Retrospetiva | Hey! Pikmin

No seu lançamento, Hey! Pikmin parecia uma despropositada piada de mau gosto. Dois anos antes, Miyamoto tinha afirmado numa entrevista à Eurogamer que “Pikmin 4 estava em desenvolvimento e quase finalizado”. Com uma legião de fãs ansiosos por uma quarta aventura de qualidade em tempo real, o anúncio seguinte da série Pikmin… foi um jogo de plataformas 2D para a Nintendo 3DS.

Era inevitável que, no lançamento, o jogo fosse julgado à luz das elevadas expectativas que os fãs alimentavam. Por isso, agora que temos o Pikmin 4 profetizado pelos Deuses nas mãos, talvez seja a melhor hora para revisitarmos a ovelha negra da série e averiguarmos se reluz mais ao escrutínio de olhos mais sorridentes. Até porque, sem contar o recém-lançado Pikmin 4, todas as aventuras Pikmin foram lançadas pelo menos duas vezes, e a vez de Hey! Pikmin há de chegar!

Mesmo com uma mudança radical na jogabilidade, há coisas que nunca mudam em Pikmin. Olimar, fiel a si mesmo, atira a sua nave contra um meteorito, despenha-se novamente no planeta dos Pikmin e, como manda a sua tradição, tem de resolver um problema com a sua nave para voltar para casa. Desta vez, Olimar tem de recolher os tesouros espalhados pelo planeta para extrair o combustível (Sparklium) que estes possuem, até atingir os 30 000 Sparklium necessários para voltar a casa. Assim, são combinadas as premissas de Pikmin 1 e Pikmin 2, numa experiência inferior a ambos os jogos!

Não liguei muito a este objetivo: esta é a segunda vez que vivencio Hey! Pikmin e, por isso, já vim bastante calejado para esta segunda ronda. Na minha primeira passagem pela aventura, atingi os 30 000 Sparklium quando ainda me faltavam 5 mundos para terminar os níveis e recebi prontamente um novo objetivo: “por favor, termina o resto dos níveis que a equipa de desenvolvedores tão empenhadamente criou”. Por isso, desta vez ignorei os níveis opcionais que só nos dão Sparklium extra e o Pikmin Park, um parque em que ordenamos aos Pikmin recrutados nos níveis que recolham Sparklium do ambiente “em tempo real”, como num dos velhinhos jogos free-to-play do Facebook. Estava todo repimpado com a satisfação de ignorar esta componente imprestável do jogo, até chegar ao final do jogo e descobrir, no meio de um discorrer de pragas, que eu precisava de encontrar alguns objetos no parque para chegar aos 100%.

Portanto, quase todo o Sparklium que obtive teve origem no Sparklium e tesouros espalhados pelos mundos de Hey! Pikmin (e, mesmo assim, alcancei os 30 000 Sparklium com três mundos por desbravar). Estes mundos, em estrutura e progressão, nada têm a ver com as áreas de Pikmin 1, 2 ou 3. Tal como nos New Super Mario Bros. e tantos outros jogos de plataforma, estão divididos em níveis que devem ser concluídos numa ordem específica. Um nível por mundo tem uma saída secreta, que nos permite desbloquear um nível opcional mais árduo. Após finalizarmos todos os níveis de um mundo, temos de enfrentar um boss para desbloquear o conjunto de desafios seguinte. Os níveis individuais, por sua vez são lineares e terminam quando atingimos uma meta, não havendo qualquer sistema de tempo ou de vidas. Pelo caminho, podemos encontrar dois ou mais tesouros que, sendo completamente opcionais, impulsionam as nossas reservas de Sparklium.

Nada disto cheira a Pikmin, pois não? Em Hey! Pikmin, as raízes da série de estratégia em tempo real secam, e no seu lugar cresce uma experiência de plataformas 2D tradicional. Os elementos Pikmin residem, então, na jogabilidade imediata: Olimar, a personagem que controlamos, apenas consegue caminhar, planar durante alguns segundos usando um jetpack e, hmm, estou a esquecer-me de algo… Ah, atirar os Pikmin!

É atirando os Pikmin que derrotamos inimigos, construímos pontes, destruímos obstáculos e recolhemos tesouros e Sparklium. Para assegurar que os arremessos têm a devida precisão, os controlos do jogo exigem que seguremos a consola e manipulemos o analógico com uma mão e usemos a outra para dirigir os arremessos com o ecrã táctil – num esquema de controlos similar a Kid Icarus Uprising. Este jogo é conhecido como o destruidor de punhos, mas felizmente nunca sofri de dor no punho em Kid Icarus Uprising ou Hey! Pikmin, mesmo após sessões de jogo prolongadas, e não posso apontar esta crítica ao jogo (admito que esta é uma das gabarolices mais tristes da minha vida).

Por causa deste esquema de controlos, a ação de Hey! Pikmin decorre no ecrã inferior da 3DS, embora o ecrã superior aumente o nosso campo de visão. Tendo em conta que o ecrã de toque é o centro da ação, é compreensível que o jogo não tenha suporte a 3D. Não é, pelo contrário, compreensível que o jogo apresente ocasionais quedas da taxa de fotogramas alvo de 30FPS numa New 3DS XL, mesmo ostentando gráficos apelativos e panos de fundo detalhados para a 3DS.

Os Pikmin em si regressam nos cinco tipos presentes na aventura de Pikmin 3: vermelho, amarelo, azul, pedra e alado. Todos preservam as suas valências originais, que são devidamente aproveitadas nos níveis. Por exemplo, os Pikmin alados são atirados como um bumerangue em vez de fazerem uma trajetória parabólica, e lentificam as quedas de Olimar, permitindo a existência de layouts com maior verticalidade. Por seu lado, os Pikmin amarelos podem ser atirados a maiores altitudes, algo que é aproveitado em alguns puzzles que envolvem o ecrã superior.

Aproveitando as diferenças dos vários tipos de Pikmin e introduzindo diferentes obstáculos e inimigos, os níveis têm primariamente desafios simples de puzzle, com umas pitadas de combate e exploração por segredos. Num nível, temos de subir uma “torre” sem quaisquer Pikmin, ou seja, sem poder destruir barreiras ou derrotar inimigos e, após recrutarmos pequenos ajudantes no topo, descemos o mesmo percurso destruindo tudo e todos. Noutro, mergulhamos num abismo com a ajuda de alguns Pikmin alados, tendo de fugir dos obstáculos no nosso trajeto e manter um olhar atento para chegarmos a tempo aos bónus opcionais. Existe também um em que apanhamos a boleia de uma plataforma ascendente e temos de destruir os obstáculos sobre nós antes de sermos esmagados pelos mesmos. Embora interessantes, estas ideias não são inovadoras ou memoráveis; admito que tive de puxar pela cabecinha para me lembrar destes conceitos, meros dias após completar a aventura.

Cada nível dura cinco a dez minutos e não tem qualquer checkpoint – o que revela não só a sua facilidade, mas também a crença dos desenvolvedores na sua facilidade. Em várias ocasiões, e especialmente nos primeiros mundos, progredir com Olimar é tão simples que acabamos por jogar em autopiloto - tanto que a minha maior frustração com as saídas secretas, que estão normalmente perto do final normal do nível e, por isso, nos obrigam a repetir vários minutos do nível sem motivo. Infelizmente, a dificuldade vai do oito ao oitenta num piscar de olhos: basta decidirem fazer 100% na aventura. 

Se concluir o jogo normalmente é tão fácil, porque é que isto não é canja? Não é suficiente finalizar todos os níveis com todos os tesouros para poderem adicionar uma platina ao currículo; também precisam de terminar todos os níveis com vinte Pikmin vivos. Em cada mapa, só podemos formar um exército de até vinte Pikmin, e o jogo só nos dá mais Pikmin se tivermos menos de dez. “Sim, mas não precisas que o jogo te dê mais Pikmin se não os perderes.” Pois, mas é que o trabalho de década e meia de aperfeiçoamento do AI dos Pikmin não teve qualquer tradução para o plano 2D. Perdi a conta ao número de vezes que quase atirei a consola pela janela porque os Pikmin marcharam com confiança até um pilar de fogo. Ou porque Olimar acionou uma transição de cenário repentina e imprevisível e os Pikmin no fundo da fila foram abandonados como um bebé à porta de um orfanato. Ou porque um Pikmin não me seguiu quando entrei numa porta sem possibilidade de retorno, e passado alguns segundos ele suicidou-se de solidão porque, por algum motivo, essa é uma mecânica do jogo. Tal como em Pikmin 1, não tenho pena nenhuma dos Pikmin falecidos; aliás, antes de cada reset, costumo liquidar a equipa inteira. ...Psiquiatra? Não preciso, porque perguntam?

Portanto, tendo em conta tudo isto, o jogo mereceu todas as críticas que lhe foram apontadas? Não… mas também não merece uma ovação de pé. É uma divertida forma de queimar algumas horas, e uma curiosa reimaginação dos Pikmin e dos seus inimigos naturais em duas dimensões. Como spin-off que é, o título da 3DS acrescenta peaners ao universo de Pikmin. Talvez a sua mais interessante inclusão seja um montão de micro cinemáticas dos Pikmin em pequenas peripécias engraçadas. Tendo em conta que nos títulos anteriores os Pikmin pouco mais são do que soldados impenetráveis de olhar vazio a seguir cegamente o líder, é encantador vê-los caracterizados como pequenos golden retrievers que se dedicam a pequenas parvoíces dignas de curtas do Tiktok.

E não posso também ignorar os registos de Olimar que, não sendo tão cativantes como os da Piklopedia e Treasure Hoard de Pikmin 2, mantêm-se um prazer de ler. Não só é fascinante conhecer os nomes que Olimar e a sua nave dão aos objetos do nosso dia a dia que, para eles, são Tesouros, mas também devorar as reflexões e recordações que os inimigos e objetos instigam no protagonista. Aliás, se usarem um amiibo de Olimar, Pikmin ou das séries Mario, Splatoon ou Animal Crossing no jogo, obterão um tesouro correspondente, e novas descrições imaginativas em que Olimar tenta interpretar a estátua misteriosa na sua frente – chamando os Boos de Marshmallows com caninos, ou comparando encarecidamente a Princess Daisy à sua filha.


Por fim, o jogo deixa-nos também a sua excelente banda sonora, que não poderia deixar de destacar: a mudança radical no gênero fez-se acompanhar de uma mudança do estilo das melodias, que passaram a ser mais chamativas sem perder a identidade da série graças à instrumentação similar à usada nos jogos principais. Poderá ser injusto comparar este conjunto de músicas com os restantes títulos Pikmin mas, se me permitem o atrevimento, este rivaliza com Pikmin 2, que tem de longe as melhores peças musicais da trilogia.


Título: Hey! Pikmin
Desenvolvedora: Arzest, Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2017

Nota: Esta retrospetiva foi realizada com base na versão física do jogo para a Nintendo 3DS, através de uma cópia adquirida pelo redator. As imagens utilizadas na retrospetiva foram recolhidas dos trailers do jogo publicados pela Nintendo of America.

 Autor do Artigo: Tiago Sá

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Retrospetiva | Hey! Pikmin Retrospetiva | Hey! Pikmin Reviewed by Tiago Sá on julho 25, 2023 Rating: 5

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