Há sempre algo de sedutor quando nos
apercebemos da chegada de um novo jogo de plataformas em 2D, sobretudo quando
este se apresenta como uma experiência desafiante. Tal é o caso de Flatland
Vol. 2, um jogo lançado há cerca de um ano para PC, e a terceira entrada (e
lançada em pouquíssimo tempo) de uma série que pouco furor tem levantado. Será Flatland
Vol. 2 a experiência entusiasmante que destacará esta série, ou apenas mais
um jogo insípido de um género tão saturado?
(De notar que esta análise
corresponde à versão PS4 do jogo, experienciada numa PS5 através da
retrocompatibilidade. Eventuais versões PS5 nativas e experiências de jogo na
PS4 ou PS4 Pro poderão diferir um pouco, sobretudo no que toca a aspetos
técnicos.)
Em Flatland Vol. 2, assumimos
o controlo de um quadrado que tem de atravessar vários níveis de néon em duas
dimensões até chegar à saída de cada um. Para o fazer, teremos de nos mover,
saltar, deslizar em paredes e impulsionar em várias direções. Isto enquanto
evitamos buracos sem fundo, espigões, inimigos e várias outras armadilhas
ambientais que vão sendo introduzidas no nosso caminho à medida que avançamos pelos
mais de 100 níveis. Pelo caminho, temos também alguns níveis com encontros com
bosses e portais para níveis secretos com cubos para colecionar. Muito
resumidamente, é um jogo de plataformas em 2D aparentemente básico, e que pouco
faz para inovar ou abalar a fórmula pré-estabelecida do seu género. Mas
atenção, que esta primeira impressão acaba por não fazer justiça ao trabalho
aqui apresentado.
É verdade que Flatland Vol. 2
apresenta uma daquelas jogabilidades prototípicas, alguns diriam até demasiado “batidas.”
Mas a realidade é que controlar o nosso pequeno quadrado é bastante intuitivo
e, acima de tudo, bastante preciso. Nunca sentimos que uma morte fosse por
culpa de algum input mal lido pelo jogo, mas sempre por alguma reação menos
atempada da nossa parte ou meramente pelo nível de desafio daquele nível em particular.
E ainda bem que assim é, porque Flatland Vol. 2 apresenta alguns níveis
bastante desafiantes, nos quais uma vitória gera uma verdadeira sensação de conquista.
A exigência nunca chega ao ponto de ser frustrante, mas atinge um nível ótimo
de dificuldade entre o recompensante e o frustrante.
Isto não quer dizer que não existam níveis
nos quais ficamos presos. À medida que vamos avançando no jogo, novos inimigos
ou novos problemas começam a ser introduzidos, alguns dos quais vão requerer
algum tempo de habituação. A introdução destes novos obstáculos no nosso caminho
é feita a um ritmo agradável, e cada novo elemento acaba por se misturar com
alguns dos apresentados anteriormente de forma bastante bem pensada. Assim, no
que toca ao design de níveis não temos nada a dizer que não seja um elogio. Os
níveis são quase sempre relativamente curtos, mas exploram várias formas de design
de plataformas (por exemplo, misturando muito bem níveis horizontais e verticais),
e os obstáculos acabam por evidenciar um bom nível de criatividade por parte da
equipa de produção.
Outro aspeto de design muitíssimo bem
conseguido, e que ajuda a que esta nunca seja uma experiência frustrante é o
facto de sermos imediatamente colocados no jogo após uma morte. O tempo de
espera é praticamente nulo, o que nos confere bastante à vontade para explorar
diferentes manobras, aprender padrões de novos inimigos/obstáculos, e até experimentar
com as mecânicas de jogo e descobrir algumas formas de derrotar inimigos. O
mais interessante é que este “espaço de manobra” que o imediatismo do jogo
confere nos leva a desvendar mecânicas que o próprio jogo não nos ensina - e
que não estragaremos aqui. Isto gera ainda mais momentos recompensantes para
além das vitórias, momentos esses gerados de forma tão natural e orgânica que
não podemos não elogiar este “esconder de mãos” que Flatland Vol. 2 nos faz.
A adicionar a isto tudo, Flatland
Vol. 2 apresenta ainda vários modos de jogo. Para além do modo de campanha –
aqui chamado de “Enter the Flatland” -, onde atravessamos todos os níveis
normais e secretos, temos três outros modos. Um chamado “Tesseract Hunter”,
onde podemos jogar apenas os níveis especiais todos de seguida. O modo “Not Him
Again (Again)” é um modo onde teremos sempre um boss a perseguir-nos e a atacar-nos
independentemente do nível. Por fim, o modo “Faster Than Light” é um de time
trial, onde teremos de passar cada nível dentro de um limite de tempo. Lamentavelmente,
nenhum destes modos alternativos introduz níveis novos, mas servem antes para
fazer um remix da experiência da campanha.
Cada um destes modos tem o seu
interesse: os níveis especiais são claramente os mais desafiantes, e jogá-los
de seguida é um bom teste ao nosso domínio das mecânicas; os time trials
apresentam alguns tempos bastante apertados e que exigem que sejamos precisos
ao pixel; e a mistura de um boss nos níveis normais obriga-nos a repensar
movimentos e estratégias. Sem dúvida que os fãs dos níveis apresentados em Flatland
Vol. 2 tirarão partido destes modos para conseguir mais algumas boas horas
de jogo, mas é de lamentar não se ter aproveitado os mesmos para oferecer algo para
além de um reciclar dos cerca de 150 níveis na campanha base.
Sem dúvida que, apesar da
simplicidade, os elogios que Flatland Vol. 2 merece são muitos, mas o
jogo não deixa de ter problemas. O mais relevante prende-se com a câmara, sobre
a qual não temos o controlo, com o jogo a ir ajustando a mesma
automaticamente à medida que navegamos pelos níveis. Ocasionalmente, vemos a câmara
do jogo a fazer zoom em alguns dos desafios de plataformas mais precisos e
desafiantes. O problema é que, por vezes, o timing destes zooms é muito
questionável. Por exemplo, num dos níveis, o zoom ativa-se num ponto muito
próximo de uma parede a partir da qual teremos de ir saltando para trepar,
levando a câmara a ampliar e reduzir a área de jogo visível várias vezes consecutivamente.
Nunca sentimos que este problema ocasional nos tenha levado a uma morte, mas sentimos
que prejudicou um pouco o prazer geral da experiência, sobretudo ao criar
alguma confusão visual.
Por falar na vertente visual, esta
apresenta-se um pouco como toda a experiência de Faltland Vol. 2:
simples, mas eficaz. Todo o mundo do jogo se apresenta colorido, com o estilo
de néon a fazer cada elemento dos níveis ou cada inimigo destacar-se de um modo
visualmente apelativo. A mistura de formas geométricas simples com alguns
elementos um pouco mais complexos ajuda a reforçar a criatividade previamente
mencionada e confere alguma variedade ao que vemos no nosso ecrã. Esta simplicidade
funciona bem, mas é derradeiramente algo genérica, deixando esta experiência um
pouco aquém de outras comparáveis, mas visualmente mais interessantes, como a
de Super Meat Boy.
Já no que toca à vertente sonora, o
jogo apresenta-se mais robusto, quiçá confiante. Flatland Vol. 2
apresenta 23 trilhas sonoras originais, que variam entre o melodioso e o frenético.
Estas trilhas apresentam uma qualidade bastante boa, mas o destaque vai para a
possibilidade de podermos rodar entre as mesmas quando quisermos. Assim,
podemos dar a cada nível a música com o ritmo que queremos, ou simplesmente ir
alternando entre duas ou três das nossas peças musicais preferidas desta banda
sonora. Uma palavra também para os efeitos sonoros que, apesar de simples,
cumprem perfeitamente a sua função e informam bem o que se passa no ecrã,
particularmente em níveis mais frenéticos.
Por fim, e olhando para aspetos de
desempenho do jogo, não há grande coisa a comentar. O jogo corre bem, com uma frame
rate constante. Pese embora se fique com a impressão de que não chega aos
60 fotogramas por segundo, nunca encontrámos quebras e, consequentemente, nunca
sentimos que a performance do jogo fosse de qualquer forma desestabilizadora. O
mesmo não se pode dizer de dois ou três bugs chatos, que eventualmente nos
deixaram presos dentro de um objeto ou de uma parede. Estes são mesmo muito raros,
e parece que acontecem sempre nos mesmos níveis. Ou seja, nestes pequenos bugs
não são particularmente danosos, mas há que indicar que o jogo ficaria melhor
sem estes.
Conclusões
Flatland Vol. 2 é um jogo de plataformas em 2D
surpreendentemente competente e cativante. Os controlos são sempre intuitivos e
precisos, e o nível de desafio gera momentos genuinamente preconizados como sendo
de conquista. A ação nunca pára, com a rapidez com que somos colocados de
volta no jogo quando falhamos. Alguns problemas com os zooms da câmara e um ou
outro bug chato impedem este jogo de atingir a excelência, mas esta é uma
experiência facilmente recomendável para qualquer fã deste género.
O Melhor:
- Jogabilidade com controlos intuitivos
e precisos
- Apresenta um nível de desafio muitíssimo
equilibrado e recompensador;
- A rapidez com que regressamos ao jogo
após uma morte permite a experimentação e reduz a frustração;
- Algumas mecânicas “omissas” que são
um deleite de descobrir;
- Um amplo leque de níveis e de modos
de jogo para explorar.
O Pior:
- Zooms automáticos da câmara
ocasionalmente perturbam a jogabilidade;
- Um ou outro bug que nos pode deixar
presos em objetos;
- Acaba por ser uma experiência pouco
inovadora, apesar da qualidade.
Pontuação do GameForces – 8/10
Título: Flatland Vol. 2
Desenvolvedora: QUByte Interactive
Publicadora: Minimol
Games
Ano: 2021
Nota: Esta análise foi
realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de
um código gentilmente cedido pela QUByte Interactive.
Autor da Análise: Filipe Castro
Mesquita
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