The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom trouxe à tona uma grande discussão sobre o valor das sequências
diretas: por reutilizar o motor de jogo, estilo visual e mapa de Breath of
the Wild, seria esta uma sequência meritória do último exclusivo da Wii U ou uma simples expansão? Para
mim, esta questão é colocada injustamente: o mais comum neste tipo de sequelas é os
desenvolvedores aproveitarem a base de jogabilidade que criaram previamente
para expandirem imensamente a experiência e inventarem novos desafios
e formas de abordar o mundo. Tears of the Kingdom é apenas o mais recente
exemplo positivo deste estilo de sequência; olhando para o passado da Nintendo,
já vimos excelentes sequelas nascerem desta forma, como The Legend of Zelda: Majora’s
Mask, Super Mario Galaxy 2 e o título que nos traz a este artigo: Pikmin 2.
Portanto, uma vez que Pikmin 2 foi desenvolvido em cima da base de Pikmin 1, a sua jogabilidade é muito similar – por isso, se quiserem perceber como este título funciona, leiam a nossa análise de Pikmin 1. Até porque nem sei o que vos faço se vos apanho a comprar Pikmin 2 sem Pikmin 1!
Mesmo com as similaridades, basta jogarmos uns minutos de Pikmin 2 para percebermos as vantagens de aproveitar o trabalho já adiantado no primeiro título. Os gráficos são mais ricos e detalhados, tendo-se verificado um aumento dos elementos decorativos. O AI dos Pikmin foi melhorado (aleluia), e as pequenas criaturas agora evitam a maior parte dos comportamentos suicidas do original (mas não todos). O repertório de inimigos comuns e bosses é mais de duas vezes maior, sendo que os novos oponentes aumentam (teoricamente) a dificuldade e obrigam-nos a aproveitar os diferentes tipos de Pikmin.
Além disso, esta sequência introduziu um segundo capitão jogável, que aumenta as nossas opções de planeamento, mesmo que de forma limitada em comparação com Pikmin 3. Isto para não mencionar que pequenos ajustes de qualidade de vida foram aplicados e novas mecânicas como os sprays (que temporariamente fortalecem os Pikmin ou congelam inimigos), novos tipos de Pikmin e melhorias dos fatos dos capitães foram implementadas. É evidente que, com Pikmin 2, nos encontramos perante uma marcada evolução do universo e jogabilidade Pikmin, que não seria concretizável nos dois anos e meio de desenvolvimento que o jogo teve se a equipa tivesse começado do zero… e, ainda assim, o jogo é o meu preterido da trilogia.
Ups, já me fugiu a boca para a verdade e mal
comecei a análise. Apesar de todas as novidades com potencial para fazer de
Pikmin 2 a melhor aventura da série, várias decisões estruturais contrariam o apelo da série e diminuem o prazer que retiro da campanha. Ao olhar para a premissa do jogo, notamos logo que uma boa porção do que me encantou
em Pikmin 1 simplesmente desapareceu na sequência. Após regressar ao seu planeta natal,
Olimar descobre que, na sua ausência, a empresa para a qual trabalha acumulou
uma dívida descomunal. Consequentemente, Olimar e o seu novo colega Louie precisam
de regressar ao planeta alienígena de Pikmin 1 para recolherem tesouros e
pagarem a dívida de 10 000 Pokos da companhia.
Com esta nova missão, foi
expurgado o limite de 30 dias, e com ele qualquer sentido de urgência ou
necessidade de estratégia. Já não precisam de equilibrar diferentes tarefas ou
estabelecer prioridades; se quiserem, podem passar um, dois, dez, cinquenta dias
a criar Pikmin, e apenas beneficiarão desta prudência. Aliás, sem um prazo
estipulado, os dias perdem o seu significado, passando a servir apenas como checkpoints
de progresso que poderiam ser substituídos por um sistema de quick save.
Não vejo porque é que o sistema
de dias foi mantido, até porque a Nintendo introduziu uma nova componente no
jogo na qual o tempo não avança: as caves. Na superfície das regiões de Pikmin
2, encontramos várias entradas para áreas subterrâneas com vários pisos, onde
passamos a maior parte do tempo da campanha. Dentro destas caves, não podemos
cultivar ou chamar mais Pikmin, uma mudança inteligente que origina uma dinâmica
distinta da exploração na superfície, transferindo temporariamente o nosso foco
da gestão de tempo para a sobrevivência.
O problema é das caves é, bem, tudo
o resto! A maior parte dos pisos é gerada proceduralmente (e os poucos pisos que
não são são demasiado simples e genéricos, sendo usualmente arenas de bosses
ou áreas tutoriais). Assim, todas pedem o mesmo do jogador: recolham os tesouros
posicionados em locais aleatórios, enquanto derrotam ou evitam inimigos posicionados
em locais aleatórios.
Com um foco aumentado em
combates, a ênfase na sobrevivência dos Pikmin e os mapas criados proceduralmente,
as caves lembram-me roguelikes – e eu não gosto nem um pouco de roguelikes.
Quando os desenvolvedores entregam a tarefa de desenhar o terreno que
exploramos a uma máquina, eles desperdiçam a oportunidade de criar desafios com
significado e com verdadeira progressão. A área final de Pikmin 1 é mais
pequena do que quase todos os pisos individuais das caves, e ainda assim tem
mais puzzles do que todas as caves somadas.
Uma das caves distingue-se das
demais, por ser a única que introduz condições únicas: apenas um tipo de Pikmin
pode ser transportado para este complexo subterrâneo e, se passarmos demasiado
tempo no mesmo piso, um inimigo único e invencível cai do céu para tornar os
nossos Pikmin em geleia. É o terror das crianças e o deleite do Tiago! Se todas
as caves tivessem mecânicas desta ordem, eu garantidamente teria mais apreço
por estas secções.
…Atenção, que fique claro: o que eu
quero não é mais “inimigos a cair do céu”. Disso, já Pikmin 2 tem o suficiente:
sem qualquer aviso prévio, vários inimigos comuns podem simplesmente cair do
céu e começar imediatamente a atacar os nossos Pikmin. Fãs ferrenhos de Pikmin
2 dirão que esta é uma forma de testar a nossa capacidade de reação e, embora seja
verdade, este é um modo muito reles de o fazer.
Pelo menos a comunidade tem a sensibilidade
de não usar esta defesa em relação às bombas que caem do céu com um timer
de explosão ou às pedras cadentes insta-kill, que
podem cair às seis de uma vez! Não, em relação a estes obstáculos absolutamente
injustos e disparatados o recomendado é que “o jogador faça uma marcha de reconhecimento
em todos os mapas, sem levar Pikmin ou adiantar qualquer outra tarefa”. Ou seja, os maiores entusiastas desta mecânica
recomendam que o jogador realizem um passo extra monótono e desprovido de
qualquer desafio na exploração e usam-no para defender esta mecânica, como se esta
concedesse alguma contribuição positiva à cadência da jogabilidade. E, já
agora, mesmo que façam esta marcha de reconhecimento não escaparão garantidamente
destas armadilhas, porque algumas delas apenas são acionadas especificamente
quando Pikmin estão a carregar algum objeto naquele local.
Se com isto estão a pensar que Pikmin 2 é mais difícil do que Pikmin 1, desenganem-se. No resto do tempo de jogo, participarão nos combates mais lineares e menos estratégicos da série, graças aos novos Pikmin roxos. Em combate, não só têm mais poder de ataque do que qualquer outro Pikmin mas também podem atordoar as criaturas selvagens com o impacto inicial. Por isso, estes espécimes são quase sempre a melhor escolha para combater qualquer criatura terrestre de Pikmin. De igual forma, um dos novos sprays, o Ultra-Bitter Spray, congela os nossos oponentes durante vários segundos, impedindo-os de ripostar quando o nosso exército Pikmin os dilacera. A combinação dos Pikmin roxos com o Ultra-Bitter Spray trivializa os monstros ferozes que nos davam luta em Pikmin 1.
É desapontante ver todos estes
aspetos a prejudicar Pikmin 2, porque com meia dúzia de alterações simples esta
campanha passaria de excelente para uma obra-prima. Para além de conter as
novidades positivas que já mencionamos, Pikmin 2 já é de longe o título da trilogia
com mais charme, englobando uma quantidade incrível de pequenos detalhes que capricham esta aventura. Por exemplo, cada um dos capitães tem efeitos sonoros diferentes
quando usa o apito e dismiss. Os tesouros que recolhemos no jogo são
objetos do mundo real, com marcas que conhecemos, como Duracell – numa das poucas
instâncias em que publicidade num jogo contribui para o engrandecer. As
melhorias que desbloqueamos são criadas a partir de alguns destes tesouros,
como a resistência a eletricidade que obtemos a partir de uma borracha. No
final de cada dia, recebemos uma mensagem de algum conhecido dos protagonistas,
que nos dá a conhecer melhor o mundo de Olimar e Louie.
No meio de todos estes pormenores
encantadores, a Piklopedia e o Treasure Hoard são a inclusão mais reluzente. Para
cada tesouro do jogo, existe uma descrição escrita por Olimar, onde ele reflete
sobre o objeto – muitas vezes cogitando sobre as saudades que tem dos filhos, as
vivências com a esposa ou reclamações do presidente. Olimar já era um dos
protagonistas da Nintendo melhor caracterizados graças aos seus registos em
Pikmin 1, mas a Piklopedia leva esta noção a um novo patamar. Além disso, para
cada inimigo do jogo, existe uma descrição objetiva do espécime preparada por
Olimar… e dicas de como cozinhar e devorar todas as criaturas por gentileza de
Louie. (Louie é a melhor personagem dos videojogos, e vocês
nunca terão noção do alcance da sua lenda se não tiverem o prazer de absorver toda a informação dentro de Pikmin 2, incluindo os modos extra.) Ninguém ia cobrar à Nintendo este
trabalho adicional e ingrato, mas os desenvolvedores fizeram-no e assim entregaram-nos
um vasto conjunto de notas que são um deleite de ler.
Isto para não falar que Pikmin 2 impressiona também com a melhor banda sonora da trilogia, vencendo em quantidade e qualidade. Os
temas da superfície são muito memoráveis, tanto que frequentemente me apanho a
assobiar os temas de Awakening Wood, Perplexing Pool e Wistful Wild, e as
composições das caves não ficam muito atrás.
Até nem me incomoda o facto de ¾ das
áreas de Pikmin 2 reutilizarem as regiões de Pikmin 1. Visualmente, estes
locais encontram-se radicalmente remodelados, e as espécies e localizações de
inimigos e objetos foram alterados o suficiente para injetar nova vida na exploração.
Não sinto o mesmo ímpeto para otimizar o meu trajeto, quando tenho de o
interromper várias vezes para entrar em caves que aniquilam o momentum do
dia - mas isso é culpa do atual sistema de caves.
Adicionando um limite de dias (rígido como em Pikmin 1 ou dinâmico como em Pikmin 3), removendo os hazards insta-kill, tornando as caves mais concisas e dando-lhes level designs e mecânicas únicos, e removendo o Ultra-Bitter Spray e as vantagens de combate dos Purple Pikmin, Pikmin 2 seria o melhor título da trilogia. A segunda aventura de Olimar está muito perto da sublimidade, mas as péssimas escolhas tomadas desviam a jogabilidade dos elementos mais empolgantes da série e encorajam estilos de jogo prudentes e entediantes.
Mesmo com estas alterações, Pikmin 2 continuaria a ser a experiência mais acessível da trilogia a novatos, por ter a estrutura mais aberta da série. Para pagarem a dívida, precisam de obter 10 000 Pokos, mas os tesouros do jogo totalizam quase 30 000 Pokos. Isso significa que, se não ambicionarem 100%, podem saltar a maior parte dos tesouros e pisos de caves mais difíceis. Podem mesmo concluir a história derrotando apenas um boss! Esta liberdade não só funciona na perfeição no balanço da dificuldade, possibilitando que cada jogador decida quantos desafios está disposto a enfrentar, mas também encoraja speedruns em que decidimos a melhor rota e os tesouros mais convenientes para minimizar o nosso tempo.
Não esperava que a versão Switch
corrigisse qualquer um destes problemas porque, após quase 20 anos, removê-los
seria adulterar Pikmin 2. Tendo eu jogado Pikmin 1, já sabia o que ia encontrar
nesta remasterização: upscale para HD sem atualização de texturas ou modelos, novos controlos tradicionais
inferiores aos da edição Wii… Tudo aspetos que já discutimos previamente e
podem conhecer na nossa análise de Pikmin 1.
Contudo, o relançamento de Pikmin
2 reservava algumas surpresas amargas para mim: os tesouros baseados em marcas
reais foram alterados com novos designs fictícios,
enfraquecendo a conexão que este planeta tem com o nosso mundo. Ainda daria um
desconto aos novos designs se fossem criativos, mas o que realmente vemos é itens
como a ginger ale da marca Spicy Ginger Ale (de mãos dadas com a banana de
marca Banana de Pikmin 4). Estas mudanças são compreensíveis por terem provável
origem em licenças expiradas… mas não digo o mesmo da censura desnecessária e
danosa de algumas das mensagens mais icónicas que Olimar recebe ao final de
cada dia, e a remoção de certos easter eggs.
Conclusão
Pikmin 2 consegue ao mesmo tempo evoluir a jogabilidade de Pikmin 1 em inúmeras vertentes e colocar em prática várias decisões que anulam os melhores aspetos do predecessor. A aventura não deixa de ser ótima, mas ao experienciá-la sentimos que, com pequenos ajustes, podia ir muito além do "ótimo". Ainda por cima, o port para a Nintendo Switch decidiu mexer com o que já estava bem, descaracterizando alguns dos elementos mais memoráveis do jogo, e de resto apenas emprega um upscale para HD, um novo esquema de controlos controverso e um punhado de ajustes de qualidade de vida.
O melhor
- Melhorias ao nível dos gráficos e AI de Pikmin em relação ao predecessor;
- Quantidade de inimigos e obstáculos expandida;
- Adensamento das potencialidades estratégicas com novos tipos de Pikmin, um 2º capitão e outras mecânicas pertinentes;
- A melhor banda sonora da trilogia;
- Piklopedia e Treasure Hoard fascinantes;
- Atualização dos gráficos para HD…;
O pior
- …Que não foi longe o suficiente;
- Escassez de opções de controlos;
- Adulteração de alguns tesouros e mensagens da versão original do jogo;
- Remoção do limite de dias e promoção de estilos de jogo aborrecidos;
- Ausência dos sentimentos de urgência e solidão de Pikmin 1;
- Caves com péssima implementação e obstáculos injustos;
Título: Pikmin 2
Desenvolvedora: Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2004-2023
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
Autor da Análise: Tiago Sá
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