[Análise] Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin [NSW]

Quem a viu e quem a vê. De uma série de culto adorada por uma mão cheia de jogadores, Monster Hunter é hoje um dos nomes mais reconhecidos e aclamados da indústria, sobretudo depois de lançamentos de elevado gabarito como Monster Hunter World (na PlayStation 4), ou, mais recentemente, do exclusivo Nintendo Switch Monster Hunter Rise. Mais esquecido no tempo, e nos confins da biblioteca de jogos da Nintendo 3DS, estava um spinoff passado neste universo, mas que se assume como um JRPG mais clássico. Agora, Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin regressa a essa fórmula, mas conseguirá esta inesperada sequela impulsionar esta subsérie, ou trará apenas ruína ao franchise de caça de monstros?


Esqueçamos a caça de monstros por um momento, porque em Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin assumimos o papel de um montador capaz de criar vínculos e de se tornar amigo das criaturas que habitualmente caçamos na série principal. Assim que nos tornamos oficialmente um montador, teremos de tomar imediatamente o lugar do nosso falecido avô, e montador lendário chamado Red, de modo a investigar os estranhos buracos que têm aparecido pelo mundo. Estes buracos têm emitido uma estranha luz avermelhada que levam os monstros à sua volta a tornarem-se mais selvagens e agressivos, e parecem estar, de algum modo, ligados a uma antiga lenda de um Rathalos com o poder de destruir nações inteiras apenas com o bater das suas asas. Cedo nos deparamos e estabelecemos um vínculo com um Rathalos que preenche essas características premonitórias, tendo de partir numa longa aventura para averiguar a veracidade desta lenda e pôr fim ao cataclismo que parece estar a aproximar-se.
 
Trata-se de uma narrativa bastante bem escrita, e com personagens memoráveis, onde os pontos altos são verdadeiramente entusiasmantes e emocionantes, ainda que recaiam sobre alguns clichés esperados de argumentos de JRPGs ou de séries animadas japonesas em geral. Ou seja, temos as já esperadas lições morais, como “a amizade triunfa sobre tudo o que de mal existe” ou “é importante colocarmos de parte as nossas diferenças para triunfar sobre o mal” – neste caso, as diferenças entre os montadores e  os habituais protagonistas caçadores de monstros. Mas pelo meio deparamo-nos com reviravoltas bem conseguidas e com fios narrativos onde o triunfo é genuinamente sentido. O ápice destas sensações é encontrado na batalha contra o boss final, uma criatura que faz jus à catástrofe que tentamos evitar durante mais de 40 horas de jogabilidade.
 
O único problema com a história é mesmo no modo como esta está estruturada. O mundo de Monster Hunter Stories 2 divide-se em cerca de 6 grandes áreas que apresentam biosferas já esperadas – praia, neve, vulcões, desertos, entre outros. A estrutura narrativa obriga-nos a começar numa aldeia, partir para resolver um qualquer problema que um monstro esteja a causar nas redondezas e regressar à aldeia. Depois de algumas idas e voltas, temos um momento narrativo significativo que aprofunda a trama, e lá partimos para uma nova aldeia para reiniciar este processo de resolver um problema e regressar. Há apenas um momento em que os acontecimentos ocorrem em cadeia e sentimos que a narrativa está a progredir a um ritmo natural e gratificante, mas, de resto, esta estrutura narrativa parece limitar demasiado o ritmo do jogo e a sua sensação de progresso.
 

Apesar dos altos e baixos da narrativa e da sua estrutura, é na jogabilidade que Monster Hunter Stories 2 se destaca. Como já foi aludido, o jogo deixa para trás a sua vertente de ação em tempo real para nos oferecer uma mais pura experiência de JRPG com combate por turnos, misturando ainda elementos de domar e treinar monstros. Não é de estranhar que esta curta descrição vos faça lembrar a extremamente popular série de Pokémon – e de facto, este título apresenta bastantes paralelismos com a jogabilidade dos principais jogos desse franchise. Nas nossas demandas e missões, podemos trazer sempre connosco uma equipa de até seis monstros, cada qual com as suas características, ataques específicos e habilidades que podem ser utilizadas nos mundos semiabertos que vamos explorando durante e entre missões.
 
Mas assim que chegamos às instâncias combate, as comparações com a série Pokémon terminam. Embora Monster Hunter Stories 2 também apresente um sistema de combate por turnos, as mecânicas e as estratégias a ter em conta são muitíssimo mais profundas e recheadas de nuances. Cada monstro tem um de três tipos de ataque preferencial: poder, velocidade e técnico. As forças e fraquezas apresentam-se sob uma forma similar ao jogo de “pedra-papel-tesoura” – velocidade vence poder, poder vence técnica, e técnica vence velocidade. Quando em batalha, podemos ver quando alguém da nossa equipa vai entrar em confronto direto com um inimigo, o que nos obriga a aprender bastante bem os padrões de ataque de cada monstro que enfrentamos, a selecionar sempre com cuidado o nosso próximo ataque e a escolher bem qual o monstro que queremos ter como parceiro em cada batalha específica.
 
Mas são ainda mais as nuances a ter em conta nos momentos de batalha. Podemos organizar as coisas de modo a criar um confronto direto entre elementos da nossa equipa e um monstro adversário, e, caso ganhemos o confronto de tipos, desferir golpes mais devastadores. Há que ter em conta que cada monstro tem ataques de naturezas elementares específicas, como fogo, eletricidade ou água, onde cada uma terá supremacia sobre o elemento oposto. Adicionalmente, é possível selecionar partes específicas do corpo do nosso adversário para atacar, de modo a impedi-lo de usar certas técnicas ou enfraquecê-lo. Temos ainda que optar entre utilizar um de três tipos de armas que podemos ter sempre equipados – lâminas, arcos e flechas, ou contundentes -, cada qual mais eficaz contra certos tipos de monstros ou partes das suas anatomias. E, claro, temos sempre uma miríade de itens ao nosso dispor, que nos podem curar, aumentar o dano que desferimos ou até infligir algum estado menos desejável nos nossos adversários, como uma paralisação ou sono.
 

Com tudo isto, as batalhas tornam-se em momentos de tentativa e erro únicos, onde o nosso grande objetivo é aprender as suscetibilidades de cada monstro que enfrentamos pela primeira vez, de modo a que num reencontro futuro seja mais fácil de planear uma estratégia adequada. Mas este planeamento começa na elaboração da nossa equipa. Para tal, é sempre bom ir explorando ao máximo os ambientes na sua totalidade, incluindo as cavernas nas quais os vários monstros fazem os seus ninhos. Um novo monstro é adquirido sempre que encontramos um ovo e o chocamos nos estábulos de uma vila, portanto convém ir explorando bastante bem os vários ambientes que vamos atravessando durante a narrativa e ir enfrentando todos os monstros com os quais nos cruzamos de modo a ganhar acesso a novos ninhos.
 
Na constituição da nossa equipa, é importante ter em conta um equilíbrio no que toca a tipos de ataque preferenciais, e incluir também monstros que nos permitam explorar o mundo de forma completa e eficaz. Felizmente, aqui há muito que podemos personalizar. Cada monstro apresenta um conjunto de genes que vai desbloqueando com o passar dos níveis e que lhes vão dando novas habilidades passivas (por exemplo, resistências) ou novos ataques. A personalização entra quando desbloqueamos a possibilidade de fazer rituais que nos permitem sacrificar um monstro que sabemos que não vamos utilizar para conferir uma das suas habilidades a um mostro preferido ou que queremos incluir na nossa equipa. Mesmo esta personalização tem de ser bem pensada, uma vez que este sistema de genes se apresenta sob a forma de um tabuleiro de bingo, e onde o posicionamento de cada habilidade pode conferir bónus interessantes – por exemplo, uma linha de genes todos vermelhos conferem ao monstro um bónus nos ataques de fogo.
 
Monster Hunter Stories 2 apresenta ainda um sistema de recolha de recursos e de construção de itens e equipamento. Sempre que derrotamos monstros (sobretudo se lhes quebrarmos algumas partes do corpo) somos recompensados com uma série de itens que servem como recursos. Recursos esses que podem também ser encontrados durante a exploração do mundo ou que podem ser recompensas pela concretização das inúmeras missões secundárias que podemos ir fazendo. Estes recursos servem para ir construindo itens úteis para o “dia-a-dia” do jogo, ou para construir e melhorar novas armas e armaduras, dotando a nossa personagem de novas e mais poderosas possibilidades de combater os monstros mais ferozes deste título. Para além de adicionar ainda mais profundidade à experiência, estas mecânicas estabelecem um elo direto com a identidade da série de jogos principal de Monster Hunter, algo que os veteranos do franchise certamente apreciarão.
 

Tratando-se de um JRPG, é claro que uma boa parte da experiência vai ser passada em batalhas. Felizmente, Monster Hunter Stories 2 precaveu-se disto e implementou algumas maneiras de acelerar as batalhas de modo que estas não se tornem um aspeto fatigante da experiência. Primeiro, se enfrentarmos monstros notavelmente mais fracos que a nossa equipa, podemos simplesmente clicar em ambos os gatilhos e ganhar instantaneamente a batalha, sem prejuízo para a experiência ou recursos adquiridos. Depois, podemos sempre acelerar até três vezes os acontecimentos de cada batalha, reduzindo significativamente o tempo de cada confronto.
 
De facto, o único aspeto negativo que temos a pontar às batalhas prende-se com a inteligência dos nossos monstros e outros aliados que se vão juntando a nós. Foi algo comum enfrentarmos um monstro com um padrão de ataques já conhecido, e vermos a inteligência artificial a enfrentar o mesmo usando ataques que perdem sempre no confronto direto. Chegámos até a ver um parceiro avisar-nos que um monstro privilegia ataques poderosos, e vê-lo imediatamente usar um ataque técnico e perder o confronto. Nunca sentimos que esta falta de inteligência provocasse uma derrota – até pelo sistema de corações que apenas nos permite perder quando derrotados três vezes em batalha -, mas não deixámos de ficar perplexos com algumas das decisões plenamente idiotas por parte da inteligência artificial nossa aliada.
 
Todos estes sistemas parecem algo complexos quando implementados assim em conjunto – sobretudo quando explicados assim, sob a forma de texto -, mas após alguma experimentação rapidamente ficamos a perceber como estes sistemas funcionam. De facto, um dos grandes méritos de Monster Hunter Stories 2 é mesmo esse. Há uma enorme variedade de sistemas muitíssimo bem implementados e sobre os quais os jogadores têm bastante controlo. E se à primeira vista sermos confrontados com tantos sistemas pode assoberbar qualquer jogador – sobretudo um menos habituado às andanças deste género -, a verdade é que passadas algumas horas nos sentimos mais do que acostumados a todos eles, compreendendo como estes interagem uns com os outros e podem ser utilizados em nosso proveito.


A campanha de Monster Hunter Stories 2 por si só é já uma experiência extremamente robusta, que deverá dar aos jogadores várias dezenas de horas de entretenimento. Mas se acrescentarmos a isto um pós-jogo relativamente amplo, onde novas áreas podem ser exploradas com criaturas mais poderosas e onde os seus ovos podem ser encontrados, este número pode muito facilmente ser multiplicado. Para acrescentar ainda mais, e possivelmente elevar o número de horas de jogo para a casa das centenas, temos ainda vários modos de jogos competitivos e cooperativos online. Caso assim o desejemos, podemos enfrentar outros montadores e as suas equipas de monstros em confrontos táticos e, muitas vezes, implacáveis, ou juntarmo-nos a outros jogadores para cumprir pequenas missões. Quando se consegue encontrar uma sala com outros jogadores, estas funcionalidades resultam relativamente bem, embora os típicos problemas do jogo online na Switch impeçam esta vertente de ser tão suave ou ritmada quanto desejável.
 
Olhando agora para aspetos mais técnicos, Monster Hunter Stories 2 é um jogo geralmente belo de se contemplar. Os designs dos monstros são variados e bem conseguidos (embora tenhamos achado que se tenha exagerado um pouco na reciclagem de alguns modelos para artificialmente aumentar a variedade), e andar pelo mundo costuma ser uma experiência visualmente apelativa. Também as animações costumam ser bastante bem conseguidas e um deleite para os olhos. Temos apenas a lamentar que algumas texturas de paredes se tenham apresentado como pouco trabalhadas e muitíssimo menos nítidas que os modelos das personagens e monstros. De um ponto de vista sonoro não temos nada senão elogios, com algumas das trilhas sonoras a ficarem-nos genuinamente presas na cabeça. Tanto a música como os efeitos sonoros acentuam extremamente bem tudo o que se vai passando no ecrã, sendo um fator que enaltece o prazer de toda a experiência.
 
Terminemos com o desempenho do jogo, talvez o ponto mais fraco de toda a experiência com Monster Hunter Stories 2. Quer durante as sequências cinemáticas, quer durante a jogabilidade, a taxa de fotogramas é extremamente instável. Num momento podemos estar a atravessar numa paisagem a uns suaves 60 fotogramas por segundo, e no outro podemos ver este valor baixar súbita e dramaticamente. Mesmo em combate, durante ataques especiais ou enquanto escolhemos a nossa próxima manobra, podemos ver esta variação. O mais estranho é que esta inconsistência toda é sobretudo verificada quando jogamos em modo de televisão. Isto não significa que estas quebras ou variações não ocorram quando jogamos com a Switch em modo portátil, mas são menos acentuadas e a experiência acaba por ser ligeiramente mais fluída com a consola nas mãos.


Conclusões
Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin é uma grande e apelativa oferta, tanto para fãs de Monster Hunter, como de JRPGs em geral. Os combates são sempre intensos, a narrativa é cativante, e apesar de implementar tantos e tão complexos sistemas e mecânicas de jogo, consegue fazê-lo de forma tão equilibrada que consegue providenciar uma experiência intuitiva e prazerosa. É pena a miríade de problemas técnicos e alguns problemas de inteligência artificial prejudicarem esta experiência que, ainda assim, é bastante recomendável.

 
O Melhor:
  • Enorme variedade de sistemas e mecânicas de jogo complexas, mas cuja aprendizagem o jogo facilita;
  • Combates por turnos profundos e recheados de opções estratégicas;
  • Mecânicas de recolha de materiais e construção de equipamentos são amplas e fiéis à série;
  • Funcionalidades competitivas e cooperativas online que podem adicionar incontáveis horas de diversão (quando se consegue entrar numa sessão);
  • Narrativa geralmente interessante com momentos muitos altos, mas…
 
O Pior:
  • … Estrutura de missões na qual a narrativa assenta é demasiado repetitiva;
  • Vários problemas técnicos notáveis;
  • Inteligência artificial dos parceiros deixa bastante a desejar.
 
Pontuação do GameForces – 8/10

 
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
 
Título: Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin
Desenvolvedora: Capcom
Publicadora: Nintendo
Ano: 2021
 

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
[Análise] Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin [NSW] [Análise] Monster Hunter Stories 2: Wings of Ruin [NSW] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on agosto 07, 2021 Rating: 5

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