[Análise] Taxi Chaos [PS4]


Para quem cresceu nos anos noventa e início dos anos 2000, o mais provável é terem ouvido falar, ou até experimentado, um jogo chamado Crazy Taxi. Começando em arcadas e passando depois para consolas, esta é uma série que tem estado algo parada – excluindo algumas versões mobile. Agora, surge Taxi Chaos, um título que tenta reviver a loucura daquela série em consolas modernas e satisfazer um mercado algo nostálgico por experiências deste género. Mas conseguirá este jogo chegar ao seu destino sem problemas, ou será apenas uma viagem atribulada?

(De notar que esta análise corresponde à versão PS4 do jogo, experienciada numa PS5 através da retrocompatibilidade. Futuras versões PS5 nativas ou experiências de jogo na PS4 ou PS4 Pro poderão diferir um pouco, sobretudo no que toca a aspetos técnicos.)
 

Em Taxi Chaos, assumimos o papel de um de dois taxistas: o “chico-esperto” Vinny, o mais experiente dos dois que tem sempre uma resposta rápida na ponta da língua, e da millennial Cleo, uma jovem determinada em promover-se enquanto “influencer”. O nosso objetivo é simplesmente transportar vários passageiros pela fictícia cidade de New Yellow City (inspirada em Nova Iorque), de modo a amealhar tanto dinheiro quanto possível. Para tal, teremos não só de conduzir rapidamente, mas também tomar alguns riscos, como a utilização de caminhos improvisados ou uma condução no limite do acidente.
 
É, portanto, na estrada que a maioria da ação se vai desenrolar, e felizmente as mecânicas-base de condução não estão nada mal implementadas. Como de esperar, usamos os gatilhos para acelerar e travar/inverter a marcha, e o táxi costuma responder sempre bem às tentativas de curvas apertadas, derrapando satisfatoriamente. Para além disso, podemos conseguir uma arrancada com impulsão se carregarmos nos dois gatilhos simultaneamente, o que nos ajuda a partir rapidamente para a ação após travarmos para apanhar um novo passageiro. Temos também um botão de salto que ajuda a adicionar alguma verticalidade a um mapa bastante plano, permitindo-nos saltitar entre alguns edifícios ou por cima de obstáculos para tentar reduzir os tempos de viagem aos mínimos possíveis.
 
No geral, não há aqui nada que distinga particularmente este título de qualquer outro onde se possa conduzir, mas estamos perante um trabalho competente. E estamos aqui a destacar algo meramente competente porque daqui para a frente serão poucas as virtudes a apontar. A câmara, por exemplo insiste em estar sempre apontada para a frente, com a utilização do analógico direito apenas a desviar o ângulo de visão momentaneamente e de forma brusca. Para além disso, este pequeníssimo controlo sobre a câmara assenta numa configuração de controlos invertidos que não podem ser mudados nas opções, algo extremamente contraintuitivo e que gera momentos de frustração.
 

Taxi Chaos apresenta uma ideia ou outra interessantes, mas que, como veremos, ou estão algo mal implementadas ou se apresentam algo superficiais. Para dar alguma vida à cidade fictícia, bem como às duas personagens que utilizamos, ouvimos sempre o nosso taxista a conversar com os passageiros, conversas essas que muito rapidamente se tornam algo repetitivas e irritantes. O conteúdo destas conversas é aleatório, e claramente não em número suficiente. Perdi a conta ao número de vezes que três passageiros diferentes vieram de seguida com exatamente a mesma conversa (a queixarem-se de que não chegarão a horas ao trabalho), e a receberem exatamente a mesma resposta (de que os outros condutores à nossa volta também não chegarão a horas). Isto para não falar das ocasiões em que estes diálogos eram completamente incoerentes com a situação – por exemplo, um passageiro cujo destino era o museu de arte a queixar-se que, àquele ritmo, iria chegar atrasado ao jogo da sua equipa.
 
Estas conversas são sempre algo básicas, mas uma atenuante é o facto de cada condutor parecer ter respostas próprias para cada tema levantado pelos passageiros. Em contrapartida, tanto uma como outra personagem roçam o odiável. Vinny é simplesmente rude nas suas respostas aos passageiros, enquanto Cleo se apresenta inicialmente simpática, mas sempre na tentativa de se autopromover e tentar conseguir que a patrocinem. Ou seja, é preciso muito pouco tempo para se ficar irritado e a desprezar cada uma das personagens jogáveis. Percebemos que é através destes diálogos que Taxi Chaos tenta apresentar uma identidade mais própria, quando comparamos com Crazy Taxi, mas o pouco argumento escrito aqui presente falha esse objetivo - ou pior, consegue-o mas de forma negativa. 
 
Uma ideia interessante que Taxi Chaos apresenta é a presença de passageiros únicos, com os seus próprios diálogos, que nos pedem para os ajudar numa qualquer demanda. Este é talvez o aspeto mais distintivo deste jogo e que poderia resultar em algo cativante, mas que não consegue devido a uma fraca implementação. Há dois motivos essenciais para tal. Primeiro, porque estas pequenas “missões” apresentam sempre a mesma estrutura: descobrir o passageiro, encontrar três itens, voltar a descobrir o mesmo passageiro, e repetir a busca pelos itens uma vez mais. O outro é porque estas pequenas narrativas contidas voltam a apresentar uma escrita desinspirada, tentando adicionar algum humor extra à experiência sem qualquer sucesso. É uma pena a repetibilidade e a fraca qualidade do argumento nestas instâncias, que esvaziam completamente o apelo de uma ideia recheada de potencial.
 

Outro grande problema do jogo é a quantidade de conteúdo presente. A ausência de personagens extra para desbloquear, juntamente com a mera existência de 7 carros distintos – 6 dos quais ficam acessíveis após cumprir alguns requisitos simples -, significa que a variedade da personalização da experiência é muitíssimo reduzida. Cada carro tem algumas estatísticas que afetam a jogabilidade: velocidade, aceleração, travagem, peso e impulso. Apesar de pouco original, esta não é uma má ideia, mas, uma vez mais, volta a falhar na implementação. Para além da facilidade com que se desbloqueia a maioria dos carros inicialmente indisponíveis, há claramente um carro cujas características o tornam superior a todos os outros. O pior é que este carro e nem é o mais difícil de desbloquear, é apenas o que consumirá mais tempo. Ou seja, a jogabilidade não é variada o suficiente para tornar cada carro útil em diferentes situações ou diferentes modos de jogo, e a partir do momento em que se desbloqueia o carro mais "poderoso", nunca mais olhamos para os outros.
 
Mas o principal problema em relação ao conteúdo é a existência de apenas 3 modos de jogo: arcada, pro e livre. Em arcada, temos de apanhar e levar ao destino o maior número de passageiros possível num determinado tempo, com cada apanhada e largada a valer alguns segundos extra ao limite. No modo pro temos de fazer exatamente o mesmo, mas sem qualquer indicação de distância ou de direção na qual o destino se encontra. E no modo livre podemos andar pela cidade e cumprir o nosso trabalho de taxista sem qualquer tempo limite, sendo o modo ideal para ficar a conhecer bem o mapa ou para encontrar os itens relevantes para as missões já mencionadas. Enquanto os tempos apertados do modo arcada podem gerar o ocasional momento agradável de condução frenética, dificilmente Taxi Chaos apelará o suficiente para que se queira ver todo o conteúdo das missões dos passageiros, muito menos para dominar o mapa ao ponto de o modo pro se tornar gratificante.
 
A este pacote faltam modos competitivos, quer online quer localmente com a divisão do ecrã. De facto, a única componente competitiva existente é a presença de leaderboards, que registam os recordes de dinheiro amealhado pelos jogadores de todo o mundo nos modos arcada e pro. Mesmo ignorando o facto de que as posições de topo já parecerem ser inatingíveis, este é um elemento de competição algo básico e pouco entusiasmante. Podiam ter sido incluídos jogos para ver quem conseguia melhor pontuação ou aguentar mais tempo num modo de arcada competitivo, ou algo como ter um jogador a perturbar o percurso de outro. Um jogo deste género poderia também ter incluído modos de desafio ou alguns minijogos, aproveitando os telhados nos quais se pode conduzir ou alguns elementos ambientais destrutíveis para gerar algo de único. Mas assim, apenas temos ao nosso dispor modos de jogo pouco distintivos, e um pacote de conteúdos bastante escasso.
 

No que toca a aspetos mais técnicos, Taxi Chaos é, na melhor das hipóteses, uma experiência desinspirada. Em termos de framerate o jogo não apresenta problemas observáveis, mas tanto na vertente gráfica como sonora estamos perante um jogo fraco. Visualmente o jogo é colorido, mas muito pouco detalhado e com modelos que parecem diretamente tirados de um qualquer free-to-play para o telemóvel. Em termos sonoros, a música assenta sempre no género de rock, mas nunca consegue incutir no jogador aquele entusiasmo ou aquela adrenalina que caracterizam os jogos Crazy TaxiAinda que se consiga compreender a falta de músicas licenciadas, sobretudos dadas as exigências financeiras que seria inclui-las, sentimos muito a falta de uma banda sonora que nos empolgasse. Também os efeitos sonoros se apresentam algo genéricos, e pior apenas são os desempenhos de voz monótonos e pouco enérgicos.
 
Mas há vários outros problemas técnicos que perturbam o aproveitamento desta experiência. Em primeiro lugar, há vários bugs a registar, com o nosso trajeto a ser bruscamente travado sem motivo visível, como se chocássemos contra um qualquer objeto invisível, ou por carros que pura e simplesmente surgem repentinamente à nossa frente, ou até sermos inexplicavelmente projetados para longe após aterramos de um salto. É bastante comum vermos autocarros a surgirem do nada em cima de outro veículo, ou até sermos nós a dar spawn em cima de outro veículo. Enquanto alguns destes erros podem gerar despropositadamente uma situação engraçada, tudo isto demonstra uma evidente falta de polimento.
 
Falta de polimento esta, que se denota em vários outros aspetos da experiência. A área delimitada para apanhar um passageiro é pouco precisa, sendo sempre preciso parar muito mais perto do centro do círculo visível do que se espera, e o povoamento da cidade é bastante inconstante, com áreas recheadas de outros veículos ou pedestres para apanhar enquanto outras se apresentam bastante vazias. Há também problemas de interface, com os menus a apresentarem, ocasionalmente, elementos sobrepostos e a taparem-se uns aos outros, ou a indicação de tempo adicional ganho mesmo quando se joga no modo livre. O mais grave, e assumindo que é um erro técnico e não uma opção de design incompreensível, Taxi Chaos apresenta um sistema de combos por cada manobra arriscada (passar perto de um carro em contramão, improvisar atalhos ou saltar), que não afeta em nada o dinheiro ganho, a pontuação ou o tempo adicional atribuído com cada passageiro bem entregue. Esta falta de polimento é, lamentavelmente, a impressão que perdura nesta experiência, desperdiçando o potencial que este jogo e as suas ideias tinham.
 

Conclusões
Taxi Chaos apresenta fugazes momentos de jogabilidade caótica, mas falta-lhe personalidade para chegar perto dos pontos altos da série que o inspira. Nota-se que existe paixão por trás deste projeto e existem aqui algumas ideias interessantes, mas os gráficos e a música são algo desinspirados, e o pacote geral apresenta muito pouco conteúdo para usufruir. Jogando-se casualmente, consegue ter-se alguns momentos de diversão, mas apenas os fãs mais acérrimos de Crazy Taxi conseguirão tirar algum proveito desta tentativa de reviver a sua fórmula.
 
O Melhor:
  • Consegue momentos de alguma adrenalina e jogabilidade frenética
  • Existência de clientes únicos com pequenas narrativas é uma ideia interessante
  • Mecânicas de condução e de salto estão relativamente bem implementadas
 
O Pior:
  • As apresentações sonora e visual são bastante pobres
  • Alguns bugs que resultam geralmente em momentos frustrantes
  • Povoamento da cidade é bastante inconsistente
  • Muitíssimo escasso em termos de conteúdo
 
Pontuação do GameForces – 5/10
 
Título: Taxi Chaos
Desenvolvedora: Team6 Game Studios
Publicadora: Lion Castle Entertainment
Ano: 2021
 
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de um código gentilmente cedido pela Lion Castle Entertainment.
 
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita

[Análise] Taxi Chaos [PS4] [Análise] Taxi Chaos [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on março 06, 2021 Rating: 5

Sem comentários:

Com tecnologia do Blogger.