Mario é uma das personagens mais
icónicas dos videojogos. Com a sua enorme popularidade e apelo, é fácil entender
que a Nintendo tenha colocado os rostos familiares do universo Mario a
encabeçar experiências dos mais diversos géneros, desde os jogos de corridas Mario
Kart até vários títulos de desporto, incluindo Mario Tennis e Mario Golf.
Mas se há
uma “sub-série” Mario pela qual tenho um carinho especial, é Paper Mario – uma
série de RPGs que protagoniza o nosso canalizador favorito em aventuras com um
tom mais épico, esboçadas num estilo de papel característico. Com o lançamento
de Paper Mario: The Origami King, nós pensamos que não haveria melhor altura para mergulhar
um pouco na história desta série, e por isso iremos publicar vários artigos
sobre a mesma espalhados ao longo desta semana – a nossa Semana de Paper Mario!
E por onde melhor para começar do
que pelo princípio? Paper Mario, o primeiro jogo da franquia, foi lançado na
Nintendo 64 em 2001 (na Europa). Inicialmente, este projeto desenvolvido pela
Intelligent Systems era planeado como uma sequela a Super Mario RPG: Legend of
the Seven Stars para a Nintendo 64DD. No entanto, com o avanço do
desenvolvimento, este novo jogo distanciou-se do clássico da SNES e tornou-se num
recomeço para os RPGs Mario. Enquanto que no Japão o jogo foi intitulado Mario
Story, no resto do mundo foi denominado Paper Mario, devido à sua apresentação
única – uma escolha que viria a modelar o design dos títulos futuros da
série.
Ecrã de título de Super Mario RPG 2, mostrado no seu trailer de revelação da Nintendo Space World '97 |
Mas o estilo gráfico do jogo que
define Paper Mario não caiu do céu, longe disso! Após ter sido incumbida de
criar um novo Mario RPG, a equipa da Intelligent Systems ficou a cogitar: que
estilo de arte seria digno de estar lado a lado com Super Mario 64? Para tentar
levar o barco a bom porto, o staff dividiu-se em equipas, para tentarem fazer
em paralelo 3 modelos diferentes.
Foi um esboço de Naohiko Aoyama,
que era então um novato na companhia, que desencalhou o assunto. Enquanto
muitos desenvolvedores da época procuravam usar as capacidades das consolas da
época para exibir gráficos 3D realistas, Aoyama considerou que seria
refrescante utilizar as capacidades 3D da Nintendo 64 para enfatizar uma
apresentação 2D. Como tal, realizou a imagem base que podem ver abaixo, em que recorre
a polígonos 3D para destacar personagens e gráficos planos. Ficou decidido,
numa reunião de planeamento posterior, que este seria o estilo artístico a
utilizar, e Aoyama foi nomeado diretor de arte do jogo.
Imagem base criada por Naohiko Aoyama |
Quando este clássico chegou às
lojas, foi unanimemente aplaudido pela crítica, com várias publicações a considerá-lo
“o melhor RPG para a Nintendo 64”. E, agora que o revisito, quase 20 anos mais
tarde, posso dizer que continuo a apreciar o jogo, que se mantém uma
experiência sólida para os fãs do Mario e do género.
Não há dúvidas de que a direção
visual de Paper Mario é um dos fatores pelos quais o jogo envelheceu tão bem.
Seria injusto comparar o jogo às suas sequelas em consolas bem mais poderosas,
mas pelos seus próprios méritos o Mushroom Kingdom apresentado como um livro pop-up
mantém o seu fascínio. Não só o estilo artístico enche os olhos, mas também nos
mostra o universo Mario de uma forma como nunca tínhamos visto antes.
Ecrã de título final de Paper Mario |
A história de Paper Mario é
relativamente simples: Bowser, querendo derrotar o Mario de uma vez por todas,
invade o Star Haven. Lá, ele rouba a Star Rod, uma varinha capaz de conceder
todo e qualquer desejo, e captura os 7 Star Spirits que protegiam este
artefacto. Com esta varinha, Bowser torna-se invencível, facilmente derrota o
Mario e eleva o Castelo da Peach aos céus, aprisionando todos os que nele se
encontravam (incluindo a Princess Peach, que é na verdade a única coisa que
interessa ao vilão). Para que o herói consiga deter o agora todo-poderoso
antagonista, terá de conseguir encontrar os sete Star Spirits, que estão
protegidos por servos do Bowser em diferentes regiões do reino.
Se encararmos esta narrativa de uma
forma simplista, vemos que ela segue uma estrutura muito familiar: Bowser rapta
a princesa, e precisamos de atravessar 8 regiões para alcançar o Rei Koopa. Soa
preguiçoso? Poderia ser, mas Paper Mario adorna e adensa esta narrativa ao
conceder diálogos ricos quer às personagens chave da franquia quer a encantadoras
personagens inéditas, dando assim um tom mais épico a este conflito clássico e
acrescentando uma pitada muito bem-vinda de humor.
Kammy Koopa a posicionar estrategicamente um cogumelo para impedir o progresso do Mario |
Para além dos diálogos e
personagens, também o mundo de Paper Mario se apresenta memorável por si só. Cada
capítulo do jogo introduz-nos a uma nova região e comunidade, cada qual com novos
enigmas e contratempos para Mario resolver e vários NPCs com quem conversar. Ao
contrário do que se poderia esperar de um RPG com esta idade, o mundo de jogo
não é estático; graças ao uso inteligente das ferramentas concedidas ao canalizador,
a travessia pelos cenários é uma missão tão interessante como os combates em
si. A cereja no topo do bolo é os “postos” dos servos do Bowser: estes
constituem pequenas dungeons nas quais usamos as habilidades do nosso
herói para resolver vários puzzles e alcançar os Star Spirits aprisionados. Estas
são algumas das localizações mais memoráveis do universo Mario, incluindo cenários tão diversos como uma caixa de brinquedos e um palácio de cristal!
Como não podia deixar de ser, todas
estas regiões estão infestadas pelos lacaios do Bowser, que temos de enfrentar
em batalhas por turnos. E que sistema de combate que este jogo tem! São muitas as peças que o tornam rico e complexo, mas ao mesmo tempo intuitivo e recompensante.
Em primeiro lugar, os action commands,
minijogos de timing associados aos ataques, regressam de Super Mario RPG, e conferem
um maior dinamismo às lutas. Não só temos de ter em atenção os típicos stats,
mas também ganhar maestria no timing dos ataques, para conseguirmos
provocar o maior dano possível aos inimigos. Pela mesma moeda, também podemos
bloquear as investidas adversárias, pelo que também quereremos aprender os
padrões de ataque adversários.
Por este motivo, a introdução de
novos inimigos por si só já é suficiente para impedir que as batalhas se tornem
repetitivas ou monótonas. E variedade de inimigos é o que não falta! Para além
de um novo padrão de ataques, cada inimigo pode apresentar características como
asas, carapaças e espinhos, que intuitivamente nos informam sobre quais abordagens
serão ou não eficazes contra eles.
Ecrã de combate de Paper Mario |
Isto porque, para além do Salto e
do Martelo do Mario, vamos ao longo da história recrutando vários parceiros que
dão uma camada de densidade à jogabilidade. Cada um destes possui um conjunto
de ações próprias em batalhas, algo que combinado com os variados inimigos faz
com que não haja uma escolha certa para todas as batalhas. Como se não
bastasse, estes parceiros também possuem habilidades fora do combate que nos permitem
interagir com o cenário, pelo que cada novo membro na equipa funciona como uma
chave para novas áreas do mapa e enriquece a sua exploração!
Lamentavelmente, o seu papel na narrativa
é praticamente nulo. A introdução destas personagens é breve, e após se
juntarem ao Mario são colocados de lado da história quase imediatamente. A
partir desse momento, a sua presença resume-se aos seus usos práticos e à
leitura de cartas que os seus familiares lhes enviam. Pelo menos a sua caracterização inicial é suficiente
para estabelecer as suas personalidades e motivações.
Uso de Sushie, um parceiro Cheep Cheep, para atravessar cursos de água |
Um toque especial que gostava de
ver replicado noutros RPGs é o sistema de vida do jogo. Enquanto a grande parte
dos jogos do género aumenta, a cada nível, os stats das personagens de
um modo arbitrário e pouco intuitivo, Paper Mario mantém ao longo da aventura valores
de ataque e vida baixos para o Mario e seus inimigos. Isto não só torna mais
fácil avaliar mais criticamente os adversários, mas também aumenta o nosso
prazer quando finalmente conseguimos melhorias de ataque, bem como o nosso assombro
quando descobrimos um inimigo mais poderoso.
Por fim, existe também um sistema
de badges – itens equipáveis com efeitos variados no combate e na exploração, utilizados
em slots limitados. A sua inclusão adiciona uma componente de
customização versátil, que permite ao jogador privilegiar certos atributos e
formas de combate, e aumenta o valor de rejogabilidade de Paper Mario e a variabilidade das experiências dos jogadores, que poderão optar por estratégias mais defensivas ou mais arriscadas.
É até surpreendente o quanto o
jogo se mantém ao mesmo tempo acessível e mecanicamente sólido, especialmente depois
de tanto tempo! Contudo, se tivesse de indicar uma área na qual o jogo
envelheceu pior, certamente apontaria o dedo aos colecionáveis. Apesar de
muitos estarem engenhosamente escondidos em locais que os mais curiosos
descobrirão se mantiverem os olhos bem abertos, uma porção demasiado
significativa está oculta em locais que não são distintos dos demais. É
possível adquirir pistas que indicam a localização destes itens, mas isso só
torna algo que podia ser uma recompensa pela exploração numa mera lista de
tarefas. Mas isto é apenas um pequeno pormenor relacionado com uma componente
totalmente opcional do jogo.
Uma invejável recompensa que obtemos por realizar favores a Koopa Koot |
Tudo o que vimos torna Paper
Mario numa experiência coesa e cativante do início ao fim, mesmo sob o prisma
dos jogos atuais. É por isso uma pena que, atualmente, apenas se possa
experienciar esta aventura adquirindo a versão digital na eShop da Wii U ou
hipotecando a casa para comprar uma cópia usada para a Nintendo 64. Mas para
aqueles que conseguirem deitar as mãos neste jogo, não existem dúvidas: Paper
Mario resiste imperiosamente ao teste do tempo como um magnífico RPG que os fãs
do famoso canalizador devem experimentar - quer miúdos quer graúdos, quer casuais quer veteranos.
Publicidade de 2001 de Paper Mario |
Fontes:
Próximo artigo da Semana de Paper Mario: Sticker Star - Uma direção que não cola
Retrospetiva: Paper Mario (N64)
Reviewed by Tiago Sá
on
julho 20, 2020
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