Bem sei que não parece, mas o género de
terror atravessou, até meados da década passada, um período assustadoramente
precário. Silent Hill tinha ido à vida, Resident Evil
estava na penúria, e até Dead Space estava prestes a perder todo
o seu encanto. Mas eis que ocorre um ressurgir do género, com a vertente indie
da indústria a ajudar um género - já mais morto do que vivo - a ganhar uma nova relevância.
E uma das séries que ajudou nesse renascer foi Layers of Fear, da produtora
e editora independente polaca Bloober Team. Agora, a aclamada Bloober faz-nos
uma proposta terrivelmente aliciante: um remake e um reenquadramento de
todos os jogos e DLCs desta série de culto. Mas será este novo Layers of
Fear uma experiência arrepiantemente boa, ou deixar-nos-á apenas a gritar
frustração?
Em Layers of Fear vamos
(re)vivendo os acontecimentos trágicos de variados artistas e das suas
famílias. Primeiro, testemunhamos um surto psicótico de um aclamado pintor, que
vive obcecado com a criação da sua obra perfeita e de como essa fixação
neurótica afeta a sua vida e a sua família. Depois, testemunhamos como a filha
desse pintor viveu a sua infância, e como a esposa do mesmo viveu a prisão que
foi este casamento. De seguida, testemunhamos o trabalho de um ator que tenta
obcessivamente construir a sua personagem enquanto lida com um realizador
excêntrico. Por fim, no meio de todas estas, vamos testemunhando a história de
uma escritora que aqui se apresenta como alguém que está a adaptar todos estes
acontecimentos ao mundo literário.
Portanto, Layers of Fear é um
conjunto de histórias trágicas acerca de como artistas provenientes de diferentes
meios se perderam e se destruíram por causa dos seus neuroticismos e obsessões.
Nada do que vemos é real, é tudo alegórico e metafórico, provindo sempre das
mentes deturpadas dos protagonistas. As histórias nunca são contadas direta nem
cronologicamente, requerendo um esforço atento de modo a podermos ir montando o
puzzle composto pela mescla de peças aparentemente colocadas à nossa frente de
forma aleatória. Mas à medida que se progride, o puzzle vai ganhando forma, com
cada narrativa a oferecer um conto tão interessante quanto aterrador e tão
estimulante quanto grotesco.
Todas estas pequenas narrativas são
fascinantes, prendendo-me ao ecrã e agarrando-me ao comando a partir do
primeiro minuto, tal foi a vontade com que fiquei de saber o desfecho de cada
um destes artistas torturados. Mesmo a insinuação um tanto quanto explícita de
que algo de sobrenatural poderia estar a afetar as vidas de todas estas
personagens não diminuiu o quão investido estava em todos os acontecimentos.
Não vos vou mentir, preferia que as influências de assombrações ou de musas
demoníacas fossem mais ambíguas, mas as histórias e os comportamentos de
loucura são tão fascinantes e verosímeis que nem isso fez esmorecer o meu
interesse.
Layers of Fear
adapta muitíssimo bem o modo como associa cada história ao meio artístico de cada
protagonista, apresentando sempre ambientes belissimamente desenhados (e
terrivelmente distorcidos) condizentes. Por exemplo, no caso do pintor, é
através de quadros e desenhos deformados e terrivelmente transfigurados que se
vai lembrando de conversas, relendo cartas e encontrando objetos que contam a
história de como a sua obsessão com a obra perfeita destruíram a sua vida
familiar. No fim de cada episódio que recorda, adiciona mais uma camada ao que
espera ser a sua pintura perfeita.
E o melhor, é que é precisamente através
destes ambientes que vem toda a sensação de terror e de tensão do jogo. No
total, lembro-me apenas de três ou quatro jumpscares ao longo de quase
10 horas de jogo – nenhum das quais particularmente repentino e barato. Mas
tive uma sensação de desconforto e de tensão durante quase toda a experiência,
o que é precisamente aquilo que gosto num jogo deste género.
Uma vertente na qual Layers of Fear
fraqueja bastante é na sua jogabilidade. A partir de uma perspetiva da primeira
pessoa, os controlos são simples: andar e olhar com ambos os analógicos,
agarrar e puxar objetos com o gatilho direito e apontar uma lanterna com o bumper
e gatilho esquerdos. A lanterna serve para desvendar alguns colecionáveis
presentes nos ambientes pelos quais vamos andando, para desbloquear novos
caminhos pelos quais podemos indagar e para travarmos as várias entidades que
nos vão perseguindo ao longo das diferentes narrativas apresentadas.
E aqui há alguns problemas. Primeiro, os
confrontos com esta entidade não são minimamente divertidos nem acrescentam
grande tensão aos acontecimentos; estarem lá ou não estarem seria igual. Depois,
há alguns pequenos bugs no que à interação com objetos diz respeito, com várias
gavetas ou armários que se tornam impossíveis de fechar depois de serem
abertos. Felizmente, isto nunca me impediu o acesso a algo de importante no ambiente ou a um caminho que tinha de seguir, mas não deixa de ser um problema chato numa das mecânicas base do jogo.
Mas o pior são os puzzles que Layers
of Fear nos vai colocando à frente. Estes são incrivelmente fracos.
Encontrar um objeto escondido algures numa sala ou num corredor, acender umas
velas para revelar um código numérico para abrir um cofre, e outras tantas
tarefazinhas básicas do género – é disto que os puzzles em Layers of Fear
são compostos. Não são minimamente desafiantes, nem interessantes, não
contribuindo em nada para o terror da situação; bem pelo contrário, atrasam o
progresso e retiram alguma da tensão. Honestamente, mais valia nem lá estarem e
assumir o jogo como um walking simulador mais puro.
É certo que sem os puzzles Layers of
Fear seria uma experiência ainda mais curta, e demoraria ainda menos do que
as cerca de 10 horas a explorar todas as narrativas e respetivos ambientes com
alguma profundidade. Por outro lado, se eles não existissem, teria muito mais
vontade de rejogar toda esta experiência mais umas quantas vezes. Sim, porque
este título tem um valor de rejogabilidade surpreendentemente elevado. Cada
história tem vários finais possíveis e inclui uma enorme quantidade de
colecionáveis que contribuem bastante para o aprofundar de cada narrativa. É
impossível colecionar tudo de uma só vez e cada novo detalhe acerca destas
personagens e das suas vivências torna o todo das suas histórias ainda mais interessante. Portanto,
o incentivo para voltar a mergulhar nestes mundos psicóticos é muito; só mesmo
os puzzles é que podem levar um jogador como eu a pensar duas vezes em ir atrás
de todos os troféus ou conquistas.
Tratando-se este Layers of Fear de
um remake de um par de jogos (e seus DLCs) com menos de uma década de
existência, não será de estranhar se se questionar o quão melhor é que este
pacote pode ser de um ponto de vista técnico. Mas a verdade é que estamos
perante um jogo (grotescamente) lindíssimo. Graças à utilização do novo motor
Unreal 5, os ambientes são todos incrivelmente detalhados, os efeitos luminosos
e de partículas são exímios e cada animação ou interação com objetos acontece
de forma impecável. Não há nada que possa apontar de menos bom na vertente
visual deste jogo, que também corre impecavelmente bem a 60 fotogramas por segundo.
Visualmente, o jogo é um verdadeiro esplendor, um horroroso regalo para os
olhos.
E aplica-se o mesmo a quase toda a
vertente sonora do jogo. A música é estupendamente bem utilizada para ampliar
ou diminuir a sensação de tensão ao longo das várias histórias e todos os
efeitos sonoros aprofundam a imersão nestes trágicos contos neuróticos. Apenas
posso apontar que há uma mão cheia de falas cujas entregas deixam algo a desejar,
pecando por serem excessivamente teatrais. Sim, sim, é uma queixa um tanto
quanto picuinhas, dada toda a qualidade colocada na vertente auditiva do jogo,
mas estas falas retiraram-me um pouco da experiência, portanto não podia deixar
de as mencionar.
Conclusões
Layers
of Fear é um pacote aliciante para qualquer fã de jogos de
terror. Com várias narrativas interessantíssimas acerca dos aspetos
perturbadores e neuróticos das vidas de diferentes artistas, e direções
visual e sonora tão bem conseguidas, não há muitos jogos que consigam
incutir uma sensação de tensão tão bem como estes remakes. Só é pena
alguns dos aspetos da jogabilidade continuarem a deixar algo a desejar. Mas não
se deixem enganar: Layers of Fear é uma das melhores séries de terror no
mercado.
O Melhor:
- Todas as narrativas apresentadas são
fascinantes
- Sensação de terror conseguida através dos
ambientes muitíssimo bem desenhados
- Design ambiental e qualidade gráfica
atingem níveis de excelência
- O design sonoro é absolutamente exímio
O Pior:
- Puzzles são incrivelmente simples e quase
totalmente redundantes
- Alguns pequenos bugs na manipulação dos
objetos
Pontuação
do GameForces – 8/10
Título: Layers of Fear
Desenvolvedora: Bloober
Team, Anshar Studios
Publicadora: Bloober
Team
Ano:
2023
Nota: Esta análise foi realizada
com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código
gentilmente cedido pela Bloober Team.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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