Segunda Opinião | Xenoblade Chronicles 3 - Muito a Elogiar, Muito a Desejar

Se leram o nosso artigo de aniversário, já estão a par dos nossos artigos Segunda Opinião. E se calhar, quando leram que “cada um dos redatores do GameForces dará a sua opinião sobre um jogo analisado por outro membro da equipa no passado”, o que vos deve ter passado na cabeça é “um redator detestou um jogo, e agora outro diz que adora”, ou viceversa. Neste artigo final, não é nada disso que encontrarão: se alguma coisa, eu nutro por Xenoblade Chronicles como série e pela terceira iteração em específico o mesmo carinho e paixão do Carlos Silva, que escreveu a nossa análise original deste magnífico RPG.

Por isso, o meu objetivo com este espaço de antena extra é destacar alguns dos meus motivos pessoais e distintos para eu adorar esta obra-prima da Monolith Soft… mas também mencionar as minhas reservas com certas escolhas tomadas. Com a enchente de opiniões que tenho a fervilhar dentro de mim, também deixarei escapar um spoiler aqui e ali; por isso, se não jogaram Xenoblade Chronicles 3, podem ler a análise do Carlos para saberem porque é que já o deviam ter feito (até porque não voltarei a explicar os fundamentos da história e jogabilidade), e nem pensem em cá voltar sem dedicarem umas dezenas de horas a Xenoblade Chronicles 3.

Quem diz para jogarem o 3 também recomenda que joguem Xenoblade Chronicles: Definitive Edition e Xenoblade Chronicles 2 primeiro, porque este terceiro jogo é efetivamente uma celebração da série. A tarefa que a Monolith Soft tinha em mãos não era fácil: fazer jus à sua promessa de “unir os futuros dos dois jogos anteriores”, sem com isso alienar novatos. Mas ela de facto conseguiu, e a chave para o sucesso é subtileza. Em vez de tornar o choque dos dois mundos no foco da aventura e correr o risco de revirar os meus olhos até lesar os nervos óticos com fanservice atirado à cara, a conclusão da trilogia apresenta-nos uma história, mundo, interrogações e personagens próprias, tal como era de esperar de uma aventura Xenoblade totalmente inédita.

Mas chamar este mundo “único” não é totalmente correto, certo? Aionios, o mundo de Xenoblade Chronicles 3 é composto pelas diferentes regiões dos dois jogos anteriores, que se fundiram para gerar uma massa de terra unificada. E isso é algo que podemos ver com os nossos próprios olhos! Ao percorrer Aionios, senti-me como uma criança numa loja de guloseimas, reconhecendo vários marcos pelos quais passara nas aventuras por Bionis, Mechonis e Alrest. O exemplo mais óbvio é Swordmarch, a meta das nossas personagens, onde a espada de Mechonis, o gigante titã onde habitavam as formas de vida Machina, caiu e penetrou um dos Leftherian Titans. Mas outros exemplos são abundantes: por exemplo, quando chegarem a Elaice Highway, poderão sentir um calorzinho no coração ao reconhecer este local, bem como a belíssima música que toca nesta área…


Os designs das personagens também são indicativos da sua origem, com as asas de Eunie e os padrões de pele de Lanz a marcarem-nos como descendentes de High Entia e Machina respetivamente, e os Core Crystals das personagens de Agnus a acusarem a sua ascendência de Blades, Blade Eaters e/ou Flesh Eaters. Até o combate, com a sua segmentação em artes recarregadas com ataques automáticos e recarregadas com o tempo, associa as raças de Keves e Agnus aos estilos de jogabilidade do primeiro e segundo títulos. São pequenos mas abundantes detalhes como estes que, somados, tornam a jornada por Aionios extremamente recompensante para quem acompanhou a série – sem nunca serem explicitamente ou forçosamente trazidos para a luz da ribalta.

Falando em não trazer algo à força para o centro da experiência, foi um alívio descobrir que Xenoblade Chronicles 3 não incorre nos mesmos problemas do segundo jogo. Enquanto os primeiros capítulos de Xenoblade Chronicles 2 apostavam entre si para verem qual seria capaz de tragar mais constrangedores clichés anime, Xenoblade Chronicles 3 mantém-se sóbrio do início ao fim.  A cena da sauna no começo da história, com o modo indiferente como as personagens interagem entre si, não só funciona como worldbuilding mas também parece um pedido de desculpas por alguns momentos especialmente dolorosos da aventura por Alrest: “Estão a ver, nem num banho conjunto as personagens disparam piadas embaraçosas, podem confiar que desta vez as personagens estarão à altura de Xenoblade Chronicles!” Longe de mim dizer que este título não tem momentos humorísticos; estes existem, mas na maior parte dos casos são naturais e, consequentemente, mais eficazes.

De facto, as interações entre personagens em Xenoblade Chronicles 3 são mais autênticas do que no passado da série, não só pelo excelente voice acting de todos os intervenientes, mas também pela animação. As figuras centrais desta aventura deixaram-me impressionado pela sua expressividade durante toda a experiência, seja nos pequenos gestos nos locais de descanso, seja nos comentários que tecem organicamente ao passar por certos locais na exploração, seja nas cinemáticas vívidas e elaboradas. Este salto na qualidade das animações tem um impacto claro nos momentos emotivos: tenho a certeza de que, nos motores de jogo mais "presos" de Xenoblade Chronicles 1 e 2, o desespero de Noah na prisão e a angústia de Mio aquando da troca das flautas não seriam tão impactantes.

Aliás, as flautas são um importante elemento da identidade desta jornada, tanto literalmente como figurativamente. Em parte, a forma gradual como Noah e Mio vão complementando as suas melodias enquanto off-seers até, por fim, trocarem as suas flautas evidencia a evolução progressiva da sua relação. A própria tarefa de off-seeing, uma despedida final às almas que partiram, traz contornos majestosos à aventura e consolida o seu tom mais maduro e contemplativo – em especial na figura de Noah, umas das poucas que, mesmo antes de se tornar Ouroboros, conseguia ver além do conflito direto e ponderava o seu propósito. Por outro lado, as flautas ultrapassam as melodias de off-seeing e marcam presença ubíqua na banda sonora, desde temas de batalha a ambientais, tornando-se numa característica diferenciadora das músicas – até porque as flautas usadas na banda sonora são modelos personalizados criados pela Monolith Soft com sons únicos!

Escusado será dizer que, mais uma vez, as composições que ouvimos durante a aventura são sublimes. Se o Carlos acha negativo que estas “nunca se revelem verdadeiramente reformulantes ou dissimilares de outras da série”, eu não entendo o sentimento. Mesmo que ignoremos a proeminência característica da flauta nesta banda sonora, o primeiro e segundo jogos têm temas orquestrais que ora são transcendentes e atmosféricos ora energéticos e intensificadores da ação; o que mais poderia eu querer? Para começar, mais do que umas migalhas de músicas de bosses, visto que praticamente todos os bosses da história são Moebius e partilham o mesmo tema (com poucas ou nenhumas variações); mas não coloquemos a carroça à frente dos bois.

Mecanicamente, Xenoblade Chronicles 3 merece uma medalha de ouro na lapela. As mecânicas e menus são mais diretos, deixando de requerer uma licenciatura para serem compreendidos na plenitude como em Xenoblade Chronicles 2. O combate, embora não seja o meu preferido da série por privilegiar a preparação pré-batalha em detrimento de estratégias inerentes ao confronto em si, brilha pela profundidade das opções de personalização. Existem também imensas melhorias de qualidade de vida, como a possibilidade de combater na água e de trocar entre as personagens a qualquer momento, que em retrospetiva é inacreditável que só agora se tenham estreado na série.

E finalmente, finalmente, as sidequests prenderam-me num destes JRPGs. No título inaugural, as missões resumiam-se a “apanha X disto” ou “mata X bichos”, com o mínimo de contexto necessário para as fazerem parecer conteúdo real; já no segundo jogo, eu queria fazer sidequests, acreditem, mas os requisitos de Field Skills chutavam-me com o rabo entre as pernas de volta para a história principal. Felizmente, à terceira é de vez: no novo projeto da Monolith Soft, a maior parte das missões paralelas conta uma pequena história ou contribui para o desenvolvimento do mundo, conquistando a minha atenção ao ponto de me fazer esquecer de que, mais uma vez, estou apenas a fazer fetch e battle quests! E escusado será dizer que não há nenhum requisito mirabolante e artificial à realização das missões como os field skills: se conseguem chegar ao local da missão, podem realizá-la! Inacreditável, não é? Só poderia ser ainda melhor se, para desbloquear cada uma das dezenas de missões, eu não tivesse de coscuvilhar conversas de NPCs expostas em texto que se arrasta penosamente, dolorosamente, desnecessariamente, em seguida precisasse de me deslocar a um local de descanso, conversar sobre o tema, e só aí começar a missão propriamente dita.

Nem todas as missões são criadas iguais: a aventura por Aionios introduziu Hero Quests, missões especiais centradas numa determinada colónia e respetivo comandante. Com cinemáticas próprias e voice acting, estas histórias secundárias têm a mesma qualidade e acabamento do conteúdo principal, e sempre que desbloqueio uma largo tudo o que estou a fazer e atiro-me de cabeça nela. Isto não só pela história em si, mas também pela recompensa: um novo membro da equipa, e um novo estilo de combate que qualquer personagem principal pode usar. Com este sistema, a Monolith Soft evoluiu o funcionamento das Blades do segundo título: em vez de dependerem de um desgastante sistema gacha, os novos estilos de combate funcionam como recompensas diretas da realização de missões de maior escala.

Ainda assim, a repetição não foi totalmente eliminada do processo. Basta terminarmos as primeiras Hero Missions para descobrirmos um padrão: no começo, o comandante enfrenta-nos diretamente. Após se juntar a nós e realizar uma tarefa na nossa companhia, este fica seduzido à ideia de destruir o seu Flame Clock, pelo qual lutou toda a sua vida, só com base na palavra dos rebeldes, e a opor o Consul que o supervisiona, que do nada decide atirar farpas a tudo e todos para invalidar o dilema moral. Quando o jogo começa a tomar maiores liberdades com estas missões, como com Fiona e Triton, estas chegam ao fim.

…Ups, é impressão minha, ou algumas críticas já deslizaram pela barragem? Bem, eu não me ia conseguir conter muito mais. Como eu disse, a minha opinião de Xenoblade Chronicles 3 está praticamente em sintonia com a do Carlos Silva, que adorou o jogo e lhe deu um 9/10. Mas, pelo menos para mim, o ponto que separa esta experiência da nota perfeita preenche-se de inúmeros pequenos problemas que, não afetando gravemente a experiência, frustrantemente afastam o título da excelência e fazem dele o meu Xenoblade preterido.

E é a partir daqui que a minha opinião mais diverge com a do Carlos, que coloca o segundo jogo no fundo do seu top de Xenoblade. Para mim, Xenoblade Chronicles 3 conseguiu a proeza, certamente inadvertida, de redimir parcialmente o seu predecessor imediato aos meus olhos. Porque se Xenoblade Chronicles 3 não atinge os pontos baixos do antecessor, também fica muito aquém dos seus pontos fortes – e eu só percebi o que tinha quando o perdi.

A começar pelo mundo, que é o menos memorável da trilogia. Mas Tiago, tu não disseste ali atrás que o mundo era recompensante de esmiuçar para fãs de longa data? Sim, eu sei que pareço bipolar, mas a questão é que essa ligação aos predecessores é tudo o que o mundo tem (para além das músicas, naturalmente). Ao olhar para os ambientes, sinto que estou a jogar um New Super Mario Bros., passando pelos biomas convencionais: pradaria, deserto, praia, floresta, neve, montanha. Mesmo os acampamentos humanos, na forma das colónias, seguem estilos arquiteturais estéreis e uniformizados, em parte traduzindo a incapacidade dos soldados de estabelecerem culturas mais desenvolvidas devido às suas curtas vidas serem canalizadas em absoluto para a guerra, e em parte traduzindo uma poupança de tempo, recursos e imaginação para os desenvolvedores.

Numa palavra, este mundo é desinspirado e, excetuando talvez a Lost Colony, não existem localizações "originais" que cheguem aos pés de Satorl Marsh e Alcamoth. Muito menos se aproximam de qualquer um dos titãs de Alrest, cada um com os seus biomas, civilização e atmosfera visceralmente distintos, a tal ponto que, 5 anos após chegar a Elysium, lembro-me vividamente de cada um dos reinos. Até a música funciona como um indicador da imemorabilidade do mapa: enquanto em Alrest cada composição encaixa na perfeição na região correspondente graças à sua energia e instrumentação, em Aionios poderiam baralhar os temas das áreas e eu não estranharia. É irónico que os ambientes resultantes da fusão dos mundos sejam piores do que a soma das suas partes, e talvez o resultado final tivesse sido mais interessante se os eventos do jogo tivessem sido posicionados num momento anterior de Aionios, em que os ecossistemas das regiões de Xenoblade Chronicles 1 e 2 ainda estivessem em conflito e não completamente subjugados pelas condições climatéricas e pressão ambiental.

Deixando de lado as paisagens e olhando para o passado do mundo, a minha desilusão persiste. Em Xenoblade Chronicles 1, o passado de Bionis e Mechonis, incluindo aspetos como o propósito dos seres vivos de Bionis e em particular dos High Entia, é fascinante e serve como o motor para os principais desenvolvimentos do enredo. Já na sequência, esta ideia é levada ao seu extremo, com um mundo elaborado construído com Drivers, Blades, e Titans cujas implicações são intrincadamente exploradas nas regiões, história e motivações de heróis e vilões.

Em contrapartida, a vida em Aionios rege-se por duas condições diferenciadoras: o conflito sem fim à vista entre as fações imposto pelos Flame Clocks e a curta esperança de vida dos soldados. Estas têm bastante potencial, mas este não foi devidamente trabalhado. Antes de mais, considero que a Monolith Soft perdeu uma oportunidade de dar aos Flame Clocks maior peso do que nenhum, mostrando-nos colónias que conhecemos a perecerem pelo seu esvaziamento ou apresentando-nos os dilemas de soldados que, tendo já plena noção da futilidade do conflito, se veem forçados a lutar para preencherem os seus Flame Clocks. 

Além disso, a guerra não tem quaisquer motivações subjacentes, para além da perpetuação de Moebius. A inexistência de motivações pode ser em si mesma considerada reveladora, mostrando como o condicionamento dos soldados é suficiente para os fazer prolongar sem reservas a guerra. Todavia, acredito que a narrativa teria sido muito mais estimulante se a direção oposta tivesse tido tomada. Em vez de os Moebius agirem como comandantes que tecem ordens arbitrárias seguidas cegamente pelos seus subordinados, estes poderiam funcionar como estrategistas de fundo – mantendo o seu papel como vilões principais, mas despoletando sub-repticiamente acontecimentos ardilosos para fomentar o conflito, dando reais fundamentos às fações.

Desta forma, talvez as rainhas tivessem tido um papel mais satisfatório na história, por exemplo opondo-se à guerra, mas sendo incapazes de a travar pelo contexto político. Após o destaque dado a Melia e Nia no material promocional e no começo do jogo, eu fiquei bastante investido num mistério: “O que levou estas heroínas de Xenoblade Chronicles 1 e 2 a encabeçarem esta guerra?”. Como já sabem, a resposta é “nada”, e para mim esta incapacidade ou cobardia de tomar um caminho inusitado com as ex-protagonistas é paradigmática do que chamo a “fórmula Xenoblade”.

Os próximos parágrafos incluirão spoilers importantes e tardios de Xenoblade Chronicles 1 e 2! Se não jogaram estes títulos, cliquem aqui para esconder os parágrafos em questão!

A fórmula Xenoblade pode ser sintetizada ao seguinte facto: “Os protagonistas são intocáveis”. Curiosamente, para o título inaugural, uma das propostas descartadas para o enredo era tornar Reyn no vilão final; todavia, desde então, a única tentativa de abalar o status quo da nossa equipa foi com Vandham em Xenoblade Chronicles 2, uma personagem cujo abandono era previsível. Ignorando esse caso único, sempre que algum membro da nossa equipa “falecia” dramaticamente, fosse Fiora, Shulk ou Pyra/Mythra (duas vezes!), pouco demorava até nos baterem nas costas a rirem-se. “Acreditaste mesmo que morri? Devias ter visto a tua cara!”. Como diria Luke Skywalker, “No one’s ever really gone”! Por isso, quando a Monolith Soft frisou que “a Mio está marcada para morrer, vai mesmo morrer”, eu fiquei tão preocupado como quando o Costa prometia um médico de família para todos os portugueses.

Frase de Noah sucedida por flashbacks de 5 mortes, das quais 4 são revertidas

Quando chegou a cena da prisão, ainda mais certo eu estava da sua sobrevivência. A estrutura da história era-me especialmente familiar, por ser uma versão com menos emocionalidade, mutabilidade e profundidade da de Xenoblade Chronicles 1. A premissa básica das duas histórias é similiar: duas fações estão presas numa guerra interminável, cujas razões são incertas e são lentamente descobertas pelos protagonistas. Pelo caminho, encontramos algumas caras conhecidas, previamente aliadas, que foram forçadas a auxiliar os vilões da narrativa, e problemáticas como o livre-arbítrio e o receio do futuro são abordados.

Porém, o terceiro título é um retrocesso na aplicação desta estrutura: enquanto Xenoblade Chronicles 1 espaçou as suas revelações com ponderação ao longo de toda a jornada, a mais recente entrada da série aparenta competir num sprint de 100m, queimando todos os seus cartuchos na primeira metade da aventura (o que, ironicamente, não resulta numa porção inicial mais frenética, visto que a Monolith Soft não encontrou um substituto adequado para os arcos de introdução de aliados que permeiam os capítulos inaugurais de Xenoblade Chronicles 1 e 2). Quando fugimos de Keves Castle, os Flame Clocks já foram invalidados pela Lucky Seven, os maiores mistérios da aventura foram esclarecidos e sabemos concretamente o nosso objetivo final. Ainda esperava que esta realidade fosse abalada com twists similares ao renascimento de Zanza, mas tal não acontece.

status quo da realidade mantém-se gélido até ao rolar dos créditos, e em consequência a sequência de eventos é previsível. Portanto, quando N nos capturou, dava para perceber mais ou menos em que ponto estava: estou na “morte” de Shulk após o confronto com Egil, estou na “morte” de Pyra/Mythra após o seu rapto em Tantal, e, portanto, aqui estou eu a cumprir calendário com a “morte” de Mio no Homecoming dela.

Eu até tinha bastante fresca a norma de “Mortes? O que é isso?”, porque a Monolith Soft teve a gentileza de ma relembrar com o “sacrifício” de Lanz e Sena. Quando as personagens se prepararam para alongar o Interlink, por um momento esqueci o meu ceticismo e acreditei que iriam morrer. O arco de Sena tinha acabado de ser encerrado, o poder explosivo do prolongamento de Interlink tinha sido devidamente estabelecido com Moebius O e P, e aquela parecia ser a única forma lógica de os protagonistas vencerem. Contudo, os argumentistas entraram em pânico no último segundo e inventaram uma nova habilidade que poderia ter encerrado a nossa jornada antes de ela começar só para voltarem ao aconchego da fórmula Xenoblade. 

"Too baaad" sounds about right

Essa foi a gota de água, e por isso em vez de assistir a cena da prisão com lenços, vi-a com pipocas e um nariz de palhaço. Esta atitude perdurou durante o resto da experiência, e arruinou a minha apreciação do final. Aquando da restauração dos mundos, o meu cérebro símio reconheceu outro padrão: “Isto é tal e qual a despedida da Pneuma! Na cinemática pós-créditos, vai voltar tudo ao normal.” Por isso, quando fui transportado de volta ao ecrã de título com as minhas expectativas defraudadas, estava absolutamente perplexo e incapaz de interiorizar o impacto da conclusão.  

Vá, estou a ser mauzinho. Eu tirei algum proveito da cena da prisão! Eu tinha a certeza de que a Mio ia sobreviver, mas os restantes protagonistas não tinham jogado Xenoblade Chronicles 1 e 2. Consequentemente, a cinemática foi fantástica por nos mostrar a desconstrução de Noah e a tomada deste herói, usualmente sereno e reservado, pelo desespero. Porque se há um aspeto em que esta aventura brilha, é no desenvolvimento das suas personagens: na progressão credível e genuína das relações entre os protagonistas, que gradualmente passam de inimigos mortais a amigos e interesses românticos, na expansão dos seus horizontes e no belo processo de sintonização com a sua natureza humana, e na exploração das suas personalidades tão profunda quanto é possível.

Mas – e deixem-me pegar de novo no machado –  digo “tão profunda quanto é possível” porque acredito que, com outros protagonistas, o resultado poderia ter sido mais ambicioso. Os heróis dos títulos Xenoblade anteriores tinham proveniências drasticamente diferentes entre si; em sequência disso, todos possuíam não só passados interessantes para descortinar, mas também lições valiosas a ensinar uns aos outros e dinâmicas singulares nas interações (por exemplo, enquanto Nia trata Rex de igual para igual, Morag e Zeke assumem posturas mais paternalistas). Por seu lado, os seis Ouroboros são demasiado parecidos entre si: todos rondam a mesma idade, todos passaram a sua curta existência a batalhar, e os acontecimentos de relevo do seu passado resumem-se a mortes de amigos contadas em flashbacks.

Algum deste vazio poderia ter sido preenchido pelas forças antagonísticas. Uma grande história de videojogo frequentemente define-se pelos seus grandes vilões, e Xenoblade Chronicles 3 tem… o alfabeto. Não creio que seja minimamente controverso dizer que os Moebius num geral são adversários simplórios e uma deceção imensurável enquanto sucessores de Torna e Amalthus. Adeus, oponentes carismáticos com ricos passados e personalidades e anseios desenvolvidos meticulosamente. Olá, vilões interponíveis com personalidades maquiavélicas padronizadas e a complexa motivação de “continuarem vivos no presente”!

A iteração mais do Quem é Quem?
Tenho uma ideia para uma versão mais difícil do "Quem é Quem?"!

Não me peçam para tentar distinguir os Moebius uns dos outros: só vou suar em bica e não vou chegar a lado nenhum. Para conseguir tornar alguns deles minimamente notáveis, a Monolith Soft precisou de lhes dar uma face humana, de os atrelar ao passado dos protagonistas e de regularmente os esfregar na nossa cara – de tal modo que o vilão mais impactante é uma encarnação prévia do protagonista. Dos restantes, apenas os nossos eixos favoritos do sistema cartesiano, X e Y, se destacam, e mesmo esses são tratados como secundários. Estas figuras são os análogos desta aventura aos discípulos do grande vilão do primeiro Xenoblade, mesmo que não partilhem a sua presença e agência, e vê-los a morrer sem terem direito a uma cinemática de despedida deixou-me com um sentimento de incompletude.

Os antagonistas ainda se podiam distinguir pelas suas ações, mas não: eles são obstinadamente passivos durante toda a aventura. Durante a primeira metade da jornada, os vilões tinham conhecimento a tempo inteiro do paradeiro dos Ouroboros, mas escolheram apenas enviar-lhes Moebius às pinguinhas, para morrerem um por um. Até quando nos encurralam no final do quinto capítulo só o fazem porque uma traidora revelou os nossos planos, e porque pareceria mal ignorar este conhecimento privilegiado em frente à nova recruta. Mas claro, parte da inação pode ser atribuída à “teatralidade” de Z, o boss final – o único traço de personalidade que o líder tem, e que certamente não lhe foi conferido só para contrapor o meu argumento.

A postura dos Moebius torna-se ainda mais bizarra quando tomamos em conta as Hero Quests, num perfeito exemplo de dissonância ludonarrativa. Após eu derrotar uma dúzia de Moebius nestas missões, tudo o que a associação de vilões faz para escalar as defesas é aumentar o número de soldadinhos espalhados por Aionios. Quando, na história principal, os vilões discutem o quão problemáticos somos, só importam os nossos feitos nas Colónias 4 e Lambda. Similarmente, é caricato que os Moebius encontrados na história realizem Interlink e possuam habilidades únicas (como a capacidade de J de criar clones de soldados e a de M de controlar outras pessoas), mas os Moebius das Hero Quests nunca recorram a estes poderes.

Só M e N aparentam ter sido elaborados com apreço, dando-nos um vislumbre do homem destruído e irreconhecível que o protagonista se tornaria após perder Mio vezes e vezes sem conta às mãos do "eterno agora" e dando, finalmente, alguma imponência aos Moebius. Porém, eu já considerava extremamente conveniente que os casais partilhassem a mesma classe de armas e que a Ouroboros Stone tivesse emparelhado dois a dois os futuros parceiros românticos (merecendo esta pedra a minha carta de recomendação como especialista para o Casados à Primeira Vista); e com a existência de N e M, a magia do relacionamento de Noah e Mio desaparece: a união deles passa de um encontro impossível entre soldados de nações inimigas para uma inevitabilidade caprichosa do destino. A cada geração de Mio e Noah, eles acabam de algum modo misterioso e milagroso a cair nos braços um do outro.

Por fim, a existência de Noah e Mio representa um dos muitos mistérios por resolver de Xenoblade Chronicles 3. Esta narrativa tem mais buracos do que um queijo suíço, e deixou mais pontos em aberto do que os jogos anteriores combinados, como a importância de Riku e das espadas especiais de Noah. Cheira-me que a expansão DLC da história do jogo servirá para fechar algumas das pontas soltas; e se isso acontecer, duvido que possa considerá-la independente da campanha principal como Torna ~ The Golden Country.



Conclusão

Se leram até aqui, tiro-vos o chapéu! Xenoblade Chronicles 3 é um poço sem fundo para mim: imensas valências a vangloriar, e imensos defeitos a denunciar. Na verdade, eu ainda poderia falar por horas sobre este brilhante RPG, sobre como as transições entre cinemáticas e batalhas são deliciosamente fluidas, ou como as missões em que temos de seguir rastos ou personagens são excruciantes, ou como todas as Hero Quests nos deviam recompensar com habilidades de travessia únicas, ou como… -É melhor parar por aqui.

Só espero que saiam deste artigo com a noção de que eu adorei Xenoblade Chronicles 3, e que todas as críticas que teço decorrem das expectativas irrealistas que os predecessores estabeleceram. Esperava caviar, e serviram-me foie gras. Na segunda parte deste artigo, posso dar a entender que este jogo queimou a minha casa e levou o meu cão, mas no final de contas este é um dos melhores títulos do gênero e da Nintendo Switch - porque o "pior" Xenoblade Chronicles continua a olhar de cima para quase todos os restantes RPGs.

Espero que tenham gostado de ler este ponto de vista alternativo de Xenoblade Chronicles 3 e, se não o fizeram, convido-vos a lerem os outros artigos Segunda Opinião dos restantes membros do GameForces! Com a publicação deste artigo, chegam ao fim as celebrações do nosso 4º aniversário. Obrigado pela atenção que nos dedicaram até hoje, e esperamos que continuem a apoiar o nosso projeto para que possamos fazer mais e melhor nos anos vindouros!

Segunda Opinião | Xenoblade Chronicles 3 - Muito a Elogiar, Muito a Desejar Segunda Opinião | Xenoblade Chronicles 3 - Muito a Elogiar, Muito a Desejar Reviewed by Tiago Sá on novembro 06, 2022 Rating: 5

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