Sempre que um jogo de puzzles é produzido por um estúdio independente, a curiosidade de muitos jogadores é aguçada. Os níveis de criatividade desta vertente da indústria parecem alinhar-se perfeitamente com a inovação à qual este género de jogo é tão propensa. Manifold Garden apresenta-se como mais um destes casamentos ambiciosos. Agora, a sua chegada às consolas abre as portas a mais uma boa porção de potenciais jogadores. Mas valerá a pena o passeio por estes jardins?
Comecemos por falar do mais óbvio: Manifold Garden é um jogo absolutamente deslumbrante. A utilização de cores vibrantes e vívidas dá a este jogo uma identidade muito própria e diferente de tudo o que encontramos nesta indústria. Também os efeitos luminosos beneficiam desta excelente utilização da cor, conseguindo ser estonteantes através de engenhosos efeitos de contraste. As animações com que nos deparamos quando resolvemos um problema são também de destacar. É espetacular ver uma árvore a crescer ou um mundo inteiro a ser construído à nossa frente depois de cada nível bem-sucedido. Nestas ocasiões, as animações dos acontecimentos são extremamente fluídas, não sendo de espantar se se sentir a vontade de simplesmente pousar o comando e apreciar com toda a plenitude o que se passa no ecrã. Assim, toda a direção artística é um sucesso estrondoso e que enaltece toda a experiência.
Agora, passemos ao funcionamento do jogo. Manifold Garden é um jogo de puzzles na primeira pessoa que apresenta mecânicas à base da orientação espacial e da manipulação da gravidade. A jogabilidade apresenta uma premissa relativamente simples: o jogador pode mover-se num espaço tridimensional, interagir com botões ou cubos que ativam portas e outros elementos do mundo, e usar o gatilho direito para rodar o mundo e a sua gravidade, transformando as paredes no seu novo chão. No total, há 6 orientações gravitacionais, e teremos de ir passando de uma para outra de modo a interagir com os objetos relevantes. Cada orientação tem uma cor associada, e apenas é possível interagir com objetos da mesma cor para a qual a gravidade está orientada. Ou seja, se estivermos com uma orientação azul, apenas podemos carregar nos botões ou manipular cubos da mesma cor. Esta associação entre gravidade e cor é o primeiro elemento do engenhoso design geral deste jogo no qual reparamos, ajudando a simplificar uma mecânica que, de outro modo, poderia ser confusa.
Quanto aos ambientes, é de referir que as áreas de jogo estão desenhadas de tal maneira que se replicam infinitamente. Sempre que olhamos à nossa volta, podemos ver dezenas de cópias da plataforma ou zona do nível onde nos encontramos. Este é outro aspeto requintado do design, e uma opção que permite excluir uma mecânica básica do jogo: o salto. Não há nenhum botão para saltar. A primeira vez que nos deparamos com esta impossibilidade é algo desconcertante, mas rapidamente entendemos que a única maneira de alcançar uma plataforma demasiado afastada ou mais elevada em relação à nossa posição é atirarmo-nos para o vazio. Enquanto caímos conseguimos irmo-nos dirigindo para o nosso destino, não sendo necessário preocuparmo-nos com o balanço ou a velocidade com que nos deixamos cair do nível. Esta mecânica implica que várias áreas aparentemente impossíveis de explorar nos estão sempre acessíveis, abrindo uma panóplia de possibilidades e incentivando a aventurarmo-nos para ver cada canto ou para olhar para cada desafio de vários pontos de vista.
Mas por muito que estas premissas e as mecânicas sejam interessantes, um jogo deste género não se destaca se não for introduzindo novos elementos. E aqui, Manifold Garden destaca-se uma vez mais. À medida que vamos progredindo, são vários os novos elementos e as novas mecânicas que vão sendo colocadas à nossa frente. Desde a introdução de pequenos riachos manipuláveis com o posicionamento e orientação de cubos, de blocos gigantes que podemos reposicionar através da manipulação da gravidade, ou de cubos que reagem a duas forças de gravidade diferentes, fica a impressão que foi feito um pouco de tudo. Também o ritmo com que somos brindados com novas mecânicas é bastante louvável. Sempre que se começa a sentir que as várias utilizações de cada mecânica se estão a esgotar, eis que Manifold Garden nos põe perante algo novo e diferente. A criatividade destas opções e o ritmo com que vão surgindo são dois aspetos impressionantes, e no fim ficamos convictos de que a premissa da jogabilidade foi levada ao seu limite.
A grande generalidade dos quebra-cabeças colocados perante nós são sempre desafiantes o suficiente. O que encontramos nos primeiros níveis ajuda-nos a desenvolver familiaridade e intuição gerais com sucesso, com quase tudo o que vem a seguir a requerer sempre pensamento lógico e abstrato. Cada grande conjunto de níveis vai habituando o jogador a utilizar as mecânicas de jogo de uma determinada maneira. Com isto, a dificuldade vai progredindo a um ritmo que geralmente mantém o grau de desafio ideal para gerar genuínas sensações de conquista com cada momento “eureka”.
De facto, esta lógica apenas foi quebrada uma vez, originando o único puzzle verdadeiramente frustrante de todo o jogo. Resumidamente, nesta ocasião o jogo vinha a ensinar que a progressão era conseguida através da resolução de pequenos puzzles contidos em áreas fechadas, com o último desafio a requerer trabalhar quase exclusivamente em espaços exteriores para influenciar o que se passava num interior. É a única vez que algo assim acontece em Manifold Garden, que somos levados a raciocinar de um determinado modo para repentinamente surgir um puzzle com uma lógica totalmente distinta. Felizmente, todo o resto do jogo apresenta uma qualidade de design de níveis e de puzzles absolutamente irrepreensível, conseguindo navegar com sucesso a linha ténue entre o demasiado fácil e o excessivamente desafiante.
Manifold Garden não é um jogo com uma narrativa, pelo menos não uma que seja explícita. Não há vozes, não há personagens e não há um texto explicativo para o que estamos a fazer dentro do jogo. A “recompensa” vem sob a forma da deslumbrante explosão de cores e de formas geométricas reminiscentes das obras de M. C. Escher com que somos brindados no final de cada conjunto de níveis. Ainda assim, qualquer forma de indicação narrativa teria sido bem-vinda, uma vez que dei por mim a questionar várias vezes a existência deste mundo ou os motivos para minha personagem querer conquistar os seus desafios. Esta ausência é algo sentida, mas não detrai excessivamente da excelência apresentada.
Outro aspeto relevante prende-se com a durabilidade da experiência de Manifold Garden, que ficou em cerca de 3 horas na primeira vez que atravessei a campanha do início ao fim. É, portanto, um jogo relativamente curto mas ao qual me vejo a regressar mais algumas vezes no futuro, não só por ser uma experiência memorável mas por ter ainda mais algumas horas de conteúdo opcional. Este é daqueles jogos onde se quer ver e passar por tudo, e o facto de ter áreas escondidas que se pode não encontrar na primeira passagem acrescenta algum valor de rejogabilidade.
Toda a experiência de Manifold Garden é acompanhada por uma banda sonora suave e subtil, mas que acrescenta bastante valor. É tão subtil que pode até passar algo despercebida, sobretudo quando se está concentrado num puzzle particularmente desafiante. Quando chegamos a uma das tais explosões de cores e formas no fim de um nível, relaxamos e conseguimos perceber a beleza da banda sonora, potenciando estes momentos já memoráveis. Já os efeitos sonoros também são relativamente simples, até algo genéricos, mas cumprem perfeitamente a função para os quais foram desenhados.
Por fim, há que olhar para o desempenho técnico de Manifold Garden. Nesta vertente, a experiência é quase irrepreensível, com a grande maioria dos níveis a poderem ser explorados e os seus puzzles resolvidos com uma framerate estável e fluída. Houve apenas uma área algo pequena onde verifiquei uma ligeira quebra. Tal aconteceu por causa da mecânica da replicação infinita dos espaços, que, por se tratar de uma área algo pequena, gerou demasiados elementos no ecrã por haver tantas cópias da mesma. Há também que referir que o jogo foi abaixo uma vez. Não causou grandes problemas, não tendo perdido qualquer progresso, mas é de lamentar um acontecimento que, de certa forma, mancha um pouco a minha experiência.
Conclusões
Manifold Garden oferece uma experiência desafiante e deslumbrante em iguais medidas. Com uma vertente visual absolutamente deslumbrante e um conjunto de mecânicas simples e engenhosamente levadas ao limite, não será exagerado afirmar que estaremos perante um dos melhores e mais criativos jogos recentes do género. Acima de tudo, Manifold Garden é memorável e facilmente recomendável, mesmo aos pouco habituados a jogos de puzzle.
O Melhor:
- Direção artística estupendamente bela
- Puzzles são desafiantes e resolvê-los gera sensações de conquista genuínos
- Design de níveis é extremamente engenhoso
- Vai introduzindo novas mecânicas a um ritmo bastante adequado
O Pior:
- A falta de uma narrativa explícita é sentida
Pontuação do GameForces – 9/10
Título: Manifold Garden
Desenvolvedora: William Chyr Studio
Publicadora:
Ano: 2020
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de um código gentilmente cedido pelo William Chyr Studio.
Autor da Análise: Filipe Castro
Mesquita
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