A proposta de Shovel Knight Dig é intrigante. Enquanto Shovel Knight: Pocket Dungeon era claramente um spin-off, transportando o cavaleiro da pá para um gênero completamente diferente e reformulando os vários inimigos centrais do jogo inaugural do protagonista, Shovel Knight Dig parece ao mesmo tempo uma sequência e um spin-off de Shovel Knight: Treasure Trove.
A jogabilidade, por seu lado, é imediatamente familiar para quem jogou Shovel Knight: Shovel of Hope: mais uma vez, caminhamos e saltamos num plano 2D munidos da nossa indispensável pá, com a qual atacamos inimigos, e ocasionalmente de relíquias, que nos permitem executar ataques especiais se tivermos magia suficiente. Mas Dig dá à nossa arma de eleição um propósito redobrado, que é expressamente evidente pelo nome do jogo: escavar. Os níveis de Dig estão dominados por terreno destrutível que podemos escavar ao atacar na sua direção. Destruindo consecutivamente blocos de terreno alinhado na horizontal, o nosso herói saltará instantaneamente entre eles, permitindo-nos cobrir distâncias amplas na horizontal no ar! É uma inovação que encaixa como uma luva na jogabilidade da série e, juntamente com o shovel drop (pogo jump estilo Ducktales), afirma a nossa arma como um aliado imprescindível para os desafios de plataforma.
Com o novo foco em escavação,
Shovel Knight Dig assume um design mais verticalizado, em que o nosso objetivo
não é progredir horizontalmente como num jogo Mario 2D, mas sim descer, à semelhança
de títulos como Downwell. Esta nova filosofia estrutural não comprometeu em
nada o level design, inimigos e gimmicks, nos quais mais uma vez
a Yacht Club Games deixa evidente a sua imensa criatividade. Cada bioma do jogo
possui os seus inimigos e mecânicas singulares: por exemplo, numa área recheada
de fontes podemos destruir o terreno para alterar o trajeto dos cursos de água
e, consequentemente, dos inimigos e objetos que por eles são empurrados. Os bosses
parecem saídos de Treasure Trove, o que é indicativo da sua qualidade… mas
também significa que, regra geral, não aproveitam as novas mecânicas de escavação
do título.
Mas fora destes confrontos, o terreno
que escavamos é eximiamente aproveitado de inúmeras formas. Embora a nossa
capacidade inata de o destruir já abra várias portas para segmentos
interessantes, a Yacht Club Games expande as suas potencialidades com a criação
de inimigos capazes de o criar ou destruir, e com a criação de vários tipos de
terreno. A título de exemplo, um dos tipos de terreno, se em contacto com fogo,
propaga a chama numa onda de labaredas ao longo da sua área, e outro, a cada investida nossa,
projeta picos em todo o seu perímetro que ferem o nosso herói.
Os biomas em si representam uma
evolução face a Treasure Trove no campo da apresentação: a contagem de pixéis foi
aumentada e a palete de cores é mais rica, dando a sensação que Shovel Knight
passou para uma nova geração de consolas. O estilo de arte em si é bastante
apelativo e detalhado, não só nas personagens e inimigos, mas também nos fundos
dos locais, cada um elaborando a temática da
área.
E apesar de todos estes avanços, Shovel Knight Dig ao mesmo tempo afigura-se como um spin-off por adoptar uma estrutura que diverge significativamente dos conteúdos de Treasure Trove: as normas do gênero roguelite. Consequentemente, ao contrário da divisão por níveis que encontrávamos na primeira aventura do cavaleiro, em Dig todas as áreas têm de ser superadas sequencialmente numa só tentativa. Quando morremos, temos de recomeçar a partir do primeiro nível até que, tendo nós dominado a jogabilidade, somos capazes de alcançar o seu final.
Cada tentativa deixa-nos um pouco
mais preparados para alcançar o fim da aventura, visto que podemos usar o
dinheiro que recolhemos nas nossas escavações para comprar uma série de itens
nas lojas da superfície, como novos acessórios e relíquias que podemos
encontrar durante as partidas. À exceção do upgrade que nos permite
transportar vários objetos (como chaves e ovos) connosco de uma vez, nenhuma destas compras
torna Shovel Knight naturalmente mais forte. Embora as armaduras que compramos
possam ter algumas vantagens, estas têm sempre contrapartidas, pelo que são
melhor perspetivadas como formas de personalizarmos o nosso estilo de jogo. Assim, a cada
derrota voltamos à estaca zero, pelo que o nosso sucesso depende inteiramente
da nossa crescente habilidade e das ajudas que compramos e encontramos.
Por fim, se assim desejarem,
podem saltar diretamente para um dos níveis mais avançados, após pagarem a viagem
com jóias. Porém, esta opção é um pau de dois bicos: embora vos possa poupar
tempo, aterrar diretamente nas áreas avançadas obriga-vos a progredir pelos
seus níveis sem as ajudas que, numa tentativa completa, teriam ao vosso dispor
nestas localizações mais difíceis.
Isto porque os níveis de Dig
estão recheados de jóias, que podemos usar nas lojas subterrâneas para adquirir
relíquias, acessórios e itens de regeneração de vida. As relíquias, dando-nos novas
opções de ataque, são ferramentas úteis para atacarmos a longa distância e
assim manter o nosso cavaleiro a distância segura em situações arriscadas. Por
seu lado, os acessórios são melhorias que persistem durante a tentativa
inteira, permitindo-nos por exemplo resistir a dano explosivo, caminhar sobre espinhos sem
sofrer dano e aumentar os nossos pontos de vida. Existem infindáveis salas extra escondidas pelos
mapas onde podemos encontrar jóias, lojas e itens adicionais, sendo por isso
fundamental mantermos os olhos bem atentos às nossas redondezas. Alguns inimigos
deixarão também cair chaves e ovos, que podemos usar para abrir algumas arcas
de tesouro e portas e para obtermos ajudantes, mas que são danificados quando
sofremos dano, funcionando como uma recompensa pela nossa capacidade de evasão.
Por cada nível, estão também
espalhadas três rodas dentadas, comparáveis às Moedas Estrela dos New Super
Mario Bros., que nos dão recompensas especiais quando chegamos ao seu final. Se
conseguirmos as três, podemos escolher entre regenerar completamente a nossa
vida ou receber um acessório aleatório - com a primeira opção a frequentemente
transformar uma tentativa moribunda numa extremamente promissora. Há também uma
ajuda que o nosso “eu” do passado nos deixa: quando morremos em Dig, uma porção
do nosso espólio fica no nível em bolsas flutuantes. Neste jogo, estas bolsas têm
um propósito renovado, dando-nos um impulso para comprarmos itens na nova tentativa!
E todas estas ajudas são
preciosas porque a dificuldade de Shovel Knight Dig é relativamente elevada. Inicialmente,
os nossos pontos de vida são bastante limitados, pelo que basta alguns erros de
juízo para vermos a nossa jornada enterrada. Os itens de regeneração de vida
são igualmente limitados, e exercer cautela não é uma opção muito viável: se demorarmos
demasiado tempo a descer, uma escavadora capaz de nos derrotar com um toque
surgirá, impelindo-nos a acelerar o passo para evitar uma morte certa. Assim,
Shovel Knight Dig entrega-nos uma dinâmica risco-recompensa delicada: é do
nosso melhor interesse apanhar tantos itens quanto possível, mas ao mesmo tempo
temos de conciliar este intuito com um avanço célere pelos desafios.
Infelizmente, isto significa que
as pequenas frustrações do jogo têm o potencial de se tornarem extremamente
irritantes. Por exemplo, algumas rodas dentadas só podem ser alcançadas se realizarmos
um shovel drop sobre inimigos, mas se tivermos um ajudante, ele poderá
derrotar os inimigos antes de os alcançarmos. Nalguns níveis, perfuradoras surgem
dos extremos laterais do cenário e destroem tudo no seu caminho, e se tivermos
o azar de uma delas surgir encostada a uma roda dentada, podemos dizer adeus a
este item valioso. Em todos os níveis, existem paredes que são destruídas com um único golpe, e antes sequer de vermos o que está por trás delas, os inimigos e espinhos nelas escondidos podem provocar-nos dano. Noutras circunstâncias, dois itens que temos de alcançar em
tempo limitado podem surgir na mesma altura, forçando-nos a sacrificar um
deles.
E, num roguelite, estas
frustrações correm o risco de se exponenciarem, visto que um dos calcanhares de Aquiles do gênero é a
repetição. Em Dig, não nos sentimos demasiado cansados do ciclo de tentativas, tendo
sido consistentemente entusiasmante melhorar a nossa travessia pelos níveis, com uma
regular reorganização de prioridades e otimização de trajetórias. Mas há outro motivo
para o jogo não se ter tornado tão repetitivo: nem quatro horas foram
necessárias para atingirmos o seu final, com mais de 50% dos seus itens desbloqueados.
Embora de qualidade, o conteúdo de Dig é parco e não tem bastante longevidade se não estiverem interessados em melhorar o vosso tempo nos leaderboards online. Mesmo sendo os mapas processualmente gerados, após somarmos algumas horas adicionais de jogo ao final já éramos capazes de reconhecer quase todos os segmentos dos níveis
iniciais.
Conclusão
Preservando o padrão de qualidade que define os jogos da Yacht Club Games e evoluindo vários pilares da experiência de Shovel Knight: Treasure Trove, Shovel Knight Dig não é apenas um spin-off. Esta é uma refrescante reinterpretação da fórmula da série que, com mecânicas de plataformas refinadas e uma gama de inimigos e gimmicks inventivos, tem tudo para satisfazer os fãs do gênero e em especial do cavaleiro da pá.
Contudo, esta aventura é sol de pouca dura, em especial se só desejarem chegar ao fim da jornada. Adicionalmente, apesar de o formato roguelite aumentar a longevidade deste título, o processo de geração dos níveis pode originar algumas leves frustrações.
O melhor
- Soberba apresentação visual;
- Excelente evolução mecânica de Shovel Knight: Shovel of Hope;
- Inventivos inimigos e gimmicks;
- Nível de dificuldade entusiasmante;
- Singulares ritmo e dinâmicas risco-recompensa.
O pior
- Algumas frustrações nos níveis processualmente gerados;
- Escasso conteúdo.
Nota do GameForces: 8.0
Título: Shovel Knight Dig
Desenvolvedora: Nitrome & Yacht Club Games
Publicadora: Yacht Club Games
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada na Steam Deck com base na versão digital do jogo para a Steam, através de um código gentilmente cedido pela Yacht Club Games.
Autor: Tiago Sá
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