Para a grande
maioria dos jogadores, a probabilidade de já se ter jogado um título de
plataformas em 2D é elevadíssima. Desde fantásticos clássicos como Super
Mario Bros. ou Sonic the Hedgehog, até pérolas modernas como Shovel Knight ou Celeste, este é um género onde a saturação parece não
existir e no qual a criatividade parece infindável. Agora, o estúdio catalão da
produtora 2Awesome Studio tenta acrescentar algo de diferente a este género de
jogos. Mas será Aeon Drive uma experiência capaz de nos fazer perder a
noção das horas, ou simplesmente uma perda de tempo?
Em Aeon Drive
assumimos o papel de Jackelyne, uma jovem exploradora espacial vinda de outra
dimensão que procura desesperadamente regressar a sua casa. Pelo caminho, acaba
por se despenhar numa metrópole futurista chamada Neo Barcelona. No impacto, os
núcleos energéticos da nave de Jackelyne ficaram espalhados pela cidade,
tornando-se altamente instáveis e à beira de destruírem Neo Barcelona com uma
explosão devastadora. Assim, Jackelyne e VERA, o seu companheiro robótico capaz
de manipular o tempo, têm a missão quase impossível de se deslocarem por toda a
cidade de modo a recolher esses núcleos, numa autêntica corrida contra o tempo.
É uma história simples e com dois finais algo repentinos e insatisfatórios, mas
nada disto impede a narrativa de cumprir o objetivo de nos explicar as motivações
e as ações da nossa protagonista, justificando a jogabilidade e as mecânicas de
jogo.
Portanto, Aeon
Drive é um jogo de ação e plataformas que se apresenta em 2D. Este título
ostenta 100 níveis, cada qual apresenta um tempo limite de 30 segundos – que pode
ser ampliado mediante a coleção de frascos de energia -, e o nosso objetivo é
trazer Jackelyn até ao fim de cada nível. Para tal, teremos de correr, saltar -
pelo ar e entre paredes -, e deslizar pelas plataformas, enquanto despachamos
vários inimigos e perigos ambientais com ataques da nossa espada ou com uma
faca que atiramos. As habilidades com que começamos o jogo são exatamente as
mesmas com as quais terminamos. Assim, temos de nos ir adaptando a novos perigos
com os quais nos vamos deparando, descobrindo como as nossas habilidades podem
ser utilizadas para melhor e mais eficazmente chegar ao fim de cada nível sem um único arranhão.
Sim, esta
primeira descrição faz o jogo parecer bastante simples, mas há aqui algumas
nuances que elevam a qualidade desta experiência. Talvez o fator mais
diferenciador seja a já referida faca, que não serve apenas propósitos
ofensivos. Esta pode ser atirada contra uma parede e ficar lá presa, o que nos
permitir teletransportar para a mesma instantaneamente. Esta habilidade
permite-nos encadear uma série de movimentos espetaculares e incrivelmente
satisfatórios, reduzindo os nossos tempos de conclusão de cada nível. Isto torna
a componente de speedrun de Aeon Drive bastante apelativa, sendo sempre
um enorme prazer conseguir executar uma série de saltos e teletransportes
complicados e ver o nosso recorde melhorar nas leaderboards que nos
comparam com os outros jogadores. Isto não só nos leva a querer repetir o mesmo
nível várias vezes, bem como leva a que nunca nos sintamos frustrados enquanto
experimentamos sequências de movimentos sem sucesso.
Outro aspeto que
temos de destacar é o design dos níveis. Cada nível pode perfeitamente ser conquistado
dentro dos limites de 30 segundos iniciais, com a utilização da habilidade de
manipulação temporal que amplia este limite a ser sempre opcional. É ainda
possível encontrar vários percursos até ao final de cada nível. A
diversidade de inimigos é bastante boa, e a sequências de ações que temos de
desempenhar em cada nível é sempre diferente, gerando uma sensação de diversão bastante
consistente. Tudo isto denota um design meticuloso, pensado e testado até ao
mais pequeno detalhe, o que apenas podemos louvar. Apenas não podemos caracterizar
o design como imaculado por conter duas ou três ocasiões onde temos de cair
cegamente para plataformas que contêm inimigos ou perigos impossíveis de prever
à primeira, uma tentação de aumentar artificialmente a dificuldade na qual os
produtores caíram, embora apenas muito ocasionalmente.
Para além da ação
a alta velocidade, os níveis de Aeon Drive apresentam ainda uma série de
colecionáveis, geralmente bastante bem escondidos. Temos um diamante por nível,
cuja coleção completa nos permite desbloquear o final secreto já mencionado;
temos cubos de dados, cuja coleção nos fornece mais detalhes sobre o mundo onde
nos encontramos e a sua história; e temos ainda alguns cachorros-quentes, cujo
propósito nos escapa, mesmo depois de completarmos o jogo a 100%. Estes
colecionáveis incentivam-nos a regressar aos níveis mais vezes, adicionando mais
valor de rejogabilidade para além das tabelas classificativas que contêm os tempos de conclusão.
Pensar-se-ia que um
jogo que tem as speedruns como característica central não seria o ideal
para inserir tantos colecionáveis. E é aqui que entra outra característica
louvável: as opções de personalização. A opção central acaba por ser a possibilidade
de desligar os limites de tempo. Esta permite-nos explorar profundamente os
níveis, fornecendo-nos a oportunidade de os conhecer a fundo e de encontrar
calmamente todos os colecionáveis escondidos. Para além disso, permite que
todos os jogadores consigam tirar proveito deste título e atingir os créditos
finais, independentemente da sua capacidade ou domínio das mecânicas, com o único senão a ser a exclusão das leaderboards caso acionemos esta opção. Assim,
esta opção tão simples acaba por se tornar um fator de acessibilidade
importantíssimo que abre os braços tanto a jogadores que apenas queiram jogar descontraidamente
como aos que procuram ser desafiados.
Estas opções de
personalização aplicam-se também à componente multijogador de Aeon Drive.
Até três jogadores adicionais podem juntar-se localmente à ação acelerada dos
100 níveis, que passam a poder ser jogados tanto cooperativamente como
competitivamente. Podemos definir que um nível fica completo quando pelo menos
um jogador consegue chegar ao fim, ou apenas quando todos o conseguirem. Ambos
os modos estimulam tanto a cooperação como a competição, deixando ao critério
dos jogadores como preferem encarar o jogo. De referir também que o design geral
dos níveis se apresenta igualmente bem conseguido para a inclusão de vários
jogadores, o que reforça a nossa impressão de cuidado e qualidade do jogo neste
aspeto.
Olhando agora
para aspetos mais técnicos, não podemos deixar de começar pela vertente visual de
qualidade de Aeon Drive. A direção artística pixelizada é sempre
visualmente apelativa, e a estética néon confere uma identidade muito própria à
cidade de Neo Barcelona, sendo um deleite para os olhos. Mas por muito que apreciemos
esta direção visual, temos que admitir alguns problemas muito ocasionais com a
distinção entre a decoração de fundo e armadilhas. Foram dois os momentos onde
uma coluna de fogo ou de laser se confundiam com as cores do pano de fundo do nível,
confusões essas persistentes mesmo quando regressámos aos níveis mais tarde para encontrar
os colecionáveis. Uma vez mais, são problemas menores e muito ocasionais, mas
que não podíamos deixar de referir uma vez que levam a algumas mortes algo
escusadas.
A direção sonora
é também bastante competente, mas talvez menos memorável. A música dos níveis e
dos menus apresenta-se bastante adequada ao ritmo que este título quer imprimir
na sua jogabilidade, e os efeitos sonoros são igualmente apelativos, cumprindo
perfeitamente o seu propósito. As vozes nas sequências cinemáticas é que deixam
algo a desejar, nunca sendo convincentes nas picardias entre Jackelyne e VERA
ou na sensação de urgência que tentam passar para o jogador. No entanto, temos
de reconhecer que os desabafos da protagonista quando falha e regressa ao
início do nível ajudam a envolver o jogador na demanda e a amenizar qualquer
possível sensação de frustração que pudesse começar a surgir.
Por fim, olhamos
para o desempenho do jogo, que se apresenta como bastante misto. Se por um lado
tudo corre de feição e sem soluços enquanto estamos a voar pelos níveis, por
outro temos de assinalar alguns problemas notáveis. Primeiro, o tempo que se
demora a entrar ou a reiniciar um nível é incompreensivelmente excessivo, algo
contraintuitivo para um jogo cuja componente de speedrun é tão vincada.
Depois, houve dois momentos nos quais ficámos presos no ambiente, sendo
obrigados a deixar o tempo acabar ou a reiniciar o nível. Por fim, houve uma
ocasião na qual o jogo simplesmente deixou de responder aos inputs do comando
enquanto estávamos num menu, tendo sido necessário fechar e reabrir o jogo.
Nada disto foi particularmente danoso, mas são erros que ficam na memória e que
mancham esta experiência de resto bastante recomendável.
Conclusões
Aeon Drive é rápido, é exigente e, acima de tudo, é bastante divertido. Com mecânicas
simples de entender, mas que as distinguem de muita da concorrência, nunca
deixámos de nos divertir com a exploração dos níveis bem desenhados e com o experimentar de novos encadeamentos de manobras. Falha a excelência de outros
títulos do género sobretudo devido a alguns soluços técnicos e pequenas decisões
menos bem conseguidas no que toca à colocação de armadilhas, mas é
definitivamente um jogo que merece uma plateia maior do que aquela que
conseguiu até agora.
O Melhor:
- Jogabilidade
simples, intuitiva e bastante responsiva
- Mecânica de teletransporte
gera possibilidades de navegação bastante gratificantes
- Design de níveis
muito bom e bastante diverso
- Conjunto opções
que permitem tornar a experiência mais acessível e variada
- Direção artística
pixelizada bastante apelativa
O Pior:
- Um bug ou dois
que nos obrigam a recomeçar um nível ou reiniciar o jogo
- Níveis demoram
demasiado a serem (re)iniciados
- Algumas secções
onde as armadilhas eram impossíveis de prever
Pontuação do
GameForces – 8/10
Título: Aeon Drive
Desenvolvedora: 2Awesome
Studio
Publicadora: Critical
Reflex
Ano: 2021
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do
jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela Critical
Reflex.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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