É tão bom voltar a ver a série Resident
Evil na ribalta, não é? Depois de ter praticamente criado o género de
terror e sobrevivência no final dos anos 90, de se ter reinventado a meio dos
anos 2000 e de ter passado por uma profunda crise existencial depois disso,
quase todo o output desta lendária série tem feito jus ao seu assustador
legado. Para além da recente passagem para a primeira pessoa, temos visto
títulos clássicos - e deprimentemente já considerados retro – a serem refeitos
de raiz. E é aqui que nos deparamos com Resident Evil 4, o remake
da aclamadíssima entrada de 2005, muitas vezes encarada como a melhor da série
e um dos melhores jogos de sempre. Conseguirá esta nova tirada voltar a
agarrar-nos todos estes anos depois, ou deixar-nos-á com vontade de fugir a
sete pés?
Em Resident Evil 4 voltamos a
assumir o papel de Leon S. Kennedy. Depois de sobreviver aos eventos em Raccoon
City, Leon passou anos a receber treinos muito específicos que o tornaram um
agente governamental topo de gama. Agora, Leon recebeu uma missão de
elevadíssima importância: infiltrar uma vila oculta no meio de Espanha de modo
a resgatar Ashley Graham, a filha do presidente dos Estados Unidos. Mas
rapidamente a missão se complica para além do esperado, quando Leon percebe que
todos os habitantes da vila estão sob a influência de uma nova arma biológica –
um parasita chamado Las Plagas. Assim, Leon parte para mais uma aventura onde a
ameaça à sua vida é constante, e onde terá de voltar a superar criaturas
monstruosas que põem em perigo toda a humanidade.
Os jogadores que conheçam o jogo original, que dá aso a este remake, já sabem o que esperar desta história. Resident
Evil 4 tem uma das narrativas mais intrigantes de todo o franchise,
com algumas das personagens mais memoráveis de todo o género de terror. O
mistério da origem da nova arma biológica e de como esta está a ser usada para
criar o culto de Los Illuminados e para controlar todos os seus seguidores é
sempre cativante. Ver o desenrolar das histórias de aliados como Ada ou Luis
Serra, e de antagonistas como Ramón Salazar ou Osmund Saddler é sempre
interessante. E claro, voltar a encontrar o misterioso e agora mais vivaz
comerciante é um prazer sem igual. No fim, temos ainda um epílogo que une muito
melhor os fios narrativos dos jogos anteriores ao deste, e que estabelece
melhor as relações entre personagens desta aventura com acontecimentos passados
e futuros.
Por muitos louvores que tenha de dar à
narrativa, esta não é perfeita. Depois de resgatarmos Ashley,
são várias as vezes em que esta, por um motivo ou por outro, volta a ser
raptada à frente dos nossos olhos, voltando a incitar Leon a salvá-la. Isto
acontece demasiadas vezes durante a história, levando-me até a revirar os olhos
e a pensar “lá vamos nós outra vez”. Mais do que uma reviravolta
repetitiva, é uma ferramenta narrativa utilizada vezes de mais e que me deixa
com a sensação de que a longevidade do jogo está a ser estendida para lá do que
devia. A minha caminhada pela campanha durou pouco menos de 15 horas, e fico
com a impressão que teria ficado a ganhar se tivesse sido algo emagrecida.
Felizmente, não é pela jogabilidade que
fico a desejar que Resident Evil 4 seja mais curto, bem pelo contrário.
Retomando a perspetiva da terceira pessoa, teremos de ajudar Leon a navegar
corredores de castelos e caminhos rurais, a encontrar itens e
tesouros escondidos e a resolver puzzles ambientais de modo a progredir na sua
missão de salvar Ashley. Ao encontrá-la, Ashley vai acompanhando
Leon tanto na exploração, ajudando a chegar a zonas previamente inalcançáveis ou
a resolver problemas que impedem o progresso, como nos momentos de combate, em
que temos de garantir que não é ferida nem raptada.
Nestes últimos, a nossa acompanhante é
muito menos irritante do que no jogo original. Podemos comandar Ashley para nos
seguir mais de perto, com alguma distância ou para ocasionalmente se esconder
num armário ou algo do género. Nestes momentos há duas grandes mudanças muito
bem-vindas. Primeiro, a inteligência artificial de Ashley está muito melhor, já
não parecendo uma galinha tonta quando está mais afastada de Leon. Os seus
movimentos de fuga fazem muito mais sentido e dá para prever melhor o resultado
de cada ordem que lhe damos. Depois, Ashley já não tem uma barra de vida que
temos de gerir com pinças. Continuamos a ter de prestar atenção ao dano que
sofre, e ajudá-la se for derrubada, mas não temos de desperdiçar preciosos
itens de cura para recuperar ou aumentar a sua barra de vida.
Mas o funcionamento de Ashley não é o
único aspeto do combate que beneficiou de melhorias significativas. As clássicas
mecânicas de disparos na terceira pessoa – introduzidas pelo original de 2005
-, apresentam-se aqui muito mais fluídas e bem conseguidas. Para começar, dá
para apontar e andar ao mesmo tempo, independentemente de qual das mãos cheias
de armas estamos a empunhar. A nossa faca está constantemente equipada à parte
e pode ser usada rapidamente para apunhalar um inimigo atordoado ou para
defletir ataques que vêm na nossa direção, sejam eles de curou ou de longo
alcance. Mesmo a gestão do nosso inventário está muito mais intuitiva,
ajudando-nos a programar atalhos nos botões direcionais, a encontrar itens de
cura, ou a fabricar novas munições com maior agilidade.
Convém referir que nada disto significa
que este remake de Resident Evil 4 seja mais fácil que o
original. Bem pelo contrário, fico com a impressão que é ainda mais desafiante.
O equilíbrio entre todas as novas mecânicas e melhorias à qualidade de vida do
jogo estão no ponto perfeito face aos desafios que cada instância de combate
nos coloca. Os nossos recursos são sempre muito limitados, e a quantidade de
inimigos que o jogo manda vir na nossa direção é quase sempre esmagadora. Temos
sempre de ser precisos e ágeis a despachar aqueles que se atiram para cima de nós
com machados e foices, enquanto evitamos os que nos atiram com
dinamite ou tentam alvejar-nos com as suas bestas. Isto para não falar de
quando um inimigo parece arrumado apenas para voltar à vida com uma
transformação tão grotesca quanto mortífera.
Honestamente, não consigo louvar o
suficiente a diversão que senti do início ao fim desta experiência. O loop de analisar
o layout de cada arena de combate e chegar a uma estratégia para progredir
eficazmente foi sempre prazeroso. E esse prazer apenas era superado pela quantidade
de vezes que fui surpreendido por novos inimigos ou por novas combinações
implacáveis de criaturas que me obrigavam a reavaliar rapidamente as minhas
opções enquanto combatia o pânico de perder. Mesmo tendo jogado o original há
pouco tempo, fui apanhado desprevenido umas quantas vezes, sentindo-me sempre
desafiado, em perigo e, no rescaldo de uma vitória, incrivelmente satisfeito.
Só os bosses é que não me surpreenderam de
todo. Os combates contra bosses mantêm-se aqui totalmente intactos face ao original
e, pese embora os seus designs e habilidades sejam grotescamente espantosos,
gostava que estes momentos se apresentassem um pouco mais refrescados aqui. Também não ajuda o facto de terem todos os já típicos pontos fracos óbvios assinalados
por olhos avermelhados e gigantes ao longo dos seus corpos deformados. Não me
interpretem mal, são momentos desafiantes na mesma, algo que vejo como bastante
positivo, mas seguem uma fórmula demasiado rígida para a série, impedindo que
se destaquem como um ponto alto deste remake. Ah, e os seus ataques que
matam instantaneamente também podiam ter ido dar uma volta; estamos em 2023,
esta filosofia de design arcaica já podia ter ficado na gaveta!
Também tenho de referir que estou com uma
imagem menos positiva dos combates com bosses porque foi nestas instâncias que
encontrei os únicos problemas na jogabilidade. Muito ocasionalmente, quando
tentava fazer com que Leon saltasse por cima de uma barreira ou subisse um
escadote, pequenas inconsistências de movimento ocorriam. A animação de salto
decorria e Leon aterrava no mesmo sítio sem avançar, ou o subir um escadote era
interrompido e Leon caía para o chão tendo de começar de novo. Isto acontecia quando
era atacado a meio das animações, mas… nem sempre. Esta inconsistência foi
sobretudo visível no boss final, onde juro que era uma roleta russa de
resultados ser atacado exatamente no mesmo momento de uma animação – ou era
atingido ou tinha frames de invencibilidade. São problemas menores, que aconteceram
menos de uma mão cheia de vezes, mas que foram notórios o suficiente para os
apontar.
Outra das grandes novidades deste remake
é que Resident Evil 4 tem agora muito conteúdo secundário. O minijogo da
carreira de tiro está de volta, com vários níveis para jogar e obter a maior
pontuação possível. Quanto melhor for o nosso desempenho, mais fichas
recebemos, e podemos trocar estas por itens equipáveis que nos conferem bónus,
como maior probabilidade de receber itens de cura ou certos tipos de munições
quando derrotamos um inimigo. Só é pena que estes itens sejam ganhos aleatoriamente,
não dando para personalizar completamente esta vertente.
Depois temos mais colecionáveis para
descobrir (e destruir) pelos mapas do jogo, assim como muitas mais missões
secundárias dadas pelo comerciante. Estas variam entre destruir medalhões
azuis, vender-lhe animais que vamos matando pelo mundo, ou derrotar versões
mais poderosas de inimigos que encontramos pelo jogo. A recompensa por cada
missão cumprida vem sempre sob a forma de uma moeda de troca específica que
pode ser usada para comprar itens exclusivos ou desbloquear melhorias especiais
para as nossas armas. Ou seja, vale bem a pena perder um pouco de tempo sempre
que temos uma destas missões para cumprir.
De um ponto de vista técnico, não é
surpresa nenhuma que este remake está muitíssimo competente. Mantendo o registo
dos mais recentes Resident Evil, as animações são todas exímias,
sobretudo as das criaturas mais monstruosas e grotescas, os efeitos luminosos
estão muito bem conseguidos e a qualidade de imagem geral é muito elevada. Lamentavelmente,
constatei que algumas texturas ambientais se apresentam muito menos definidas,
sobretudo no início do jogo, mas nada de muito danoso. A vertente auditiva do
jogo é quase imaculada. A banda sonora acompanha muito bem os momentos de
tensão e perigo, os efeitos sonoros são impecáveis e os desempenhos de voz são
de elevadíssima qualidade, ajudando as personagens a serem mais vivazes – e
mortas-vivazes.
Por fim, de um ponto de vista do desempenho,
também não há muito a apontar. O jogo corre consistentemente a 60 fotogramas
por segundo no modo de desempenho, a câmara é incrivelmente responsiva e não me
deparei com um único bug ou problema técnico que prejudicasse a minha capacidade
de jogar – para além daquelas pequenas inconsistências que referi anteriormente
em momentos de combate. Até as funcionalidades do DualSense foram bem aproveitadas.
Caso estejam a jogar numa PS5, sentirão um feedback háptico bem conseguido e
uma boa utilização da resistência adaptativa dos gatilhos nos momentos de
apontar e disparar. Não é transformador para a experiência, mas é, sem dúvida, um
bónus simpático para quem estiver na mais recente consola da Sony.
Conclusões
Resident
Evil 4 volta a ser um marco para todos os fãs de jogos de
terror e sobrevivência na forma do seu remake. Ao recontar e ampliar um
pouco uma das melhores histórias da série e ao modernizar significativamente a
jogabilidade face ao original, este jogo volta a elevar a fasquia do que
podemos esperar de todo o género de terror e sobrevivência. Não é perfeito, e
ganharia em ser um pouco mais conciso, mas Resident Evil 4 é uma
injeção de diversão e de qualidade nas vossas vidas.
O Melhor:
- Auge da jogabilidade na terceira pessoa de
todos os Resident Evil
- Novas mecânicas e melhorias à qualidade
de vida são exímias
- Incrível variedade de inimigos que torna
o jogo bastante desafiante
- Novo epílogo que ajuda a tornar toda a
série mais coerente
- Uma das histórias mais intrigantes com as
personagens mais interessantes da série, mas…
O Pior:
- … Estende-se demasiado, recorrendo a reviravoltas
repetitivas
- Algumas texturas e cenários com qualidade
gráfica abaixo do esperado
- Pequenas inconsistências nas
movimentações de Leon durante o combate
Pontuação
do GameForces – 9/10
Título: Resident Evil 4
Desenvolvedora: Capcom
Publicadora: Capcom
Ano:
2023
Nota: Esta análise foi realizada
com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código
gentilmente cedido pela Ecoplay.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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