Análise | Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp – O Saudar de Uma Série Veterana


Deixem-me começar já por aqui: eu não sou adepto de jogos de estratégia. Não sou bom nestes jogos, achando-os normalmente demasiado frustrantes para o meu gosto, o que dificulta a minha vontade de aprender a jogá-los. Mas, no meu percurso de já 25 anos enquanto fã de videojogos, há uma exceção – os jogos Advance Wars para o GameBoy Advance. Tenho boas memórias de fazer uns quantos jogos numa cópia de um colega de escola quando era mais miúdo e, mesmo nunca tendo comprado os jogos para mim, foi com entusiasmo que recebi as notícias de que estes jogos seriam refeitos para a Nintendo Switch. Agora que o tenho na mão, será Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp uma experiência explosiva, ou terá tantos horrores que levar-me-ão a querer desertar este jogo de guerra?


Em Advance Wars 1: Re-Boot Camp começamos por acompanhar Andy, um jovem comandante prodigioso que se alista no exército Orange Star. Este exército encontra-se em conflito armado com as tropas dum território conhecido como Blue Moon, e à medida que vamos enfrentando estas forças inimigas, vamos recebendo ajuda de outros comandantes mais experientes, Max e Sami. Quando o conflito começa a sanar, outros territórios começam a virar-se contra nós, sem qualquer provocação. No fim descobrimos que uma misteriosa força conhecida como Black Hole é a responsável por todos os conflitos. Após um breve confronto, e com todas as nações a precisarem de recuperar e reorganizar forças, chegamos a Advance Wars 2: Re-Boot Camp, onde o exército Black Hole se apresenta como o antagonista central, cabendo a Andy, Max, Sami e todos os seus aliados proteger os seus territórios e pôr fim aos planos maquiavélicos destes inimigos que ameaçam todo o mundo.

As histórias são o que esperava de jogos com este género e com esta temática - choques de egos, comandantes a quererem defender a sua terra e honra, manobras de diversão e engodos que levam a situações diversas nos campos de batalha. Apesar disso, é divertido ver como cada comandante aliado ou adversário tem uma personalidade tão distinta e colorida, levando a interações giras que tornam todas as personagens destes jogos memoráveis.

Mas é também aqui que vejo o primeiro defeito deste conjunto de remakes: muitos destes comandantes são demasiado entusiastas por guerra. É algo arrepiante ver Andy, um mero miúdo, tão contente por ir para o campo de batalha, ou ver um comandante adversário alegremente afirmar que vai brincar com a colocação de umas tropas e ver o que acontece. Não nego que muito deste mal-estar está relacionado com o atual estado do mundo, mas sento um pequeno calafrio sempre que uma personagem se mostra divertida por se meter no meio de um conflito armado.


Contudo, durante as batalhas em si consegui abstrair-me sempre desta estranha dissonância e mergulhar na jogabilidade de qualidade que Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp proporciona. Neste jogo de estratégia por turnos, temos de ir colocando e movimentando diversas unidades ao longo de um campo de batalha quadriculado. Normalmente, o objetivo é destruir todas as unidades de combate adversárias ou conquistar a base inimiga, havendo por vezes missões mais específicas, como sobreviver durante alguns dias a uma avalanche ofensiva, destruir uma unidade ou uma arma inimiga específica, ou conquistar um número de cidades antes do nosso adversário. Nada propriamente inovador, portanto, mas a variabilidade de objetivos foi suficientemente ampla para me manter entretido durante as várias dezenas de horas que investi em ambas as campanhas.

Também encontro nas unidades que podemos comandar uma variedade bastante boa. Entre infantaria, carros, tranques, navios, submarinos, helicópteros e aviões, há muito aqui com que jogar para planear estratégias contra os nossos adversários. Cada unidade tem forças e fraquezas específicas, diferentes alcances de ataque e variadas suscetibilidades ao terreno que se pisa. Há mesmo muito para ter em conta aquando da formulação de uma estratégia, sendo importante ter em atenção não só o que cada uma das nossas unidades é capaz de fazer, mas também o que os nossos adversários têm em mãos.

Outro fator importante a ter em conta é a habilidade de cada comandante. Mesmo que não sejam uma unidade controlável no terreno de batalha em si, os comandantes que escolhemos ou que enfrentamos podem muito bem ser o fator diferenciador numa batalha. Todos eles têm habilidades passivas de acordo com o seu perfil; por exemplo, Max é o especialista em veículos de combate, portanto a sua escolha como comandante faz com que estes sejam mais poderosos.


Para além disso, cada comandante tem ainda poderes especiais que podem ser ativados através de uma barra de energia que se vai enchendo à medida que se vai tendo confrontos no campo de batalha. Estes poderes variam entre recuperar algum do dano de todas as unidades, tornar uma categoria de unidades ainda mais poderosa, ou até permitir atacar uma segunda vez com todas as unidades à custa das suas defesas. E chegados a Advance Wars 2: Re-Boot Camp, cada comandante tem ainda um segundo poder, geralmente igual ao poder base, mas mais poderoso e que exige uma barra de energia ainda mais cheia.

Parece complexo? Sim, mas felizmente Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp faz um ótimo trabalho na introdução de cada categoria de unidades, das habilidades de cada comandante, dos efeitos dos terrenos montanhosos, citadinos, florestais ou aquáticos, e das inúmeras interações entre todos estes fatores. Mesmo quando chegava a uma missão onde todos os tipos de unidades e de terrenos se misturava, nunca me senti assoberbado ou com dúvidas quanto ao resultado de um embate no campo de batalha. O jogo faz, portanto, um excelente trabalho em caminhar naquela linha ténue de apresentar mecânicas fáceis de perceber, mesmo para quem é mais inexperiente no género, e de oferecer uma profundidade estratégica interessante e motivante, tornando a maioria das missões da campanha divertidos.

Sim, apenas a maioria, porque nem tudo é ótimo neste jogo. À medida que fui jogando mais e mais, apercebi-me de algo estranho, sobretudo (mas não só) em Advance Wars 1: Re-Boot Camp - cada missão fica decidida com as primeiras duas jogadas, quase sem exceção. Não interessa quantas unidades temos, se temos até fábricas para ir construindo novas unidades, se temos vantagens ou desvantagens territoriais. Se a primeira jogada for errada, fica dificílimo dar a volta à missão; e se a segunda jogada também não for incrível, fica quase sempre impossível de vencer.

Seja em que dificuldade for, se as duas primeiras jogadas não forem, pelo menos, muito boas, bem planeadas e com uma estratégia sólida, bem que podemos dar essa missão como perdida. Não foi nada divertido estar a ver as minhas unidades serem arrasadas ou enfraquecidas ao primeiro ataque que sofri após uma colocação mal pensada na primeira jogada e ver-me forçado a recomeçar a missão uma e outra vez até acertar nas movimentações que o jogo queria que eu fizesse logo a abrir.


Isto foi particularmente danoso na miríade de níveis que apresentavam uma mecânica chamada “nevoeiro de guerra.” Nestes, a maioria do mapa apresenta-se obscurecido, com cada unidade a poder iluminar um determinado número de quadrados à sua volta, dependendo do tipo de terreno. A estratégia é sempre enviar um veículo de reconhecimento à frente para iluminar o terreno e descobrir onde se encontram as forças inimigas, escondidas no nevoeiro. Mas aqui a primeira jogada é mesmo derradeira: se o veículo de reconhecimento não for ter ao quadrado exato, ou não iluminamos nada, ou fica à mercê de uma unidade com ataques de longo alcance com imenso poder de fogo. E se esse veículo for destruído – uma certeza se não for posto no único quadradinho que o jogo quer -, teremos de andar às cegas na esperança de chocar com adversários e ainda ter capacidade para os atacar. Ou reiniciar aquele turno. Ou reiniciar toda a missão.

Sinceramente, achei todas as missões com este “nevoeiro de guerra” uma fonte quase interminável de frustração. E já que estou numa onda de sinceridade, foi sobretudo por causa destas missões que esta análise está a sair tanto tempo depois do lançamento do jogo. Passei horas, e horas, e horas a experimentar movimentações e a reiniciar turnos quando me apercebia de que me estava a encurralar. Uma coisa é quando cometo erros estratégicos e sofro por isso, outra é não fazer ideia de onde estou a meter as minhas unidades, andando no escuro a rezar para que aquele movimento seja o certo. Se no primeiro caso já pode ser frustrante perceber que terei de começar de novo uma missão e deitar fora meia hora de jogo, no segundo fico com vontade de atirar o comando contra a minha Switch.

Isto leva-me a outra crítica que tenho a apontar a Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp – a inconsistência da dificuldade. Consigo pensar em várias instâncias nas quais senti imensas dificuldades numa missão, a precisar de vários reinícios ou recuos de turnos até chegar à vitória, para depois me deparar com uma missão muitíssimo mais fácil que despachei rapidamente. Isto é mais bizarro tendo em conta que as campanhas apresentam uma classificação de dificuldade das missões através do número de estrelas (quantas mais, maior será a dificuldade). Mas uma destas situações aconteceu precisamente entre missões cujas estrelas de dificuldade aumentava – achando a que tinha menos estrelas muitíssimo mais complicada. Esta inconsistência levava-me a ter sessões de jogo que apenas posso descrever como “para e arranca,” prejudicando ocasionalmente o meu proveito desta experiência.


Lembram-se quando, alguns parágrafos atrás, comecei a enumerar estes defeitos e indiquei estar a referir-me sobretudo ao remake do primeiro jogo? O motivo é muito simples: Advance Wars 2: Re-Boot Camp é muitíssimo mais fácil. Não me interpretem mal, o “nevoeiro de guerra” continua a ser uma chatice tremenda e ainda há uma mão cheia de missões nas quais a primeira manobra é decisiva, mas estas frustrações são muito menos frequentes. Enquanto demorei mais de 20 horas a terminar a primeira campanha, no caso da segunda demorei menos de metade do tempo a atingir as derradeiras missões. Se era bizarro passar de uma missão difícil para uma bem mais fácil, acreditem que é bem mais estranho ter tantos problemas com a primeira campanha e achar a segunda um passeio.

Apesar destes defeitos e inconsistências marcantes, a verdade é que a experiência geral de Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp continua a ser de elevada qualidade, deixando-me com vontade de ir regressando ocasionalmente ao jogo – e este apresenta-me várias formas de o fazer. Primeiro, há inúmeros itens para comprar no vendedor, tendo de usar moedas que se ganham dependendo do nosso desempenho nas missões de campanha. Desde trilhas musicais, a mapas das missões, até novos comandantes para utilizar noutros modos, há aqui muito para comprar, incentivando-nos a regressar à campanha e juntar dinheiro para o fazer.

Depois, temos o sistema de classificação das missões da campanha, que varia entre D (o mais baixo) e S (o mais alto). Para atingir as notas mais elevadas, somos avaliados no tempo que precisamos até completar a missão, bem como o nosso poder e a nossa técnica. Ou seja, somos avaliados na nossa rapidez e na nossa proficiência tanto a proteger as nossas unidades, como a destruir unidades inimigas. Se forem como eu e desprezarem as missões com o nevoeiro, não quererão regressar para obter um “S Rank” em todas as missões, mas terão certamente umas quantas nas quais o prazer foi tanto que sentem esse ímpeto.


Para os mais versados neste género de jogos ou para os mais fanáticos de Advance Wars em particular, há também uma série de outras opções para retirar ainda mais deste conjunto de remakes. Assim que se completa uma campanha podemos desbloquear um novo modo de desafio que testa os limites do domínio que temos do jogo e das suas mecânicas. Há um modo de sala de guerra com missões adicionais em novos mapas nos quais temos de obter as melhores classificações que conseguirmos. Há ainda um modo de criação de mapas, cujas ferramentas são simples e divertidas de utilizar, e cujos resultados podemos partilhar com amigos online. Por fim, há também modos multijogador que nos permite enfrentar até três amigos localmente ou online. Todos estes modos podem acrescentar horas de jogo infindáveis se assim o desejarmos, sendo apenas de lamentar não se poder enfrentar jogadores aleatórios no modo online.

Tratando-se de remakes de dois clássicos, ainda por cima de uma consola portátil, não podia terminar sem falar do aspeto do jogo - que é belíssimo. As sequências cinemáticas são totalmente animadas num estilo visual em 2D incrivelmente colorido e polido, enquanto todas as sequências de jogo apresentam animações - também elas bastante apelativas - em ambientes tridimensionais. Até os modelos de várias personagens foram retrabalhados, dando-lhes um aspeto mais limpo e cativante. É um makeover bastante bem-vindo e muitíssimo bem conseguido que dá um aspeto bem mais moderno a toda a experiência.

Também tenho de destacar a qualidade sonora do jogo. As bandas sonoras sempre foram merecedoras de destaque, e os meus ouvidos agradecem o facto de se apresentarem aqui remasterizadas e mais nítidas do que nos lançamentos originais. Os novos efeitos sonoros também cumprem bem os seus desígnios, e a inclusão de voice acting para algumas das falas foi uma surpresa agradável. Os atores fizeram um ótimo trabalho, conseguindo dar mais vida às respetivas personagens, e apenas lamento o facto de não terem dobrado todas as falas.

Para terminar, uma palavrinha para uma vertente que, ultimamente, tem sido fonte de mal-estar para vários utilizadores da Nintendo Switch: o desempenho. Alegra-me verificar que Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp corre muitíssimo bem em todos os modos de jogo, estejamos em modo de TV ou em modo portátil. Os 30 fotogramas por segundo são uma constante, não havendo uma única quebra, qualquer bug ou uma ida abaixo do jogo. É um dos jogos mais bem otimizados dos últimos tempos para a consola híbrida da Nintendo.


Conclusões
Quer sejam fãs dos clássicos, quer sejam novos jogadores, e quer sejam amantes de jogos de estratégia, quer sejam completos novatos, Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp é uma oferta de qualidade. Simultaneamente acessível e profundo, com uma jogabilidade que equilibra o simples e o desafiante, jogadores de todos os gostos retirarão várias horas de prazer de ambas as robustas campanhas deste conjunto de remakes. Há vários aspetos e níveis frustrantes que nos fazem levantar um sobrolho, mas não deixa de ser um título que apresenta muitíssima qualidade que agradará a qualquer fã da Nintendo.

O Melhor:
  • Duas campanhas com boa longevidade recheadas de personagens vivazes
  • Modos multijogador, de missões extra e de desenho de mapas são interessantes
  • Visualmente muito animado e cativante
  • Boa quantidade de unidades para comandar e de comandantes para usar
  • Atinge um equilíbrio muito bom entre jogabilidade acessível e profunda, mas…
O Pior:
  • … Vitória nas batalhas depende demasiado das primeiras duas jogadas
  • Missões com nevoeiro de guerra são bastante frustrantes
  • Picos de dificuldade bastante inconsistentes
  • Impossibilidade de enfrentar jogadores aleatórios online
  • Tom demasiado alegre das personagens cai mal dado o atual estado do mundo
 
Pontuação do GameForces – 7.5/10

Título: Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp
Desenvolvedora: WayForward
Publicadora: Nintendo
Ano: 2023

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Análise | Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp – O Saudar de Uma Série Veterana Análise | Advance Wars 1+2: Re-Boot Camp – O Saudar de Uma Série Veterana Reviewed by Filipe Castro Mesquita on junho 01, 2023 Rating: 5

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