Com uma história empolgante que
mistura mistérios criminais com elementos sobrenaturais, um protagonista repleto
de defeitos e um tom mais negro do que as mais populares visual novels,
chegar ao fim de CHAOS;HEAD NOAH poderia ter tido um sabor agridoce: a
experiência deste título é de elevada qualidade, mas por isso mesmo sabíamos que era difícil encontrar outra proposta comparável no mercado. Felizmente, existe “mais
CHAOS;” no mundo, na forma de CHAOS;CHILD. Esta é uma sequência temática de CHAOS;HEAD
NOAH lançada em 2015 e que agora está disponível para a Nintendo Switch, individualmente na Nintendo eShop ou numa edição física conjunta com CHAOS;HEAD NOAH, cuja análise podem ler clicando aqui.
Curiosamente, enquanto CHAOS;HEAD NOAH apenas chegou ao ocidente com as recém-lançadas versões para Nintendo
Switch e Steam, CHAOS;CHILD já está disponível em inglês desde 2017. Eu considero esta situação curiosa porque, embora CHAOS;CHILD se centre em
personagens, enigmas e homicídios distintos e por isso possa ser desfrutado sem que tenham jogado CHAOS;HEAD NOAH, este jogo tem bastantes elos
de ligação ao seu predecessor.
Para começar, a nova história tem início no rescaldo imediato do clímax de CHAOS;HEAD NOAH, cujos eventos viriam a impactar profundamente Shibuya a curto e longo prazo e originar alguns dos mistérios que permeiam CHAOS;CHILD. Como se não bastasse, seis anos após esta ocorrência catastrófica, Shibuya vê-se assolada por uma série de assassinatos estranhos cujas datas coincidem com as dos homicídios do primeiro jogo, e que por essa relação é apropriadamente intitulada de Return of the New Generation Madness. Com tantas pontes entre os dois jogos, recomendamos seriamente que joguem os títulos na ordem de lançamento: assim, não só os elementos de continuidade serão extremamente gratificantes, mas também poderão desfrutar da excelente narrativa de CHAOS;HEAD NOAH sem spoilers.
Apesar de a conexão das datas
entre os assassinatos do primeiro e segundo títulos ser uma premissa fascinante,
eu temia que esta fizesse CHAOS;CHILD cair num problema de sequências como Persona
5 Strikers e Xenoblade Chronicles 3: seguir demasiado à risca a fórmula do(s)
predecessor(es) ao ponto de tornar a experiência demasiado previsível para quem
o(s) jogou. Para meu alívio e alegria, esse não foi de todo o caso: em vez de
se tornar uma restrição estrutural, este “esqueleto” de eventos é usado para modelar
as nossas expectativas e as das personagens, e assume contornos completamente diferentes graças à atmosfera, contexto e protagonista distintos desta narrativa.
Comecemos por falar deste último:
Takuru Miyashiro, a personagem central, contrasta fundamentalmente
com o reclusivo, rude e socialmente inapto Takumi Nishijou. Embora não seja
propriamente a alma da turma, Takuru está devidamente integrado na sua vida escolar,
e apresenta um padrão moral mais elevado.
Porém, Takuru não é isento de
falhas: este estudante é profundamente elitista, tendo um inabalável desejo de
se provar especial e superior aos que o rodeiam. É por esta obsessão que Takuru
se tornou Presidente do Clube de Jornalismo: através da sua busca
incessante por informação e conhecimento, ele tenta afirmar a sua superioridade – e assim,
enquanto Takumi procurava desesperadamente fugir dos problemas, Takuru mergulha
de cabeça neles. Com esta mentalidade, este jovem também tem umas lições para aprender,
lições essas que pintam uma trajetória pessoal intrigante sem que haja sobreposição
entre a jornada dele e a de Takumi.
Por seu lado, as personagens
secundárias não têm personalidades tão vincadas e demarcadas como as do
primeiro jogo, mas em compensação são mais credíveis. Sendo elas amigas de Takuru
desde o começo, o jogo estabelece e explora melhor as relações entre elas e o
protagonista, apresentando-nos conflitos e segredos mais pessoais e dando-lhes
um papel mais proeminente e ativo no desenvolvimento do protagonista. Para o
crescimento de Takuru, contribuem adicionalmente os elementos sobrenaturais que
regressam de CHAOS;HEAD, e que são ainda melhor empregues do que no original.
Tendo sido adaptados de modo a funcionarem como manifestações das personalidades
das figuras centrais do enredo, estes elementos adquirem novos significados e tornam-se representações da evolução de cada personagem.
Por fim, em comparação com o
predecessor, a atmosfera de CHAOS;CHILD é mais leviana. Ao passo que Takumi
passava a maior parte do seu tempo sozinho, em casa e a deambular por Shibuya (frequentando
a escola o número de aulas necessário para transitar de ano), Takuru passa os
dias na escola, na companhia dos restantes membros do clube de jornalismo. Com
esta mudança de paradigma, a constante sensação de solidão e perseguição por
parte de tudo e todos de CHAOS;HEAD NOAH dá lugar a sentimentos de segurança e companheirismo.
Mesmo os assassinatos, apesar de permanecerem bizarros, não são macabros e
imaginativos como os do primeiro jogo, obrigando-me a refletir se não terei um
parafuso a menos por sentir falta das mortes doentias da New Generation Madness.
Apesar das abundantes mudanças no
pano de fundo da narrativa, a jogabilidade mantém-se fundamentalmente
inalterada. As várias funcionalidades úteis do primeiro título, como o Skip
Mode (que nos permite saltar os diálogos que lemos no passado), estão presentes
e mapeadas para os mesmos botões. A mecânica central continua a ser o sistema
de delírios (Delusion Trigger), através do qual podemos determinar em momentos
da narrativa se Takuru sofrerá um delírio positivo, que normalmente assume
contornos humorísticos ou eróticos, se sofrerá um delírio negativo, que
tipicamente resulta em cenas violentas ou emocionalmente tensas, ou se
permanecerá com os pés assentes na terra, sem vivenciar estes episódios.
Tal como no primeiro jogo, o
sistema de delírios não é diretamente explicado ao jogador, mas agora a sua existência
e funcionamento são tornados evidentes através de uma animação que precede todos os
momentos em que o podemos ativar. Esta mecânica continua a presentear-nos com
episódios positivamente absurdos que são deleitosos de se assistir, e é a chave
para, na 2ª e subsequentes leituras da história, desbloquearmos as rotas extra.
Mais uma vez, estes cenários alternativos divergem significativamente do
primeiro final e devem ser encarados como obrigatórios para quem se interessou
pelos enigmas da narrativa, por resolverem os mistérios pendentes e
nos darem a conhecer melhor as suas personagens secundárias.
Todavia, uma mecânica não
transitou para a sequência: as séries de questões que tínhamos de responder
em momentos específicos da história. No seu lugar, foi implementada uma
novidade sobejamente mais interessante: o Mapping Trigger. Na parede do Clube
de Jornalismo, encontra-se afixado um mapa de Shibuya, que os membros do clube preenchem
com fotografias e post-its com factos relevantes – e, previsivelmente,
cabe a nós escolher as informações corretas a incluir. Embora muitas vezes este
sistema pareça um professor a testar a atenção de um aluno, ao inquirir-nos
sobre factos previamente estabelecidos, noutras ocasiões precisamos de realizar
algumas deduções, que ajudam a conferir-nos um papel mais ativo na investigação
dos crimes.
Em termos sonoros, CHAOS;CHILD dá
seguimento ao excelente trabalho do original, incluindo atuação vocal para
todas as falas verbalizadas, atmosféricas faixas musicais que complementam a
ação narrada e um conjunto de efeitos sonoros realistas, que nos fazem experienciar
mais vividamente a investigação dos assassinatos. Já visualmente, a apresentação foi completamente renovada, desde as artes de personagens à interface.
Se a interface deste jogo é moderna, uma das suas componentes não é muito bem
pensada: o ecrã backlog, onde podemos ler os diálogos mais recentemente
exibidos. Neste, não só o tamanho do texto é reduzido, tornando menos cómoda a
leitura na Nintendo Switch Lite, mas também o fundo acastanhado dificulta a leitura das
falas, apresentadas a branco e cinzento.
Ainda falando sobre diálogos, fico
contente por poder reportar que os três grandes problemas dos diálogos de
CHAOS;HEAD NOAH foram corrigidos: todas as imagens com texto foram harmoniosamente
localizadas para inglês, as falas verbalizadas são assinaladas devidamente com
aspas, e os nomes das personagens são apresentados em conjunto com as suas
linhas. Todavia, parece que o amor dado às aspas dependeu do sacrifício do
travessão: em todos os diálogos em que este sinal de pontuação deveria ser
exibido, um espaço extra surge no seu lugar. Existem também erros ortográficos
e gramaticais ocasionais, mas felizmente estas situações raramente causam dificuldades
na compreensão do texto.
Mas nem todos os problemas de CHAOS;CHILD são inocentes: numa ocasião específica na história, são repetidos os diálogos
da cena imediatamente anterior, obrigando-nos a consultar esse segmento da experiência por outros meios para
apreendermos os seus acontecimentos. Mas o maior problema deste título na Nintendo
Switch, tragicamente, é um obstáculo veterano da conversão de CHAOS;HEAD NOAH:
a impossibilidade de terminar o fim verdadeiro. Após concluírem as várias
rotas extra do título, desbloquearão o final verdadeiro. Este é mais longo e
importante para a compreensão e conclusão da história do que o do original, de
tal modo que é frustrante que sejamos impossibilitados de o terminar pela
ocorrência de um encerramento abrupto da aplicação quando atingimos um determinado
diálogo. Mais de duas semanas após o lançamento do jogo, este problema continua
sem correção, pelo que, tal como com o original, quando atingirem este
ponto, não terão outra escolha senão recorrer a plataformas externas como o YouTube
para assistirem à sua conclusão. Atualização (19/11/2022): com a atualização 1.0.1 de CHAOS;CHILD, este problema foi corrigido!
Conclusão
Suceder diretamente CHAOS;HEAD NOAH não é tarefa fácil, mas CHAOS;CHILD consegue ser uma experiência à altura. A sua história é entusiasmante e viciante do início ao fim, as personagens e elementos sobrenaturais são melhor aproveitados e as consequências de CHAOS;HEAD NOAH são abordadas de um modo extremamente satisfatório para quem o jogou sem alienar quem começa a sua jornada neste universo pelo segundo título. É, ainda assim, difícil de engolir a impossibilidade de terminar a rota final e mais conclusiva (entretanto corrigida), e pequenos problemas com a apresentação e gralhas no argumento surgem com alguma frequência.
O melhor:
- Mistérios intrigantes enquadrados numa história viciante;
- Melhor integração das personagens secundárias nos enigmas e conflitos;
- Revigoração de vários aspetos centrais do primeiro jogo e estabelecimento de vários paralelos com o predecessor;
- Excelentes composições e efeitos sonoros;
- Rotas alternativas imaginativas e interessantes;
- Foram corrigidos vários dos problemas que afetam CHAOS;HEAD NOAH...
O pior:
- ... mas persiste a impossibilidade de terminar o final verdadeiro (Resolvido com a atualização 1.0.1);
- Algumas gralhas no argumento;
- Atmosfera mais leviana e cómoda;
- Dificuldades de leitura no ecrã backlog e momentos específicos da história.
Nota do GameForces: 8.5/10
Desenvolvedora: MAGES. Inc.
Publicadora: Spike Chunsoft
Ano: 2022
Autor da Análise: Tiago Sá
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