Está quase a chegar ao
fim mais uma geração de consolas. Foram já quase 7 anos de PlayStation 4, anos
estes recheados de excelentes jogos e de enormes exclusivos. Com a nova consola
no horizonte, tinha de chegar o dia em que jogaríamos o último exclusivo, e eis
que nos chega Ghost of Tsushima. E quem melhor do que a Sucker Punch
para encerrar este ciclo, a mesma Sucker Punch responsável por inFamous:
Second Son, um dos primeiros grandes exclusivos desta ilustre consola. Com
uma mudança de direção algo radical, este jogo tentará ser uma última
demonstração do poderio e da qualidade presente nos estúdios PlayStation, no
que à PS4 diz respeito. Mas será Ghost of Tsushima um golpe certeiro, ou
apenas uma miragem fantasmagórica?
A história de Ghost
of Tsushima passa-se no final do século XIII, quando uma força invasora
mongol desembarca na ilha japonesa de Tsushima com o propósito de a conquistar.
Para fazer frente a esta invasão, Jin Sakai, último elemento vivo da sua
família samurai, junta-se ao seu tio Shimura, o senhor feudal da ilha, numa
batalha para repelir Khotun Khan e o seu exército. Mas os esforços são em vão,
com Khan a aniquilar quase todos os samurai, a ferir Jin e a aprisionar
Shimura. Salvo por uma ladra chamada Yuna, Jin terá de encontrar novas forças e
angariar novos aliados para salvar o seu tio e derrotar Khan de uma vez por todas,
de modo a salvar a sua casa.
Mas claro que a luta
contra o Khan não se revela fácil. Numa narrativa repleta de histórias de
traição, de vingança e de conflito armado, Jin vai percebendo que o exército
mongol tem a lição bem estudada e os pontos fracos da filosofia samurai bem
presentes. Assim, ao longo da campanha vamos assistindo a um Jin mais ciente
das limitações que o seu código de honra lhe impõe e a decidir utilizar
táticas mais furtivas, mortíferas e desonrosas aos olhos da educação que
recebeu. Isto leva a momentos genuinamente interessantes de introspeção e de
conflito internos em Jin, que vai evoluindo de uma personagem estoica mas
estanque para uma mais decidida à medida que vai aceitando a sua nova persona
de Ghost. Tudo isto é contado com mestria nas missões principais de Ghost of
Tsushima, que fazem um excelente trabalho em mostrar o como e o porquê de
Jin ir cometendo atrocidades em nome da defesa do seu povo e da sua terra
natal.
Neste sentido, olhemos
para a jogabilidade de Ghost of Tsushima, começando pelas situações de
conflito. Sempre que Jin se cruza com inimigos, sejam eles invasores ou
mercenários traidores, há sempre dois caminhos para resolver a questão: o
combate ou a furtividade. O combate é extraordinariamente preciso e impactante,
com cada confronto a levar a trocas de golpes de espadas entusiasmantes, sobretudo em duelos de um para um que constituem as batalhas com
bosses. Cada ação tem de ser medida e pensada com cuidado, pois uma pequena
falha deixa-nos expostos a contragolpes devastadores, ainda para mais quando
nos encontramos rodeados de inimigos com várias armas. Temos várias posturas à
nossa disposição, cada qual será mais eficaz contra inimigos específicos, e
temos várias técnicas ou utensílios ao nosso dispor, com nosso arsenal e leque
de opções a aumentar à medida que vamos enfrentando mais inimigos, explorando o
mundo, avançando na história ou realizando missões secundárias.
Há que referir ainda a
mecânica “standoff”, um dos grandes pontos altos da experiência. Ao
aproximarmo-nos de um grupo de inimigos, podemos desafiar os seus combatentes
mais competentes para confrontos singulares. Aqui, teremos de prestar atenção
aos movimentos do oponente e esperar que ele tome a iniciativa para desferir um
golpe potente que o elimine. Um erro representa o sofrer de danos pesados, pelo
que estes momentos são sempre tensos mas entusiasmantes, não interessa a
quantidade de vezes que as experienciamos.
A outra opção, e a
menos honrosa de acordo com o código samurai, é resolver encontros sem sermos
detetados e sem confrontarmos diretamente os inimigos de Jin. Para tal, temos
também um variadíssimo leque de opções ao dispor. Desde navegarmos escondidos
na relva para assassinar os inimigos um por um, vários tipos de flechas (leves,
pesadas, explosivas ou em chamas), ou diversas armas com o propósito de
desorientar ou danificar as forças inimigas à distância, há muita margem de
manobra para experimentação e combinações de ataques e técnicas. Temos sempre
várias opções no que toca à ação seguinte, e podemos adotar estratégias mistas,
onde, por exemplo, reduzimos o número de inimigos na zona para enfrentar em
combate menos oponentes. Tudo isto torna cada encontro com inimigos ocasiões
entusiasmantes e tensas, onde a atenção às animações, às movimentações e às
características de cada oponente desempenham papéis fundamentais no formular da
estratégia a adotar em cada situação.
Um último aspeto
relevante nas situações de conflito é a mecânica de determinação. Por cima da
barra que representa a vida de Jin, podemos encontrar pequenas esferas que
representam a determinação que vamos acumulando ao derrotar inimigos ou
defletir seus ataques. Estas esferas apenas podem ser utilizadas quando
totalmente preenchidas, e servem sobretudo duas funções importantíssimas. Para
começar, algumas das habilidades mais devastadoras requerem o consumo de
algumas destas esferas. Depois, podemos consumir esferas de determinação para
recuperar alguma vida ou até reviver Jin quando a sua vida atinge zero. Tudo
isto permite que o combate se apresente tão exigente sem nunca parecer
desequilibrado, quer se esteja a experienciar a campanha na dificuldade mais
baixa ou mais elevada.
Ghost of Tsushima apresenta-nos toda a ilha japonesa
que dá nome ao jogo como mundo aberto para explorar. E neste aspeto, estamos
perante um jogo que se destaca dos demais. Enquanto se pode argumentar que muito
do espaço se encontra despovoado e sem muito para fazer, é impossível não
apontar a enorme qualidade do trabalho na criação e design destes espaços. As
paisagens são absolutamente deslumbrantes, ao ponto de ter dado por mim a não
querer usar o sistema de fast travel. Sempre que tinha de percorrer
grande distâncias para chegar a um objetivo, fazia-o sem qualquer problema. Bem
pelo contrário, foram alguns dos momentos mais prazerosos das cerca de 40 horas
de jogo. Isto porque a beleza das vistas e paisagens era acompanhada por um
sistema de navegação extremamente engenhoso. Nestes momentos, a interface de
utilizador era mínima ou inexistente, com as rajadas de vento a apontarem a
direção do objetivo, ou pequenos pássaros ou raposas a dirigirem-se a pontos de
interesse próximos. É uma ideia tão simples mas tão bem implementada que
proporciona momentos de imersão sem igual, e eleva a fasquia no que toca ao
design de mundos abertos.
Mas claro que a ilha
de Tsushima não se encontra completamente vazia, estando até bem recheada de
conteúdo adicional e secundário. Podemos deparar-nos com locais com águas
termais, repousos para refletir e escrever um haiku, santuários ou canas de
bambu para cortar com a nossa espada. Muitas destas atividades são coerentes com
o contexto no qual o jogo decorre, e todas elas nos dão algo de útil ou
interessante, havendo sempre um incentivo a explorar e participar nestas
atividades mesmo quando estas se começam a tornar repetitivas e rotineiras.
Podemos também encontrar, de forma que se sente sempre natural, vários NPCs que nos fornecem missões secundárias para
cumprir. Algumas destas missões são extremamente interessantes e ajudam
bastante a enriquecer o mundo onde nos encontramos, particularmente as missões
míticas baseadas em histórias e folclore da ilha. Também as missões dadas por
aliados que acompanham a aventura de Jin são de destacar, visto dão bastante
mais profundidade a cada uma destas personagens e contribuem para o conflito que
marca a narrativa principal.
Outro aspeto relevante
e que há que destacar é a personalização da experiência. Um dos pontos focais
da promoção de Ghost of Tsushima prendeu-se com a homenagem que o jogo
pretende fazer a outras peças de entretenimento que giram à volta da era dos
samurais. Esta homenagem culmina com um modo Kurosawa, que aplica filtros
visuais e sonoros com a intenção de replicar a sensação de se estar a ver um
filme clássico do lendário cineasta Akira Kurosawa. Neste modo, o jogo retém
todo o seu esplendor com um filtro a preto e branco, o som da ação ou das falas
fica algo abafado e o jogo passa a usar a dobragem para japonês (também disponível fora deste modo). Quanto a aspetos de personalização
mais específicos, durante o jogo, e sobretudo na realização das muitas
atividades secundárias, vamos desbloqueando várias armaduras ou bainhas para a
nossa espada, sendo possível personalizar bastante o aspeto de Jin e torná-lo
mais nosso. Vamos também adquirindo amuletos que nos conferem melhorias e bónus
em vários aspetos da jogabilidade, pelo que é também possível personalizar esta
vertente. O melhor disto tudo é que todos os desbloqueáveis são adquiridos
dentro do jogo, uma abordagem infelizmente pouco habitual mas sempre bem-vinda
numa indústria cada vez mais focada em microtransações e pequenos pacotes de
conteúdo pagos.
Ghost of Tsushima, certamente merece todos os
elogios e louvores que lhe têm chegado. No entanto, não deixa de ser um jogo com
os seus problemas, que, apesar de pequenos, são vários a apontar. O combate vê
por vezes a sua fluidez a ser interrompida por problemas de câmara, que se
apresenta algo defeituosa no acompanhamento da ação, sobretudo quando defletimos
ataques inimigos. Aqui, também a falta de um sistema de mira acaba por levar a
momentos algo bizarros, com o jogo a apresentar ocasionais problemas em ler a
direção na qual se manda Jin atacar, levando-nos a cortar o ar e falhar por
completo os inimigos. Na furtividade, aconteceu-me algumas vezes tentar
realizar assassínios em cadeia para ficar a ver Jin ficar preso a um objeto no
caminho e realizar a animação ao lado do alvo, enquanto o mesmo se preparava para
atacar. São erros notáveis mas derradeiramente pouco frequentes, ficando a
sensação de que com mais umas semanas de trabalho estes não existiriam.
Contudo, há uma vertente
do jogo que apresenta problemas mais sérios. Em algumas missões ou atividades
secundárias, temos de atravessar áreas mais montanhosas e entrar em sequências
de plataformas, utilizando um gancho, saltando de um lado para o outro e
trepando paredes. É nestas secções que as mecânicas se apresentam mais toscas.
Os saltos de Jin são altamente inconsistentes, com dois saltos virtualmente idênticos
a poderem ter resultados completamente diferentes. A quantidade de vezes que
fiz Jin cair para a sua morte por o seu salto não ter atingido a distância que
devia foi frustrante, sobretudo quando duas ou três tentativas depois o mesmo
salto resulta em sucesso. Outra coisa notória foi a perda de impulso algo
espontânea que ocorre inexplicavelmente quando tentei correr para ganhar
balanço para um salto. Esta mecânica, e até as suas animações, apresentam-se
demasiado próximas das que encontramos na série inFamous, mas sem a manobrabilidade
que a caracteriza, levando a que os saltos de Jin se apresentem demasiado inconsistentes
e que estas secções se tornem um exercício de resistência à frustração.
Por fim, há que olhar
para aspetos mais técnicos. Começando pela vertente visual, já referi a beleza
incomparável dos cenários de Ghost of Tsushima. Esta beleza apenas é
possível graças a uma direção artística que a enalteça e que se apresenta coerente
com o contexto histórico e cultural da narrativa. Toda a fauna e flora se apresenta bastante dinâmica, apesar de alguns problemas de resolução ou de nitidez de
texturas de alguns modelos de personagens, sobretudo em cutscenes de
missões secundárias. Contudo, as animações apresentam-se nítidas e sempre
fáceis de seguir, tendo havido um trabalho notável neste aspeto sobretudo no
que diz respeito ao combate e aos ataques furtivos.
A vertente sonora é
uma das áreas absolutamente irrepreensíveis da experiência. A música é de uma
beleza notável e ajuda significativamente a tornar a experiência tão imersiva
ou a enaltecer os altos e baixos da aventura de Jin. Os desempenhos dos atores estão
bastante bem conseguidos, tanto os que dão as vozes em inglês como em japonês,
pese embora a versão japonesa seja uma dobragem e que este facto seja algo
evidente pela disparidade entre as falas e as animações bocais. No que refere a
efeitos sonoros, estes são todos muito bem conseguidos, com o cada choque de
espadas ou disparo de flechas a soarem pesados e intensos.
Olhando para o desempenho
do jogo, há que destacar os temos de carregamento extraordinariamente rápidos.
É espantoso verificar que o carregamento de um mundo aberto tão expansivo
demora apenas alguns segundos, nunca se demorando mais que isso quando se morre
ou se utiliza o fast travel. De resto, Ghost of Tsushima corre de forma
bastante estável durante a maioria do tempo, com uma ou outra ligeira quebra na
framerate a ocorrer muito raramente e apenas quando o ecrã se encontra
particularmente povoado.
Conclusões
Ghost of Tsushima é uma verdadeira ode à história e
cultura japonesas, e mais um excelente jogo da biblioteca PlayStation. Com o
mundo aberto mais belo da geração, e um sistema de combate exigente, preciso e
gratificante, este jogo apresenta várias ideias refrescantes e engenhosas que
contribuem para uma experiência bastante imersiva. Este é um título que faz
quase tudo bem, e que dará aos fãs de jogos de ação e de entretenimento relacionado
com samurais tudo aquilo que se poderia pedir. Ghost of Tsushima é um
exemplo perfeito da qualidade avassaladora dos exclusivos da PlayStation 4,
fechando em beleza um ciclo geracional recheado de excelência.
O Melhor:
- A história é interessante e enaltecida por uma boa porção das missões secundárias
- Os cenários e paisagens são dos mais belos que vimos em toda a geração
- Combate é preciso e desafiante, com os “standoff” a serem sempre entusiasmantes
- Navegar pelo mundo é extremamente imersivo graças a mecânicas engenhosas
O Pior:
- Secções de plataformas são demasiado inconsistentes e frustrantes
- Alguns problemas com a câmara ocasionalmente prejudicam fluidez do combate
Pontuação
do GameForces – 9/10
Título: Ghost of
Tsushima
Desenvolvedora: Sucker
Punch
Publicadora: Sony
Ano: 2020
Autor da Análise:
Filipe Castro Mesquita
[Análise] Ghost of Tsushima [PS4]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
julho 30, 2020
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