Nos últimos anos, os entusiastas de videojogos foram agraciados com muitas experiências de excelência e, quando entramos em 2023, tínhamos a promessa de mais doze meses recheados de qualidade e quantidade. The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, Resident Evil 4 Remake, Final Fantasy XVI avizinhavam-se... mas o meu jogo
mais antecipado do ano era indubitavelmente Pikmin 4. (Nota: Hollow Knight: Silksong é apenas um
mito urbano). Apesar de todos estes lançamentos de peso no horizonte, não havia
como superar a antecipação pela primeira aventura original em 10 anos de uma das
séries mais singulares e consistentes da Nintendo, quicá da indústria.
Por ironia do destino, poderá ser
por a série ser tão diferente do que estamos habituados a ver e jogar que esta
nunca impressiona no número de cópias vendidas. Acredito que o universo Pikmin
apenas está vivo pela evidente estima que o lendário desenvolvedor Shigeru
Miyamoto tem por esta propriedade. De vez em quando, lá sinto que mais ninguém
em Portugal tem entusiasmo por esta fenomenal franquia e, mesmo estando certamente errado, isso é algo que tenho
de tentar mudar!
Por isso, começando hoje, vamos iniciar uma semana, não, uma Quinzena de Pikmin, para ver se consigo converter algum leitor ao universo Pikmin e, com sorte, conseguir que o próximo título lance antes de me aparecer a careca! Ou seja, até 31 de julho (e com uma pausa para outros temas na próxima semana, entre 16 e 24 de julho) Pikmin é a única coisa que vão comer aqui– e olhem que só vos fará bem! Agora que esta fantástica trilogia pode ser jogada integralmente na Nintendo Switch, não têm desculpa para não a degustarem.
Introdução a Pikmin
Para quem nunca tocou num jogo
Pikmin, convém darmos umas luzes sobre as bases desta série. Nos 3 títulos
Pikmin, assumimos o papel de astronautas que se veem num planeta desconhecido.
Aqui entre nós, todos estes capitães são imprestáveis: eles são completamente
incapazes de fazer qualquer ação autonomamente, para além de andar de lado para
lado como baratas tontas.
A sorte destas personagens é darem
de caras com os Pikmin, pequenas criaturas que obedecem cegamente a estes
exploradores. A ação chave em Pikmin é o arremesso: atirando os Pikmin pelos
mapas, eles realizarão tarefas por vocês. Estes seres automaticamente escolhem a ação mais adequada consoante o local onde aterram: se caírem junto a uma
criatura selvagem ou uma barreira destrutível, automaticamente atacá-la-ão. Se
aterrarem na proximidade de certos objetos, transportá-los-ão até à base.
Esta relação não é unilateral:
para poderem tirar o máximo partido dos Pikmin, precisarão de os multiplicar, levando
para a base sementes especiais ou os corpos dos inimigos derrotados para formarem
novos ajudantes. Quanto mais Pikmin tiverem, mais fácil é derrotar inimigos e
transportar objetos… e é desta forma que substituirão os soldados perdidos no
terreno. Sim, os Pikmin são dispensáveis, e é suposto que dezenas ou mesmo centenas
deles pereçam ao longo de uma aventura da série.
Seja devorados por animais
selvagens, esmagados, afogados, queimados ou eletrocutados, existem inúmeros
caminhos que conduzem os Pikmin à morte, e os jogadores ao PTSD. É aqui que
entra um dos elementos estratégicos da série: a escolha dos melhores Pikmin
para cada situação. Podem ter até 100 Pikmin no terreno a qualquer momento, e
cabe-vos decidir quantos Pikmin de cada tipo trarão, consoante as tarefas
que planeiam executar. Por exemplo, os Pikmin vermelhos são resistentes ao
fogo, e são os melhores em combate em Pikmin 1. Por seu lado, os amarelos são
resistentes a eletricidade e podem ser arremessados a maiores alturas.
Embora exista bastante mais
nuance na jogabilidade da trilogia, estas mecânicas são o essencial para a
compreenderem. Se quiserem conhecer melhor Pikmin, recomendo-vos que acedam à
Nintendo eShop e descarreguem a demo gratuita de Pikmin 3 Deluxe.
O fascinante em Pikmin é que estas mecânicas são transversais aos três títulos principais da série, e mesmo assim cada experiência Pikmin acaba por ser fundamentalmente e radicalmente distinta das restantes. Por isso, não há um título favorito mais popular na comunidade. Aliás, a cadência de Pikmin é tão diferente entre jogos que muitos fãs que adoram Pikmin 2 não são capazes de sequer passar perto de Pikmin 1! Para mim, para prejuízo deles mesmos…
Pikmin 1
…Porque Pikmin 1 é incrível, e um
dos jogos mais cativantes que a Nintendo lançou!
Falemos logo do elefante da sala:
muitos jogadores são incapazes de jogar Pikmin 1 pela sua premissa tensa. O
capitão Olimar despenhou-se num planeta alienígena desconhecida, e a única forma de regressar a
casa é encontrando as 30 partes da sua nave. Para agravar a situação, o
oxigénio deste planeta é tóxico, e os sistemas de suporte de vida de Olimar apenas
funcionarão por 30 dias. Portanto, a vossa missão é encontrar estas 30 partes
em 30 dias, cada um com 16 minutos, e conjugar esta tarefa com a proliferação
da vossa equipa Pikmin, o combate de criaturas selvagens e a destruição de
barreiras.
Muitos consideram este prazo sufocante
e preferem o estilo mais descontraído de Pikmin 2, em que não há nenhum limite
de tempo, mas este limite é relativamente permissivo na prática. As áreas de Pikmin não
são suficientemente amplas para que as peças estejam demasiado distantes, pelo
que facilmente conseguirão recolher várias peças num só dia, mesmo que no
começo percam algum tempo a apreender as mecânicas do jogo. Se desejarem,
facilmente recuperarão este tempo perdido: Pikmin 1 deixa-vos repetir um dia anterior
à vossa escolha para melhorarem a vossa performance. E, mesmo que vejam o dia 30
a aproximar-se a passos largos, não desesperem: cinco partes da nave são
totalmente opcionais, incluindo a última. Ou seja, podem vencer Pikmin sem sequer
entrarem na última área e derrotarem o boss final!
Aliás, a estrutura do jogo globalmente
é bastante flexível: podem obter as peças de uma área na ordem que desejarem,
deixando as mais problemáticas para quando dominarem o controlo dos Pikmin ou
tiverem mais tropas para dispensar. A simplicidade do título, pelo menos em
comparação com Pikmin 2 e 3, também abona em favor de novos jogadores. O título
inaugural da série tem a menor variedade de inimigos e obstáculos da trilogia, e
apenas 3 tipos de Pikmin e um capitão (Olimar), para além de não possuir mecânicas
extra como sprays, Charge e Go Here!, tornando mais fácil explorar
todas as potencialidades da jogabilidade. Mesmo sem estas funcionalidades mais recentes,
Olimar dispõe de uma série de ações extra como swarming e dismiss que, não sendo indispensáveis, facilitam a gestão e controlo do nosso esquadrão, e a inclusão de ações suplementares tão pertinentes é
impressionante no jogo inaugural da série.
Ainda assim, não posso dizer que
Pikmin 1 é o mais amigável para novos jogadores. Nem é pela deliciosa dificuldade
elevada do jogo (comparativamente a Pikmin 3) ou pelo limite de tempo que o
digo, mas sim por o título ser extremamente pobre em tutoriais. Por exemplo, este
é o único título da série que não vos informa que, se os Pikmin se incendiarem
ou começarem a afogar, o jogador tem alguns segundos para os chamar de volta e desta
forma salvá-los da morte iminente.
Poderão estranhar, mas não
considero necessariamente esta lacuna um defeito. Desde logo, é relativamente evidente que só uma ação pode salvar os Pikmin neste predicamento. Adicionalmente,
e mais importante, a escassez de tutoriais é excelente para veteranos. Por um
lado, e como elaborei recentemente, Pikmin 1 é o jogo mais imersivo da série
precisamente por não deixar que o “jogo” se sobreponha à experiência, que as normas
estruturais interfiram na atmosfera.
Repetindo-me, Pikmin é um jogo em que os nossos inimigos não são vilões megalomaníacos, mas sim uma Natureza de crueldade equitativa e indiferente. À nossa volta, apenas encontramos animais selvagens irracionais, que nos adicionam sem cerimónias à sua dieta. Esta é uma realidade singela e crua, sem lugar para cerimónias ou dramatismo. Por isso, as cinemáticas são breves e contam-se pelos dedos; e todos os bosses aparecem abruptamente sem cinemáticas, e quase nenhum tem um tema musical dedicado. Existem inclusivamente vários bosses completamente opcionais, um dos quais é um inimigo impiedoso que apenas surge se chegarmos à penúltima área do jogo antes do Dia 15! Não nos sentimos coagidos a ver tudo o que este planeta tem para nos mostrar, porque nem o mundo nem qualquer das criaturas que o compõe possui desígnios ou objetivos para além do desejo inato e primitivo de sobreviver.
Neste planeta de serenidade hostil e hostilidade serena, sentimos uma solidão que nenhum outro título da série invoca tão visceralmente, que nos aproxima de Olimar e acentua a urgência da sua situação. O ponto de vista da câmara evidencia o pequeno tamanho do protagonista e dos Pikmin, fazendo-nos sentir insignificantes e minúsculos em comparação com os colossais predadores locais. A escassez de tutoriais faz com que sintamos que estamos a descobrir o planeta lado a lado com Olimar, e os poucos tutoriais do jogo que efetivamente lemos são apresentados na forma de registos escritos do próprio capitão, com base nas suas descobertas e deduções. Muitas vezes, estes registos debruçam-se sobre as ações que nós, jogadores, executamos durante o dia anterior, ou dão-nos um vislumbre da personalidade de Olimar e da sua vida no seu planeta de origem.
Recuando um pouco, eu considero a
ausência de tutoriais positiva também porque, apesar de Pikmin 1 ser um jogo
curto, a primeira vitória neste planeta alienígena é apenas o começo. Quando
terminamos o título, o ecrã de estatísticas finais parece uma provocação: “Não
consegues terminar o jogo em menos tempo? Precisaram mesmo de morrer todos
esses Pikmin?” Esta jornada implora para ser revivida ad infinitum, com estes
irresistíveis desafios auto-impostos. As várias regiões de Pikmin foram
desenhadas a dedo, com barreiras, inimigos e puzzles meticulosamente
posicionados, para nos instigarem a repeti-las e irmos, tentativa a tentativa,
delineando a rota perfeita e descobrindo as melhores formas de capitalizar o
nosso exército Pikmin. A cada repetição da jornada, vamos aprendendo algo mais
sobre as mecânicas do jogo, e ver todo este conhecimento adquirido a ter
impacto real e tangível na nossa performance não tem preço. É speedrunning, mas
numa escala menor e, portanto, mais acessível e apetecível a qualquer um!
Assim, só consigo apontar um
grande defeito a Pikmin 1: a inteligência artificial dos Pikmin. Criaturas como
Burrowing Snagret e Beady Long Legs podem bem tentar intimidar-nos, mas o maior
inimigo do nosso exército Pikmin é sem sombra de dúvidas o nosso exército
Pikmin. Por cada 3 passos que dou em frente, tenho de recuar dois, porque os
Pikmin distraem-se a investigar todo e qualquer tufo de erva, mesmo que tal
signifique marchar em linha reta para os caninos de um Bulborb. Marchar em
linha reta é, porém, algo que os Pikmin não sabem fazer quando atravessam uma
ponte, dada a quantidade de vezes que eles simplesmente se atiram dela e me
obrigam a parar tudo para os resgatar. Na trilogia Pikmin, é suposto
sentirmo-nos líderes de um exército implacável; todavia, no título original,
sinto-me mais vezes uma autêntica mãe galinha. Em Pikmin 3, cada Pikmin perdido
pesa na alma; em Pikmin 1, a inteligência artificial é tão má que quando perco
um soldado, só penso “Mereceste!”. É a seleção natural a fazer o seu trabalho!
Na recém-lançada versão Switch de
Pikmin 1, esperava que a Nintendo corrigisse este problema, aproximando o
comportamento dos Pikmin do de Pikmin 2 e Pikmin 3. No entanto, não notei
diferenças na inteligência dos Pikmin em relação à versão Wii. À primeira vista,
esta conversão para a Switch parece ser um simples relançamento em HD
e com controlos tradicionais de New Play Control! Pikmin, mais similar a Super
Mario Galaxy em Super Mario 3D All-Stars do que a Metroid Prime Remastered. O
HUD e cinemáticas foram refeitos em HD, os gráficos do jogo usam os mesmos
modelos e texturas mas com upscale para HD, e não existe qualquer adição
em termos de conteúdo. Embora o título tenha um estilo de arte apelativo, uma renovação visual era expectável e desejável – se bem que
a sua ausência é atenuada pelo preço reduzido deste lançamento.
Ainda assim, pequenas diferenças fazem-se
notar. O número de Pikmin necessário para transportar um objeto é agora exibido
acima do número de Pikmin que designamos para esse objeto, uma mudança que torna
o jogo mais coerente com as frações usadas em matemática. Para arrancarmos vários
Pikmin plantados no solo, apenas temos de segurar A em vez de premir o botão
repetidamente. Quando seguramos um Pikmin, podemos agora premir B para o largar. Estas pequenas
alterações aproximam Pikmin 1 de Pikmin 3 (Deluxe) e são todas benéficas!
O mesmo não posso dizer do novo esquema de controlos. Para mim, os controlos são o aspeto mais controverso desta versão, e
o único motivo pelo qual este relançamento não pode ser considerado inequivocamente a versão definitiva de Pikmin 1. Não é minimamente polémico dizer que o uso
de Wii Remote + Nunchuck é a forma perfeita de controlar os capitães da trilogia
Pikmin. Com este esquema de controlos, podemos controlar o cursor (que indica
para onde atiramos os Pikmin) usando o ponteiro do Wii Remote de forma
independente do movimento da nossa personagem jogável, o que permite um maior
grau de precisão e estratégia.
Quando iniciarem pela primeira vez
Pikmin na Nintendo Switch, utilizarão um esquema de controlos tradicional, similar
ao do lançamento original na GameCube. Os controlos por movimento estão bem escondidos numa opção do ecrã de Controlos, e assim que os encontrei ativei-os
para reviver os tempos da Wii… mas apanhei uma surpresa amarga.
Os controlos por movimento na
versão Switch apenas se ativam quando premimos ou seguramos os botões B ou A,
ou seja, quando tentamos chamar ou atirar Pikmin. Por si só, esta alteração já
é suficientemente má; mas a Nintendo piorou mais os controlos ao tornar o cursor
dependente do movimento do Olimar. Quando Olimar se move, o cursor desloca-se
no sentido da sua deslocação, e este ajuste continua a verificar-se mesmo enquanto usamos os controlos por movimento. Isto significa que deixou de
ser possível atirar Pikmin com qualquer precisão enquanto mudamos o sentido da
movimentação de Olimar.
Acreditamos que estas mudanças
tiveram origem no intuito da Nintendo de tornar o uso de controlos por
movimento mais confortável em modo portátil, e de eliminar a necessidade de repor
a posição neutra do cursor constantemente. A Nintendo teve sucesso nestes
objetivos, e solucionou assim dois problemas que apontamos na nossa análise de Pikmin 3 Deluxe. No entanto, não consideramos compreensível que o esquema de
controlos da Wii esteja indisponível. Do mesmo modo, é bizarro que não tenhamos
a opção de alterar a sensibilidade ou ação primária do manípulo direito. Aqui,
a palavra-chave é opções, e infelizmente este é um termo que a Nintendo repudia.
Ao longo da minha experiência com
Pikmin 1 na Switch, fui-me habituando a estas mudanças; por isso, apesar de a
versão Wii ter os controlos mais precisos e descomprometidos, a portabilidade e
os pequenos ajustes de qualidade de vida introduzidos neste relançamento
tornaram-no na minha forma predileta de reviver esta aventura no futuro.
Conclusão
Pikmin 1 continua a ser o que já
era em 2001: uma aventura de estratégia sem igual e extremamente inventiva, que
merece o tempo e atenção de todos, e que é empolgante quer nunca a tenham testado quer se estejam a preparar para o 150º rodeo. As novidades desta
versão sabem a pouco, resumindo-se ao upscale para HD, um novo esquema
de controlos controverso e um punhado de ajustes de qualidade de vida, mas a
experiência basilar de Pikmin 1 é tão aprimorada e intemporal que é impossível
não a recomendar.
O melhor
- Jogabilidade de estratégia singular;
- Estrutura aberta e leniente a
novos jogadores;
- Elevadíssimo valor de rejogabilidade;
- Experiência imersiva e
cativante;
- Atualização dos gráficos para HD…;
O pior
- …Que não foi longe o
suficiente;
- Escassez de opções de
controlos;
- AI dos Pikmin datado.
Título: Pikmin 1
Desenvolvedora: Nintendo
Publicadora: Nintendo
Ano: 2001-2023
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
Autor da Análise: Tiago Sá
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