie, havendo uma boa dezena de títulos que merecem ser celebrados.
Podendo apenas destacar três desses, tenho de começar por referir Rollerdrome,
um estiloso (e violento) jogo onde temos de andar a patinar por arenas enquanto
abatemos hordas de inimigos que, por sua vez, nos querem abater a nós. É um
jogo visualmente muito apelativo e com uma jogabilidade desafiante e divertida,
que merece que mais gente fale dele. Depois há que olhar para Sifu, um
brawler quase rítmico que abriu as hostilidades dos jogos indie este ano que
mistura a sua brilhante direção artística com uma jogabilidade sempre
incrivelmente gratificante. Dois jogos incrivelmente estilosos, incrivelmente
divertidos, mas que perdem a medalha de ouro para um título incrivelmente
diferente destes.
Falo
de Powerwash Simulator. Ok, oiçam-me. Leiam-me? Esta piada está a dar um
déjà vu brutal, avancemos. Normalmente, não sou o tipo de pessoa que investe
tempo em simuladores deste género. Não gosto de simular ter uma quinta ou
conduzir camiões pela Europa fora. Simular ser um bode em busca do caos é giro,
isso tenho de admitir, mas estes simuladores mais realistas não costumam ser a
minha praia. Mas há algo de diferente neste. Quando estou stressado, e a vida
me anda a deixar cansado, encontro neste jogo um refúgio pacífico perfeito. Não
me peçam para explicar, eu também não consigo compreender, mas há algo de
incrivelmente prazeroso e gratificante em empunhar equipamento de água a jato,
largarem-me num parque infantil que levou com toneladas de lama, e limpar cada
centímetro quadrado à minha frente. É como entrar num transe que me ajuda a
relaxar como nenhum outro jogo este ano, talvez esta década, tenha conseguido.
Por isso sim, por mais estranho que pareça, Powerwash Simulator é o
melhor indie deste ano, para mim.
E
vamos ao “main event.” Ao topo da montanha. Ao combate pelo título. À final. Ao
cume do Olimpo. Avancemos porque me estão a faltar mais metáforas. Sim, está na
hora de olhar para o melhor jogo do ano. Vamos já despachar o terceiro lugar,
que vai para Pokémon Legends: Arceus. A lufada de ar fresco que
foi experienciar o mundo de Hisui quase que ofereceu tudo aquilo que eu queria
de um Pokémon moderno. Mais liberdade para andar pelas planícies e montanhas
para interagir de novas formas com vários Pokémon, experimentando com uma
história diferente e interessante. Basicamente, fez muito do que Pokémon
Scarlet & Violet fizeram, com diferenças aqui e ali, mas o spin-off
acabou por ser muito mais competente tecnicamente, portanto os jogos da nona
geração acabaram por cair do pódio.
E
este despachar foi porque os dois primeiros são autênticos titãs e, se pensar
bem sobre o assunto, muito provavelmente os meus dois jogos preferidos de
sempre. Desculpa Legends: Arceus, diverti-me bastante durante
várias dezenas de horas contigo, mas… Raios me partam, God of War: Ragnarök e Elden Ring são qualquer coisa do outro mundo,
estão num patamar completamente diferente. Escolher qual deles leva o caneco
(olha, mais uma metáfora!) é uma tarefa tão difícil como escolher entre dois
filhos. É uma tarefa verdadeiramente hercúlea. Quase não quero fazê-lo, quase
que me apetece fazer uma das minhas mundialmente famosas batotas em artigos
deste género e partilhar o ouro com ambos.
Quase!
Depois
deste callback de elevadíssima qualidade, e de tantas referências a
mitologias que abrangem o percurso de Kratos, certamente já terão adivinhado
que God of War: Ragnarök… é o jogo que leva a prata. Custa-me
muito dar apenas o segundo lugar a uma experiência com uma história tão
incrivelmente boa, recheada de tantos momentos entusiasmantes como de momentos
emocionalmente carregados, com a melhor direção artística alguma vez conseguida
pelos Estúdios PlayStation e com uma jogabilidade tão, mas tão boa. A verdade é
esta: se olhar o mais objetivamente possível, tenho de reconhecer que God of War: Ragnarök é o melhor jogo do ano, o mais competente em quase
tudo o que dá para ser avaliado num videojogo.
Apesar
de tudo isto, foi Elden Ring o jogo que mais me divertiu e que
mais prazer me deu em 2022. Como fã incondicional da FromSoftware, sobretudo de
todos os seus jogos que assentam na fórmula Souls, não posso
deixar de admirar a aplicação dessa mesma fórmula a um mundo aberto. E não é um
mundo qualquer, mas um dos mapas abertos mais amplos de que tenho memória.
Mesmo assim, o quão recheado este mundo está, é algo que merece ser
contemplado. Há tantos segredos para desvendar, tantas pequeninas histórias
para descobrir e para viver, tantos perigos para enfrentar e tantos desafios
para conquistar. E o melhor, é que não há um único minuto de tédio em qualquer
pedacinho de todo este conteúdo. Andar pelo mundo é sempre entusiasmante,
descobrir algo escondido é das coisas mais empolgantes que alguma vez senti num
videojogo e, claro, a cereja no topo do bolo é que isto tudo assenta na fórmula
Souls que nem uma luva. É algo verdadeiramente de especial, e que
só jogando é que se compreende plenamente o quão.
Em
qualquer outro ano, qualquer um dos jogos neste top-2 seria a minha escolha
para jogo do ano, sem qualquer hesitação. Mas o destino quis que ambos os jogos
calhassem em 2022, e a minha escolha acaba por recair, pela margem mais mínima
possível, em Elden Ring.
GameForces Awards 2022 – Filipe Mesquita
Reviewed by
Filipe Castro Mesquita
on
dezembro 29, 2022
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