Inicialmente, achei a decisão
extremamente peculiar, mas rapidamente fiquei aberto à proposta: afinal de
contas, se um título tem algumas falhas, talvez seja o que mais merece uma
remasterização. Jogos como Donkey Kong Country: Tropical Freeze já reluziam no
berço, pelo que a versão Switch do jogo só serviu para aumentar a sua audiência e acessibilidade. Em contrapartida, com Miitopia a Nintendo tinha a oportunidade de limar as
arestas do título e de o tornar na aventura imperdível que o jogo ficara tão
perto, mas tão longe de ser.
Isto porque este título reúne uma série de ideias singulares – começando pela história. O protagonista, juntamente com os seus amigos, tem de derrotar o Dark Lord que aterroriza Miitopia ao roubar as caras dos habitantes e a colocá-las em monstros. O que é que isto tem de tão invulgar? Um dos twists do título: somos nós quem decide quais personagens assumirão os papéis da trama. Uma narrativa que, para todos os efeitos, é genérica, torna-se rapidamente mais memorável e carismática quando lhe damos um toque só nosso. Podemos colocar o Pringles Man como o grande vilão, ou Sephiroth e Cloud a representar um casal rabugento, ou o CD-i Ganon a competir com CD-i Link pelo amor da CD-i Zelda e a chorar e chamar pela mamã quando não é correspondido… As potencialidades de humor são tão vastas quanto a nossa imaginação, e o jogo incentiva-nos a criar o cenário mais absurdo e cómico imaginável.
Esta diversão galhofeira é ainda
mais burlesca na nossa equipa: desde o cómico equipamento que podemos equipar,
às inventivas classes (que, por exemplo, nos transformam num literal tanque que
dispara os próprios colegas), às inúmeras interações entre os Miis que despertam sempre sorrisos bobos. Como se não
bastasse, ainda podemos decidir qual será a personalidade de cada Mii, bem como
fomentar as relações entre eles. A jogabilidade de Miitopia está dividida em
níveis, em que nós assistimos à nossa equipa a percorrer o mapa automaticamente
até que haja algum tipo de interrupção. Para além de batalhas, estes pequenos
interlúdios podem dar azo a novos momentos de interação entre os Miis, que não
só valem pelo seu valor humorístico como também pela oportunidade que nos dão
de desenvolver as suas amizades. No final de cada nível, os Miis dormem numa
das aparentemente infinitas pousadas do seu mundo, onde partilham o quarto com
um colega e podem desenvolver a sua amizade com ele – numa vertente do jogo reminiscente
de Tomodachi Life.
Estes relacionamentos têm um impacto
enorme no campo de batalha: à medida que duas personagens se tornam próximas,
mais cooperam nos combates – participando no ataque do seu amigo, partilhando
itens com ele e até ficando enraivecido quando o colega é derrotado. Mas
mesmo durante as batalhas as nossas amizades não permanecem estagnadas! Por
exemplo, sempre que um Mii regenera a vida de outro, a sua relação
desenvolve-se… e lembram-se de eu ter dito que os tanques podem disparar os
próprios colegas? Isso pode ser pretexto para a sua amizade terminar e para esses colegas interferirem nos ataques dos ex-amigos e recusarem-se a ajudá-los. Do mesmo
modo, a personalidade de cada herói influencia o seu comportamento: um Mii
teimoso poderá atacar mais do que uma vez ou recusar ser curado, enquanto um
Mii descontraído pode atacar com menos força ou esconder-se atrás de um amigo,
fazendo-o tomar o ataque no lugar dele.
Esta vertente única do jogo é sem
dúvida o ponto mais alto dos combates… porque de resto estes são demasiado
básicos. É aliciante descobrir as ações únicas de cada classe e os ingeniosos
inimigos: por exemplo, existe um peru (turkey) que dança twerk chamado Twerkey, e um
quadro que os nossos Miis admiram tanto que se esquecem de o atacar. O problema
é que a jogabilidade em si é demasiado simples. Dentro das quatro personagens
que levamos para as lutas, apenas uma pode ser controlada diretamente por nós –
sobre as restantes temos um controlo passivo, usando sprinkles ou safe spot
para os curar e para os deixar eufóricos ou com um escudo. Como é parca a quantidade de status effects que podemos infligir nos inimigos e nenhum dos inimigos tem
fraquezas particulares, temos pouquíssimas variáveis em jogo nas batalhas,
o que torna o papel da estratégia praticamente nulo no nosso curso de ação.
Somando a esta questão os longos períodos
entre batalhas em que assistimos aos nossos Miis a percorrer as regiões,
Miitopia acaba por ser uma experiência demasiado hands-off e repetitiva
que pouca nuance acrescenta à sua jogabilidade ao longo das dezenas de horas
que dura. Vários dos seus níveis não servem para mais nada senão para encher
chouriços, numa aventura que peca por distanciar demasiado os seus bons
momentos. As suas animações são extremamente lentas, sendo necessário estarmos
constantemente a segurar o botão B para acelerar a jogabilidade. E naquela que
é a evolução mais trágica da campanha, o jogo abandona os seus princípios
singulares a dado momento: eventualmente tornam-se raras as interações com os Miis
que não tenhamos visto antes, e praticamente desaparecem os momentos em que
escolhemos novas personagens para a história e em que assistimos a histórias
hilárias protagonizando os NPCS.
Era aqui que eu esperava que a
Nintendo melhorasse a experiência. Já tinha em mente inúmeros ajustes que ela
podia fazer: a opção de ativar o fast-forward com um toque único de B em
vez do segurar do botão; uma remodelação da aventura, que removesse vários dos
níveis inúteis e que ajustasse os níveis de experiência em conformidade
(mantendo a aventura original como opção de jogo “Clássico”, para os mais
puristas); uma redução dos tempos em que assistimos às nossas personagens a
percorrer os níveis.
Infelizmente nada disto foi
feito, e as lacunas do original continuam a fazer vítimas na Switch. Em vez de
corrigir os pontos baixos do jogo, a Nintendo decidiu investir nos seus pontos
altos: por um lado, a possibilidade de “colocar qualquer pessoa na história” tornou-se
ainda mais sólida com o novo sistema de perucas e maquilhagem, que torna viável
criar quem quer que nós imaginemos. Na 3DS, podemos criar um Mii que nos lembre
Mario; na Switch, podemos criar uma réplica exata do ícone da Nintendo. Antes
de começar a aventura, passei horas a descobrir as impressionantes criações de
outros utilizadores – usando códigos para aceder aos seus perfis, porque a
secção de populares do jogo apenas nos mostra os Miis usados na versão 3DS.
Além disso, foram adicionadas pequenas
cutscenes em momentos específicos, um novo parceiro equino e os Outing Tickets, bilhetes que permitem aos Miis aprofundar os seus laços
indo a um cinema, café, pescar e a outras atividades recreativas. Estas adições
aumentam o número de interações cómicas e distribuem-nas mais uniformemente ao
longo de toda a aventura, atenuando alguma da repetição em acontecimentos que
referi previamente.
Embora estes ajustes tornem esta versão na forma definitiva de vivenciar Miitopia, algumas perdas foram verificadas nesta transição. A informação e menus outrora apresentados no segundo ecrã da 3DS implicam agora o uso de menus que obstruem parte da ação e de toques adicionais de botões. As funcionalidades de toque foram também completamente descartadas, apesar de a interface do jogo ser amigável a elas. Por fim, foi removida a função Spotpass da 3DS, que preenchia automaticamente alguns dos papéis da aventura e desse modo trazia um maior elemento de surpresa aos encontros.
Quando um jogo tem pontos altos tão altos e pontos baixos tão baixos, pode ser difícil decidir se vale a pena ou não. A energética, adorável e engraçada aventura, com todos os seus memoráveis momentos, faz-me ter um carinho especial pelo jogo, mas a sua jogabilidade automatizada e monótona afeta ativamente o meu envolvimento enquanto jogador. Portanto, deixo-vos uma dica: se eventualmente jogarem Miitopia, avancem do modo mais célere possível e terminem o mínimo de níveis necessário para terminar o jogo. Este estilo de jogo diminui o tempo morto entre os acontecimentos relevantes, e confere ao combate um mínimo de desafio, quanto mais não seja na gestão ponderada dos Sprinkles e Safe Spot. Infelizmente, cada segundo a mais despendido na jogabilidade monótona de Miitopia apenas serve para azedar a campanha.
Conclusão
Miitopia é um RPG fascinante com ideias refrescantes e uma contagiante excentricidade, com o qual desenvolvemos um carinho especial. Contudo, os princípios basilares da aventura são
manchados pelo seu outro decrépito pilar: uma enorme vaga de repetição que,
nível a nível, desgasta o jogador. Um sistema de combate mais desenvolvido e
uma duração mais concisa seriam suficientes para elevar a aventura na nossa
consideração; ao invés disso, a Nintendo optou por acrescentar novidades que,
sendo benéficas para o título, nada fazem para abordar o “elefante na sala”.
O melhor
- Uma história com um toque pessoal;
- Centenas de momentos adoráveis
e engraçados;
- Novidades que enriquecem a
experiência globalmente…
O pior
- …sem corrigir as suas maiores
falhas;
- Sistema de combate básico;
- Jogabilidade hands-off;
- Insuportável repetição;
- Falta de funcionalidades presentes na versão original.
Nota do GameForces: 6.5
Título: Miitopia
Desenvolvedora: Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2016-2021
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
Autor: Tiago Sá
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