Um dos grandes pontos
positivos da atual geração de consolas foi a aposta reforçada das grandes
marcas em abrir as portas à vertente indie da indústria. Nos últimos anos,
temos visto uma torrente de criatividade e ideias inovadoras a saírem de estúdios
indie, aos níveis mecânico, visual ou narrativo. Cuphead foi um dos
produtos mais atraentes a sair deste “indie boom”, e muitos jogadores já se
haviam resignado que o jogo nunca chegaria à plataforma da Sony. Mas eis que 3
anos depois do seu lançamento original, o Studio MDHR nos brinda com um
lançamento inesperado na PlayStation 4. Mas será esta uma experiência um copo
cheio de qualidade, ou estaremos em breve todos a chorar sobre leite derramado?
Em Cuphead,
acompanhamos as aventuras de duas personagens animadas: o titular Cuphead e o
seu irmão Mugman. Os irmãos aventuram-se a um casino com um dono diabólico, e
numa onda de bons resultados acabam por perder uma aposta que lhes custará as
suas almas. O duo faz um acordo com o Diabo, e prometem ir recolher as almas de
todos os devedores das ilhas de Inkwell em troca da salvação. Mas como já
aprenderam, o Diabo não é de confiança, e um plano começa a ser formulado para
fazer frente ao malvado dono do casino e salvar as almas de toda a população. Assim,
os protagonistas partem para a aventura, tendo de enfrentar os vários devedores
que se transformarão em oponentes ferozes e se defenderão com todas as forças.
Se esta narrativa
relativamente simples, mas apelativa, parece ter sido retirada de um desenho
animado clássico da era dourada da animação Americana, então estamos perante o
primeiro aspeto brilhante do jogo produzido pelo Studio MDHR. Toda a
experiência audiovisual parece ter pegado em todas as forças das animações
americanas produzidas em meados do século XX e transformado as mesmas numa
experiência interativa nostálgica, coerente e deslumbrante. Visualmente parece
que estamos a assistir a produtos de uma era passada, com as cores vibrantes e
animações tão limpas e dançantes a saltarem à vista. E para uma sensação
nostálgica completa, temos uma banda sonora sempre animada e alegre reminiscente
destes desenhos animados. Mas desengane-se quem pensar que todo o apelo de Cuphead
reside nas suas direções artística e sonora fenomenais, pois este é um jogo
capaz de ombrear com os melhores.
No que à jogabilidade
diz respeito, as mecânicas de Cuphead assentam no género run and gun
com elementos de plataformas à mistura. As nossas habilidades são simples de
compreender: mexemo-nos num espaço em 2D, podemos saltar, podemos defletir alguns
elementos, podemos disparar ataques simples ou ataques especiais e podemos
impulsionar-nos para a esquerda ou direita. Depois de um tutorial que nos ensina
estas bases, somos postos num mapa pelo qual podemos navegar, interagir com
outras personagens e, claro, escolher o próximo nível a conquistar. Podemos
ainda encontrar pequenas tarefas secundárias para cumprir, como encontrar um
elemento perdido de um “barbershop quartet”, ou explorar lojas com várias
melhorias que podemos equipar na nossa personagem. Tudo o que se faz nestes
mapas acaba por ser pouco consequentes para o geral da experiência, mas acrescenta um pouco de profundidade a este mundo animado e pode fornecer pequenas
distrações bem-vindas depois de um nível frenético.
A maioria dos níveis acaba
por ser uma batalha contra um boss que teremos de derrotar para recolher a sua
alma e a entregar ao vilão do jogo. Cada batalha apresenta um oponente brilhantemente
desenhado, caracterizado e animado, reforçando a espetacularidade da direção
artística. Mas assim que começamos o nosso primeiro confronto, percebemos que estamos
perante um jogo brutalmente desafiante que levará ao limite o nosso domínio dos controlos
aparentemente simples. Cada boss apresenta várias fases que são
ativadas quando reduzimos a sua vida a um certo patamar, isto enquanto nos
vamos desviando dos seus ataques e prestamos atenção a armadilhas que ele vai
distribuindo pelo ecrã. Isto obriga-nos a ter de adaptar a nossa estratégia
várias vezes por batalha, recompensando a nossa capacidade de reação e
castigando a complacência. À medida que vamos progredindo no jogo, os bosses vão
ficando cada vez mais desafiantes, escalando de dificuldade a um ritmo muito
bom.
De facto, estas
batalhas são frenéticas, com muita informação no ecrã para ler e processar rapidamente.
Nos bosses contra os quais lutamos no chão, temos de prestar atenção a plataformas
que possam estar presentes ou que possam ir surgindo à medida que se entra numa
nova fase da batalha. Já quando o conflito ocorre no ar, e nos encontramos a
pilotar um pequeno avião de guerra, temos de utilizar os mesmos instintos que
um shoot ‘em up clássico evoca, e executar manobras apertadas para nos
esquivarmos de ataques e perigos que se aproximam do que vemos num bullet
hell. Tudo isto resulta em encontros desafiantes mas justos, onde a
precisão é exigida e uma cuidadosa utilização de todas as nossas habilidades é
obrigatória. Algumas destas batalhas chegam a ser tão complicadas que podem
gerar alguns momentos de frustração, sobretudo quando temos de repetir as
mesmas fases do mesmo boss vezes e vezes sem conta. Mas estes sentimentos são
muito rapidamente esquecidos, já que cada vitória difícil transmite uma
sensação de satisfação e de conquista como poucos outros jogos desta indústria
conseguem.
Podemos ainda
encontrar níveis que não nos colocam perante batalhas contra bosses,
nomeadamente alguns que se assentam no género de plataformas e outros que se
apresentam como curtos desafios de deflexão. Os níveis de plataformas apresentam
a estrutura esperada, tendo de percorrer os mesmos até chegar ao fim enquanto vamos
ultrapassando armadilhas ou derrotando inimigos. Nestes níveis, vamos
ainda colecionando moedas que podemos gastar nas já referidas lojas, comprando itens
que podemos aplicar à nossa personagem para obter novas formas de disparo ou
novas habilidades, como uma que nos torna invulneráveis durante uma esquiva. Os desafios
de deflexão são curtos níveis onde temos de impedir fantasmas cor de rosa de
atacarem uma taça possuída por um ser amigável. Para tal, temos de ir
defletindo cada inimigo, carregando no botão de salto quando estamos no ar e
próximos dos mesmos. No final de cada desafio, recebemos uma “super art”, que
podemos equipar e utilizar na nossa aventura. É certo que estes níveis não se
apresentam tão apelativos como os bosses, mas reforçam a criatividade dos
produtores do jogo e fornecem desafios diferentes, dando a Cuphead uma variedade
bem-vinda.
Portanto, estamos
perante um jogo que apresenta uma fórmula de excelência no que toca a quase
todos os aspetos da jogabilidade. E digo quase porque há certos problemas que
por vezes justificam a sensação de frustração mencionada anteriormente. O
primeiro problema prende-se com alguns elementos dos níveis que por vezes se
colocam à frente da ação tapando-nos ou a ataques inimigos. Depois, alguns dos
bosses utilizam ataques que começam a ser gerados fora do ecrã, podendo atingir-nos
caso tenhamos de nos encostar aos limites da arena para fugir ao perigo.
Por último, cada boss tem um leque de ataques disponíveis que vai utilizando e
misturando aleatoriamente. Geralmente, isto ajuda a manter o nível de desafio intacto
mesmo quando repetimos a mesma batalha várias vezes e impede-nos de arranjar um
padrão de ações repetível em cada encontro. No entanto, há ocasiões onde a aleatoriedade
das ações inimigas geram situações praticamente inescapáveis, levando-nos a ter
de aceitar sofrer dano. Nada disto é algo que prejudique gravemente a qualidade
da experiência, sobretudo por tão raramente se tornarem um problema. No entanto,
são vários aspetos do design que têm de ser apontados, sobretudo por se tratar
de um jogo onde a consistência da jogabilidade se apresenta como de importância
máxima.
No final de cada
nível, seja ele um encontro com um boss ou um nível de plataformas, o nosso
desempenho é avaliado, recebendo uma classificação que podem ir até ao A+. Os critérios
desta avaliação incidem sobre o tempo demorado, o dano sofrido, o nível de
dificuldade, o número de deflexões e no número de ataques especiais efetuados.
Ter uma nota mais ou menos elevada não confere nenhum benefício ou prejuízo em
particular, podendo progredir na aventura mesmo que se derrote cada boss cumprindo
os requisitos mínimos. Mas dá uma certa satisfação ver os itens da checklist
todos cumpridos quando se alcança uma vitória, partindo daqui o grande
incentivo para se rejogar Cuphead depois de o terminar. Depois dos
créditos finais, desbloqueamos ainda um novo nível de dificuldade, o que
incentivará os fãs da experiência a desafiarem-se ainda mais e a obterem um
novo nível de classificação S em todos os níveis. Estes incentivos são
bem-vindos, uma vez que os jogadores mais capazes poderão terminar com sucesso a
sua primeira aventura com Cuphead e Mugman em cerca de 6 horas, ou até menos.
Há que referir que os
jogadores poderão partir nesta aventura tanto a solo como num modo cooperativo,
recrutando um familiar ou amigo para se jogar lado a lado e com quem enfrentar todos os
desafios de Cuphead. Para um segundo jogador se juntar,
apenas será preciso ter um segundo comando compatível com a PlayStation 4
ligado e, tanto no mapa como já dentro de um nível, o segundo jogador clicar
em qualquer botão para confirmar a sua entrada no jogo. Isto traz algumas mudanças
ao jogo, uma vez que quando um dos jogadores for derrotado, será possível ao
parceiro revivê-lo através de uma deflexão bem colocada no fantasma da personagem vencida. Mas que não se pense que isto desequilibra o desafio desta
experiência, por a presença de dois jogadores leva a que o boss enfrentado seja
mais difícil de abater, sendo necessário infligir bastante mais dano no mesmo
para alcançar a vitória. Jogar neste modo adiciona mais um elemento a ter em
conta e pode acrescentar bastante valor de diversão, sendo portanto
incompreensível a ausência de um modo de cooperação online. Apenas é possível
jogar em cooperação localmente, e Cuphead fica claramente a perder por
não se poder jogar com um amigo noutra PlayStation 4, ou até noutra qualquer plataforma.
Para terminar, convém
olhar para aspetos mais técnico de Cuphead. Felizmente, toda a
experiência é fluída e suave, enaltecendo a excelente direção artística do
jogo. O desempenho é extremamente consistente tanto a solo como no modo
cooperativo, mesmo quando o ecrã se apresenta quase completamente ocupado com
personagens ou ataques, mantendo-se sempre nos 30 frames por segundo. Algo
de extrema relevância num jogo deste género e desta exigência é a velocidade de
input, que se apresenta sempre elevadíssima e leva a uma jogabilidade bastante
responsiva. Também os tempos de carregamento se apresentam consistentemente
baixos, nunca sendo necessário esperar muito para se entrar num novo nível ou
recomeçar uma batalha depois de uma das numerosas derrotas que todos
inevitavelmente sofrem.
Conclusões
Cuphead é muito mais do que a sua brilhante
e nostálgica direção artística. Quer a solo quer com um companheiro, enfrentar
e vencer qualquer um dos desafiantes bosses é extremamente gratificante e
emocionante. Em Cuphead os controlos são precisos, todo o design do
mundo e das personagens é fenomenal e a música acompanha toda a ação com
mestria. Mas, acima de tudo, é extremamente divertido e recompensante, como
poucos na indústria conseguem ser, afirmando-se como um dos melhores jogos
independentes desta geração.
O Melhor:
- Belíssima direção artística e sonora, inspiradas em desenhos animados clássicos
- Jogabilidade exigente e precisa, mas justa e divertida
- Na vitória, dá uma sensação de conquista como pouquíssimos jogos conseguem
- Inclusão de um modo cooperativo pode acrescentar muito valor à experiência, mas…
O Pior:
- … A ausência de um modo cooperativo online é incompreensível
- Pequenos problemas podem levar a momentos de frustração justificados
Pontuação
do GameForces – 9/10
Título: Cuphead
Desenvolvedora: Studio MDHR
Publicadora: Studio MDHR
Ano: 2020
Nota: Esta análise foi
realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de
um código gentilmente cedido pelo Studio MDHR.
Autor da Análise:
Filipe Castro Mesquita
[Análise] Cuphead [PS4]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
agosto 01, 2020
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