Chegou finalmente
a hora dos jogadores da PlayStation se despedirem da Bethesda. Após a aquisição
da produtora e editora por parte da rival, a Microsoft, sabia-se que apenas
mais 2 jogos da mesma ainda chegariam: Deathloop e Ghostwire: Tokyo.
Após alguns adiamentos, este último finalmente aterrou na PlayStation 5, como
um exclusivo temporário, prometendo uma experiência única e intrigante. Mas
será Ghostwire: Tokyo uma despedida em grande para a Bethesda, ou um
jogo que nos aborrecerá até à morte?
Em Ghostwire:
Tokyo assumimos o controlo de Akito, um jovem que sofreu um acidente de
mota enquanto acelerava para ir ter com a sua irmã ao hospital. Este acidente
apenas não se torna fatal porque o nosso protagonista se vê possuído pelo
espírito perdido de um detetive sobrenatural chamado KK. Enquanto Akito e KK
discutem pelo corpo físico do primeiro, um estranho nevoeiro encobre a capital
nipónica, fazendo toda a sua população desaparecer subitamente, substituindo-a
por vários demónios conhecidos como Visitantes. Akito terá de usar os seus
novos poderes mágicos conferidos por KK de modo a parar Hannya, o homem
responsável por todos estes acontecimentos sobrenaturais, e salvar a sua irmã
no processo. Quem ler esta pequena sinopse do argumento de Ghostwire: Tokyo,
ou que tiver contactado com qualquer um dos trailers do jogo, ficará
provavelmente a pensar que estamos perante uma história diferente e intrigante.
De facto, é esta a primeira impressão que o jogo causa, mas à medida que se
avança na história essa impressão vai sendo desmentida.
As missões de
história consistem quase sempre em ter de ir a um ponto da cidade para realizar
uma qualquer tarefa aleatória cuja importância narrativa é bastante
questionável. Para intercalar, temos várias sequências
cinemáticas onde as interações com outras personagens são sempre aborrecidas –
adjetivo este também aplicável a todas essas personagens secundárias. O ritmo a
que a relação entre Akito e KK se desenvolve é muito pouco credível, passando
de uma parceria inevitável e com uma grande dose de desconfiança, para uma
dinâmica simbiótica e de amizade num ápice. No meio disto tudo, vamo-nos
esquecendo completamente do perigo em que a irmã do protagonista se encontra…
até à última meia hora do jogo, na qual somos expostos a uma curta compilação
de momentos marcantes de Akito e Mari na vã esperança de dar algum peso
emocional ao desfecho da história. E por fim, as motivações de Hannya acabam
por se revelar incrivelmente inconsistentes com algumas das suas ações ao longo
da história, nunca sendo apresentada uma resposta minimamente satisfatória que
explique como tudo isto foi despoletado (para lá de uma simples afirmação do
género “cenas demoníacas,” à qual apenas fica a faltar um encolher de ombros).
Caso aquela
última frase não tenha criado uma imagem mental suficientemente clara, aqui vai: a
história de Ghostwire: Tokyo é terrível. O encadeamento de
acontecimentos não é minimamente entusiasmante, as revelações não fazem
qualquer sentido, os arcos narrativos dos protagonistas são desinteressantes, e
não me senti remotamente interessado em qualquer uma das personagens, muito
menos emocionalmente investido nos seus problemas e conflitos. De facto, apenas
encontramos histórias minimamente cativantes em algumas das missões secundárias
do jogo, com destaque para um conjunto de missões que contam a história de
espíritos desaparecidos misteriosamente que tem um desfecho interessante. De
resto, Ghostwire: Tokyo é um exemplo perfeito de como desperdiçar
completamente uma premissa bastante cativante.
Felizmente, este
é o grande calcanhar de Aquiles do jogo, com a grande maioria do resto da
experiência a ser bastante prazerosa, sobretudo no que à jogabilidade na primeira
pessoa diz respeito. Quer estejamos numa missão ou simplesmente a andar pelo
mundo, é frequente depararmo-nos com diversos Visitantes, que assumem a forma
de demónios inspirados por folclore japonês. Para os combater, temos de usar poderes
mágicos disparáveis, que assumem três formas: projéteis, ondas e explosivos. À
medida que usamos estes poderes para danificar as hordas de Visitantes, vamos
expondo os seus núcleos que podemos arrancar para os derrotar imediatamente. Apesar
de alguma falta de variedade nas opções de combate – para além destes três
poderes apenas podemos usar etiquetas de selagem e lentos ataques físicos,
ambas opções muito limitadas -, este foi sempre divertido. Os disparos são
sempre impactantes, e foi a dançar entre ataques demoníacos para ir atordoando
inimigos para poder arrancar uma série de núcleos em simultâneo que mais me
diverti com Ghostwire: Tokyo.
Igualmente
prazerosa e divertida é a exploração da cidade de Tóquio, o mundo aberto deste
título. À medida que vamos progredindo na campanha, vamos ganhando acesso a
mais portões de Torii que, uma vez purificados, limpam o nevoeiro de mais uma
área da cidade. Com isto, passamos a ter mais ruas e edifícios para explorar,
bem como mais atividades secundárias nas quais participar, e até mais e novos temíveis Visitantes para enfrentar. Até aqui nada de propriamente inovador, mas a verdade é que
ter uma adaptação tão expansiva e detalhada da capital japonesa para explorar é
bastante apelativo. Não só é um mundo aberto citadino diferente dos cenários
tipicamente americanos e europeus bastante mais frequentes, como temos ao nosso
dispor mecânicas de navegação muitíssimo bem conseguidas.
Para além da possibilidade
de correr pelas ruas da cidade, Akito e KK têm ao seu dispor mais duas técnicas
de navegação fundamentais que acrescentam muita verticalidade a todos os momentos
de exploração. Primeiro, podem planar no ar quando saltam de uma altura suficientemente
elevada, permitindo saltar eficazmente de edifício em edifício. Depois, temos a
possibilidade de nos agarramos a demónios que flutuam pelo mundo, de modo a
projetarmo-nos verticalmente, para alcançar plataformas elevadas que, de outro
modo, seriam impossíveis de trepar. Isto torna o mundo aberto de Tóquio
incrivelmente apelativo, ajudando a exploração dos colecionáveis mais prazerosa
do que talvez devesse… porque estes são tantos!
Sim, como qualquer
bom jogo de ação passado num mundo aberto, Ghostwire: Tokyo tem colecionáveis.
Demasiados colecionáveis, até. Temos os habituais documentos que aprofundam um
pouco a história deste mundo – e que não, não impactam assim tanto a opinião
que já expressei sobre esta narrativa. Depois temos as pulseiras de oração para
encontrar, as estátuas de Jizo nas quais rezar e Yokai para caçar que podem
impactar a jogabilidade, melhorando direta ou indiretamente as nossas capacidades.
E, por fim, temos as relíquias, peças de roupa, trilhas musicais, tanuki
escondidos e, por fim, milhares e milhares de almas perdidas para salvar. Estes
colecionáveis pouco ou nada impactam a experiência, para além do facto de a
prolongar de cerca de uma dúzia de horas para a marca das várias dezenas. São
francamente colecionáveis a mais e que deveriam ser um pesadelo de colecionar,
sobretudo tendo em conta que muitos dos espíritos perdidos que apenas podem ser
encontrados através de eventos aleatórios. Apenas não tive vontade de arrancar
os meus cabelos na minha demanda pelo troféu de platina porque tudo o que diz
respeito ao combate e à exploração está deveras muitíssimo bem conseguido.
Por muito divertida
que a jogabilidade seja, tenho agora de focar a maior virtude de Ghostwire:
Tokyo – a sua qualidade gráfica. A cidade de Tóquio apresenta-se incrivelmente
detalhada, com a arquitetura japonesa a mostrar todo o seu esplendor nas zonas
residenciais, e a miríade de placares publicitários exageradamente iluminados a
darem imensa cor e luz às zonas mais comerciais da metrópole. E por falar em luz,
todos os efeitos luminosos são um esplendor. Desde os reflexos da cidade nos
vidros ou nas poças de água, até aos efeitos de partículas que acrescentam
tanto impacto e tanta explosão ao combate, estou convencido que este é um dos
jogos com a melhor e mais detalhada utilização de luz até à data. E claro, os
Visitantes e os seus ataques encontram-se incrivelmente detalhados, conferindo
um pouco de terror à experiência, sobretudo na primeira vez que nos deparamos
com um novo inimigo.
Mas é aqui que
tenho também de fazer notar a minha sensação de dissonância temática em Ghostwire:
Tokyo. Tudo nesta brilhante direção artística grita que esta é uma
experiência de terror, mas a jogabilidade que assenta, sem tirar nem pôr, no
género de shooter na primeira pessoa contradiz o que o jogo nos
transmite visualmente. Claro que isto pode ser um defeito ou uma virtude
consoante as expectativas ou os gostos particulares de cada jogador, mas
pessoalmente, e mesmo sendo fã de ambos os géneros, esperava sentir-me mais num
jogo de terror, de sentir mais ambientes opressores, sensações de perigo iminente
e mais urgência na concretização dos objetivos. A verdade, é que nunca senti
nada disto. Sempre me senti poderoso mais que o suficiente para enfrentar todos os
Visitantes e todos os bosses do jogo sem grande preocupação, com alguma displicência
até. E esta sensação de poder apenas cresceu ao longo do jogo, devido à possibilidade
de melhorar as habilidades de Akito e KK, tornando-as mais fortes. Ou seja, o
meu eu fã do género FPS sentiu-se mecanicamente bastante satisfeito, mas o meu
lado fanático por experiências de terror sentiu-se algo dececionado por me
sentir demasiado poderoso durante toda a campanha.
Continuando a
olhar para aspetos mais técnicos do jogo, Ghostwire: Tokyo volta a
tropeçar um pouco no que ao desempenho diz respeito. Por um lado, é verdade que
o jogo consegue manter-se a correr nos 60 fotogramas por segundo de forma
incrivelmente consistente, apesar de tantas explosões de partículas durante o
combate e de tantos detalhes ambientais, como reflexos e texturas bastante
aprimoradas. Por outro, a exploração vertical da cidade de Tóquio sofre de
alguns solavancos quando nos encontramos no topo de alguns dos edifícios mais
altos e decidimos olhar sobre a cidade nipónica. A quebra na taxa de fotogramas
é demasiado notável para não assinalar, sobretudo porque acontece na sequência
de alguns dos momentos de jogabilidade mais divertidos, pese embora fique
imediatamente resolvida assim que cingimos o nosso olhar à plataforma na qual
nos encontramos ou assim que descemos para o nível do chão.
Outro
aspeto que tenho de destacar é a implementação do feedback háptico. O impacto
de cada ataque que desferimos, de cada vez que sofremos danos e sempre que arrancamos
um núcleo a um inimigo atordoado foi sentido através do DualSense, ajudando
sempre a enaltecer o meu envolvimento nos confrontos com os Visitantes. O feedback
háptico também se fez notar enquanto explorava Tóquio, com cada salto, trepar
ou simples andar pela cidade a gerar uma reação do comando, com particular
destaque para os momentos em que começa a chover. Até ver, Ghostwire: Tokyo é
um dos jogos que melhor implementa esta funcionalidade única da PS5 e do seu
comando, melhor até do que a maioria dos jogos produzidos pelos Estúdios
PlayStation.
E terminamos com
um olhar rápido para a vertente sonora do jogo, até porque não há assim tanto a
destacar. A banda sonora é satisfatória, adequando-se suficientemente bem a
cada situação, pese embora não consiga enaltecer particularmente momentos da história
ou confrontos com inimigos mais ferozes. Apesar disto, e de não ter ficado com uma
única trilha sonora na cabeça assim que fechei Ghostwire: Tokyo pela
última vez, não é um mau trabalho. Melhor são os desempenhos dos atores de voz,
sobretudo na língua original em japonês. Mesmo com um argumento despojado de
grande sentido, a entrega das falas de Akito e de KK em particular são de
elevadíssima qualidade, não sendo de todo por aí que este título falha em ter
qualquer impacto emocional em quem o joga.
Conclusões
Ghostwire: Tokyo é uma boa despedida da PlayStation por parte da Bethesda. Quer estejamos a
combater demónios, quer estejamos a explorar esta impecável recriação da cidade
de Tóquio em busca da grande variedade e quantidade de colecionáveis, esta é
uma experiência bastante divertida. Pena não poder dizer o mesmo da narrativa
sem qualquer estrutura e simplesmente mal conseguida, que mancha notavelmente o
geral da experiência. Ainda assim, é uma aventura recomendável e digna de ser
jogada, e um bom cair do pano para a editora agora pertencente aos rivais da
gigante japonesa.
O Melhor:
- Mecânicas de
combate fluídas e explosivas
- Exploração da
cidade de Tóquio é sempre divertida
- Visualmente é dos
melhores jogos numa PS5
- Excelente
implementação da feedback háptico
O Pior:
- Narrativa muito
mal escrita, sem sentido e aborrecida
- Alguma falta de
variedade nas opções de combate
- Alguns problemas
de desempenho durante a exploração vertical de Tóquio
Pontuação do
GameForces – 8/10
Título: Ghostwire: Tokyo
Desenvolvedora: Tango
Gameworks
Publicadora: Bethesda
Softworks
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do
jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela Ecoplay.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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