Mesmo com uma mudança radical na
jogabilidade, há coisas que nunca mudam em Pikmin. Olimar, fiel a si mesmo,
atira a sua nave contra um meteorito, despenha-se novamente no planeta dos Pikmin e, como
manda a sua tradição, tem de resolver um problema com a sua nave para voltar
para casa. Desta vez, Olimar tem de recolher os tesouros espalhados pelo planeta
para extrair o combustível (Sparklium) que estes possuem, até atingir os 30 000 Sparklium necessários para voltar a casa. Assim, são combinadas as premissas de Pikmin 1
e Pikmin 2, numa experiência inferior a ambos os jogos!
Não liguei muito a este objetivo: esta
é a segunda vez que vivencio Hey! Pikmin e, por isso, já vim bastante calejado
para esta segunda ronda. Na minha primeira passagem pela aventura, atingi os 30 000
Sparklium quando ainda me faltavam 5 mundos para terminar os níveis e recebi
prontamente um novo objetivo: “por favor, termina o resto dos
níveis que a equipa de desenvolvedores tão empenhadamente criou”. Por isso, desta vez ignorei os
níveis opcionais que só nos dão Sparklium extra e o Pikmin Park, um parque em
que ordenamos aos Pikmin recrutados nos níveis que recolham Sparklium do
ambiente “em tempo real”, como num dos velhinhos jogos free-to-play do
Facebook. Estava todo repimpado com a satisfação de ignorar esta componente
imprestável do jogo, até chegar ao final do jogo e descobrir, no meio de um discorrer
de pragas, que eu precisava de
encontrar alguns objetos no parque para chegar aos 100%.
Portanto, quase todo o Sparklium que obtive teve origem no Sparklium e tesouros espalhados pelos mundos de Hey! Pikmin (e, mesmo assim, alcancei os 30 000 Sparklium com três mundos por desbravar). Estes mundos, em estrutura e progressão, nada têm a ver com as áreas de Pikmin 1, 2 ou 3. Tal como nos New Super Mario Bros. e tantos outros jogos de plataforma, estão divididos em níveis que devem ser concluídos numa ordem específica. Um nível por mundo tem uma saída secreta, que nos permite desbloquear um nível opcional mais árduo. Após finalizarmos todos os níveis de um mundo, temos de enfrentar um boss para desbloquear o conjunto de desafios seguinte. Os níveis individuais, por sua vez são lineares e terminam quando atingimos uma meta, não havendo qualquer sistema de tempo ou de vidas. Pelo caminho, podemos encontrar dois ou mais tesouros que, sendo completamente opcionais, impulsionam as nossas reservas de Sparklium.
Nada disto cheira a Pikmin, pois
não? Em Hey! Pikmin, as
raízes da série de estratégia em tempo real secam, e no seu lugar cresce uma experiência
de plataformas 2D tradicional. Os elementos Pikmin residem,
então, na jogabilidade imediata: Olimar, a personagem que controlamos, apenas consegue
caminhar, planar durante alguns segundos usando um jetpack e, hmm, estou
a esquecer-me de algo… Ah, atirar os Pikmin!
É atirando os Pikmin que derrotamos inimigos, construímos pontes, destruímos obstáculos e recolhemos tesouros e Sparklium. Para assegurar que os arremessos têm a devida precisão, os controlos do jogo exigem que seguremos a consola e manipulemos o analógico com uma mão e usemos a outra para dirigir os arremessos com o ecrã táctil – num esquema de controlos similar a Kid Icarus Uprising. Este jogo é conhecido como o destruidor de punhos, mas felizmente nunca sofri de dor no punho em Kid Icarus Uprising ou Hey! Pikmin, mesmo após sessões de jogo prolongadas, e não posso apontar esta crítica ao jogo (admito que esta é uma das gabarolices mais tristes da minha vida).
Por causa deste esquema de controlos, a ação de Hey! Pikmin decorre no ecrã inferior da 3DS, embora o ecrã superior aumente o nosso campo de visão. Tendo em conta que o ecrã de toque é o centro da ação, é compreensível que o jogo não tenha suporte a 3D. Não é, pelo contrário, compreensível que o jogo apresente ocasionais quedas da taxa de fotogramas alvo de 30FPS numa New 3DS XL, mesmo ostentando gráficos apelativos e panos de fundo detalhados para a 3DS.
Os Pikmin em si regressam nos cinco tipos presentes na aventura de Pikmin 3: vermelho, amarelo, azul, pedra e alado. Todos preservam as suas valências originais, que são devidamente aproveitadas nos níveis. Por exemplo, os Pikmin alados são atirados como um bumerangue em vez de fazerem uma trajetória parabólica, e lentificam as quedas de Olimar, permitindo a existência de layouts com maior verticalidade. Por seu lado, os Pikmin amarelos podem ser atirados a maiores altitudes, algo que é aproveitado em alguns puzzles que envolvem o ecrã superior.
Aproveitando as diferenças dos
vários tipos de Pikmin e introduzindo diferentes obstáculos e inimigos, os
níveis têm primariamente desafios simples de puzzle, com umas pitadas de
combate e exploração por segredos. Num nível, temos de subir uma “torre” sem quaisquer
Pikmin, ou seja, sem poder destruir barreiras ou derrotar inimigos e, após recrutarmos
pequenos ajudantes no topo, descemos o mesmo percurso destruindo tudo e todos. Noutro,
mergulhamos num abismo com a ajuda de alguns Pikmin alados, tendo de fugir dos
obstáculos no nosso trajeto e manter um olhar atento para chegarmos a tempo aos
bónus opcionais. Existe também um em que apanhamos a boleia de uma plataforma ascendente
e temos de destruir os obstáculos sobre nós antes de sermos esmagados pelos
mesmos. Embora interessantes, estas ideias não são inovadoras ou memoráveis; admito
que tive de puxar pela cabecinha para me lembrar destes conceitos, meros
dias após completar a aventura.
Cada nível dura cinco a dez
minutos e não tem qualquer checkpoint – o que revela não só a sua facilidade,
mas também a crença dos desenvolvedores na sua facilidade. Em várias ocasiões,
e especialmente nos primeiros mundos, progredir com Olimar é tão simples que acabamos
por jogar em autopiloto - tanto que a minha maior frustração com as saídas secretas, que estão normalmente perto do final normal do nível e, por isso, nos obrigam a repetir vários minutos do nível sem motivo. Infelizmente, a dificuldade vai do oito ao oitenta num piscar de olhos: basta decidirem fazer 100% na aventura.
Se concluir o jogo normalmente é tão fácil, porque é que isto não é canja? Não é suficiente finalizar todos os níveis com todos os tesouros para poderem adicionar uma platina ao currículo; também precisam de terminar todos os níveis com vinte Pikmin vivos. Em cada mapa, só podemos formar um exército de até vinte Pikmin, e o jogo só nos dá mais Pikmin se tivermos menos de dez. “Sim, mas não precisas que o jogo te dê mais Pikmin se não os perderes.” Pois, mas é que o trabalho de década e meia de aperfeiçoamento do AI dos Pikmin não teve qualquer tradução para o plano 2D. Perdi a conta ao número de vezes que quase atirei a consola pela janela porque os Pikmin marcharam com confiança até um pilar de fogo. Ou porque Olimar acionou uma transição de cenário repentina e imprevisível e os Pikmin no fundo da fila foram abandonados como um bebé à porta de um orfanato. Ou porque um Pikmin não me seguiu quando entrei numa porta sem possibilidade de retorno, e passado alguns segundos ele suicidou-se de solidão porque, por algum motivo, essa é uma mecânica do jogo. Tal como em Pikmin 1, não tenho pena nenhuma dos Pikmin falecidos; aliás, antes de cada reset, costumo liquidar a equipa inteira. ...Psiquiatra? Não preciso, porque perguntam?
Portanto, tendo em conta tudo
isto, o jogo mereceu todas as críticas que lhe foram apontadas? Não… mas também
não merece uma ovação de pé. É uma divertida forma de queimar algumas horas, e
uma curiosa reimaginação dos Pikmin e dos seus inimigos naturais em duas dimensões.
Como spin-off que é, o título da 3DS acrescenta peaners ao universo de Pikmin.
Talvez a sua mais interessante inclusão seja um montão de micro cinemáticas dos
Pikmin em pequenas peripécias engraçadas. Tendo em conta que nos títulos
anteriores os Pikmin pouco mais são do que soldados impenetráveis de olhar vazio a seguir cegamente o líder, é encantador vê-los caracterizados como pequenos
golden retrievers que se dedicam a pequenas parvoíces dignas de curtas do Tiktok.
E não posso também ignorar os registos de Olimar que, não sendo tão cativantes como os da Piklopedia e Treasure Hoard de Pikmin 2, mantêm-se um prazer de ler. Não só é fascinante conhecer os nomes que Olimar e a sua nave dão aos objetos do nosso dia a dia que, para eles, são Tesouros, mas também devorar as reflexões e recordações que os inimigos e objetos instigam no protagonista. Aliás, se usarem um amiibo de Olimar, Pikmin ou das séries Mario, Splatoon ou Animal Crossing no jogo, obterão um tesouro correspondente, e novas descrições imaginativas em que Olimar tenta interpretar a estátua misteriosa na sua frente – chamando os Boos de Marshmallows com caninos, ou comparando encarecidamente a Princess Daisy à sua filha.
Desenvolvedora: Arzest, Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2017
Nota: Esta retrospetiva foi realizada com base na versão física do jogo para a Nintendo 3DS, através de uma cópia adquirida pelo redator. As imagens utilizadas na retrospetiva foram recolhidas dos trailers do jogo publicados pela Nintendo of America.
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