Análise | The Last of Us Parte I – Um Esforço Que Não É Em Vão


Quem for vasculhar as análises que já fizemos aqui pela GameForces, aperceber-se-á de que temos na equipa um redator que é fã incondicional da série – o mesmo que escreveu estas palavras que estão agora a ler (e que está a estranhar referir-se a ele mesmo na terceira pessoa, parando de o fazer a partir de agora). Quando The Last of Us Parte II foi lançado em 2020, fui rejogar a versão remasterizada do original para me preparar, sendo essa a minha 12ª vez a viver as aventuras de Joel e Ellie, ou algo muito próximo disso. E fi-lo com todo o gosto porque The Last of Us é um dos meus jogos preferidos de sempre, certamente entrando num top 3. Dito isto, quando começaram a surgir rumores de um remake do jogo originalmente lançado em 2013, remasterizado em 2014, e perfeitamente jogável na PlayStation 5 nos dias de hoje, confesso que fiquei de pé atrás. Este remake é para quem? Para fãs acérrimos como eu, para promover a série televisiva que está aí à porta, ou para finalmente convencer a minoria de jogadores da PlayStation que ainda não tinha espreitado o franchise a fazê-lo finalmente?

Estou a alongar-me nesta introdução por dois motivos. Primeiro, porque quero que fique bem claro que sou um profundo fã deste jogo (e da sua sequela também) e que farei tudo ao meu alcance para ser o menos enviesado possível na análise do que este novo lançamento tem para oferecer. Segundo, porque esta análise é um dos desafios mais interessantes da minha curta “carreira” neste lado da indústria até aqui, pelo contexto em que o jogo é lançado e pelo facto de me forçar a levar em conta aspetos que normalmente não acho que sejam chamados para trabalhos desta natureza. Acho importante este disclaimer porque sei bem como esta série mexe com as emoções dos jogadores, sobretudo dos que não gostam do rumo que a mesma tem tomado, e porque quero ressalvar que este trabalho é feito com tanto rigor crítico quanto possível. Posto isto, será The Last of Us Parte I um jogo que vai ao encontro de tudo aquilo que esperávamos, ou será este um lançamento que ficará na memória como sendo em vão?


Sem grandes surpresas, The Last of Us Parte I reconta a história de Joel e Ellie tal como a conhecemos, passada 20 anos depois de um surto de uma infeção fúngica que devastou o mundo, levando milhões de pessoas a uma loucura semelhante à que encontramos em zombies. Joel é um traficante que recebe uma tarefa importante: a de traficar Ellie, uma jovem que se revelou imune à infeção, até à sede de uma organização paramilitar que ainda está a tentar encontrar uma cura, chamada Fireflies. Reconta também a história do DLC original do jogo, chamado Left Behind, que serve simultaneamente para revelar os acontecimentos que levaram Ellie a ser infetada e a descobrir que é imune, bem como para completar a história de como a jovem cuidou de Joel depois de um acidente aparatoso a meio da campanha do jogo base. É quase a mesma história de amor parental, de luta desesperante pela sobrevivência, e de ponderação moral sobre o valor de uma vida com a qual se estabeleceu laços profundos face à vida de muitos outros.

O argumento é exatamente o mesmo, os desempenhos de Troy Baker, Ashley Johnson, entre tantos outros atores brilhantes, continuam a ser os mesmos, e o ritmo narrativo também é o mesmo que encontramos tanto em 2013 como em 2014. Então, porque é que a história é apenas “quase” a mesma? Porque o impacto que a história teve em mim foi completamente diferente.

Voltei a sentir a dor de todas as perdas de Joel durante o capítulo de abertura do jogo como se fosse a primeira vez que a experienciei, eventualmente até a senti mais agora do que há 9 anos. Cada momento emotivo da história ressoou em mim como nunca antes. Mesmo a tensão que sentia ao explorar os vários ambientes do jogo, enquanto desenvolvia estratégias para derrotar todos os inimigos que se atravessaram no meu caminho, foi muito mais intensa desta vez do que em qualquer outra que vivenciei esta narrativa. Apesar de saber a história de cor, e de ser capaz de antecipar cada momento e cada desafio que vinha a seguir, senti-me tão ou mais envolvido nesta que foi a minha 13ª ou 14ª vez a completar The Last of Us, como na primeira.


Um dos grandes motivos para isso é, sem dúvida, o esforço colocado na revitalização gráfica e visual de The Last of Us Parte I. Para este remake, foi utilizado o mesmo motor de jogo da sequela e com essa mudança veio uma experiência visual e tecnicamente aperfeiçoadas. Os cenários estão bastante mais nítidos, os modelos das personagens, das criaturas e dos objetos com os quais se interage estão incrivelmente mais detalhados, e as animações estão incrivelmente mais vívidas. A sério, desafio qualquer pessoa cética em relação a este remake a ir prestar atenção às animações faciais de Joel com Sarah nos braços, de Ellie no restaurante em chamas ou de Tess quando faz a sua revelação aos protagonistas. Desafio qualquer um que esteja a reviver estes momentos, com o DualSense na mão, a contrariar a ideia de que as melhorias gráficas enaltecem cada um destes momentos, e de muitos mais.

Para melhorar a elevação da experiência que a vertente gráfica já alcança, tenho de reportar que não me deparei com um único bug, glitch, quebra na taxa de fotogramas ou problema técnico. Nada. Zero. Nicles. Não houve uma animação estranha, gavetas ou portas a abrir ou fechar sozinhas, inputs que custaram a ler, tiros certeiros que não registaram, nada. Todas as transições entre sequências jogáveis e cinemáticas foram incrivelmente suaves, sempre a 60 frames por segundo e na mesma qualidade de imagem, ao contrário do que acontecia na remasterização. Os tempos de carregamento são ridiculamente baixos, nem dá para pestanejar na maioria dos casos. E ainda foram implementadas várias funcionalidades de feedback háptico que enaltecem a travessia pelos cenários desolados deste mundo. É sobretudo por estas grandes melhorias gráficas e técnicas, mas não só, que The Last of Us Parte I é, sem sombra de dúvida, um remake – e um dos bons. 

Mas as mudanças não se ficam por aqui. Do ponto de vista da jogabilidade, as mudanças não são tão profundas como se poderia imaginar – Joel não consegue rastejar, esconder-se debaixo de carros ou esquivar-se de ataques como Ellie na Parte 2Apesar disso, as mudanças implementadas acrescentam qualidade. Primeiro, toda a inteligência artificial está uns quantos patamares acima face à dos primeiros lançamentos, tanto do nosso lado como do lado dos inimigos que temos de enfrentar. Do nosso lado, Ellie, Tess, Bill e outros aliados que vamos tendo ao longo do caminho comportam-se de modo muito mais inteligente em situações furtivas e de combate. Já não se atravessam à frente de soldados ou salteadores, nem correm de forma barulhenta ao pé dos clickers e outras criaturas enlouquecidas pela infeção. Estes comportamentos mais realistas e cuidadosos dos nossos aliados tornam mais fácil a imersão na ação, sendo uma melhoria que vai ao encontro de um dos aspetos que mais criticava nas versões original e remasterizada.


A contrapartida disto, é que a inteligência artificial dos inimigos que temos de enfrentar está igualmente mais… inteligente. Enquanto os inimigos infetados continuam a carregar sobre Joel e Ellie sem misericórdia e sem qualquer instinto de preservação, os adversários humanos estão notavelmente mais perspicazes. Nas dificuldades mais elevadas é muito mais difícil fazer com que percam o nosso rasto, já que deixam de ter uma memória equivalente à de um peixinho dourado - para isso teremos de ir para dificuldades mais reduzidas. Mas mesmo nestas o nível de desafio é maior. As reações inimigas são melhores, não sendo tão fácil ficar com a mira apontada ao mesmo sítio à espera que ponham a cabecinha de fora para um headshot rápido sem levarmos um tiro ou outro, os adversários escondem-se melhor e usam estratégias para nos rodear e flanquear mais eficazmente. Portanto, o jogo está mais desafiante, mesmo nas dificuldades mais reduzidas.

Esta elevação da dificuldade ajuda a tornar a experiência ligeiramente mais tensa do que era nas versões anteriores. Mas não é o único fator a contribuir para essa tensão, com o novo sistema de luminosidade a ter também o seu peso na questão. Não implementando propriamente ray-tracing, o sistema de luz do jogo apresenta resultados muitíssimo próximos disso, com raios de luz a atravessarem áreas de vegetação densa ou a serem refletidas por poças de água de forma incrivelmente realista.

Isto faz com que as áreas escuras estejam verdadeiramente mergulhadas na escuridão até ligarmos a lanterna que Joel traz consigo. Juntando isto ao facto de os inimigos estarem um pouco mais capazes levou-me a sentir mais tensão nesta jornada do que em qualquer uma das várias que fiz em versões anteriores do jogo. Por sua vez, isto levou-me desde cedo a adotar um estilo de jogo mais meticuloso e cuidadoso, independentemente de estar numa dificuldade mais elevada ou na mais baixa a limpar os troféus que precisava para a platina – que está bem mais acessível nesta versão, para meu regozijo e de tantos outros caçadores!


Quanto a novidades desta nova versão de The Last of Us, temos mais dois grandes aspetos a referir. Primeiro, não podemos deixar de louvar a implementação de todas as opções de acessibilidade que estavam presentes em The Last of Us Parte II. Desde opções auditivas, visuais ou de jogabilidade, a miríade de opções aqui presentes torna o jogo mais acessível do que nunca a jogadores com as mais variadas dificuldades. Mesmo que não tenham dificuldades, podem perfeitamente ajustar alguns elementos da jogabilidade para personalizar a experiência. Por exemplo, quando andei pelos capítulos em busca dos vários colecionáveis que me tinham iludido na primeira “run,” pus tudo na dificuldade mais baixa, mas ajustei as opções de mira automática ou do “listening mode,” de modo a não privar completamente os encontros de algum desafio. Quer necessitem destas opções quer não, a acessibilidade é sempre importante. Agora The Last of Us Parte I pode ser aproveitado por muitos mais jogadores, e ainda bem que assim é.

A outra novidade é a inclusão de dois novos modos de viver a demanda de Joel e Ellie: um modo de morte permanente e um modo de speedrun. O modo speedrun é explicativo o suficiente: o jogo vai medindo o tempo que demoramos a completar a aventura, apresentando-nos, no fim, as estatísticas de tempo total e por capítulo. O modo de morte permanente tem mais nuances do que parece. Podemos optar por ser recambiados para o início do capítulo, do ato narrativo ou de todo o jogo quando morremos – e sim, fechar o jogo durante confrontos conta como uma morte.

A inclusão destas novas maneiras de experimentar The Last of Us são bem-vindas. O modo de morte permanente acrescenta ainda mais tensão a cada momento do jogo, sobretudo nos encontros repletos de inimigos onde a furtividade é quase impossível. O modo de speedrun é uma adição interessante, ficando apenas a faltar um modo de comparar tempos com amigos, que não inclua ter de fotografar os resultados para termos provas dos tempos incríveis dos quais nos gabamos, claro.


Posto tudo isto, não podemos deixar de olhar para algo que está aqui em falta: o modo multijogador. Bem sabemos que um novo Factions está a caminho, e que a chegada estará para relativamente breve, mas é uma ausência de peso neste pacote. Nos lançamentos originais, não era apenas um modo que permitia continuar neste mundo e colocar a nossa mestria à prova perante outros jogadores, mas um modo com um potencial narrativo impressionante, sobretudo para a época. Como tal, sentimos que uma versão definitiva de The Last of Us Parte I fica incompleta sem a inclusão desta vertente multijogador.

Ainda para mais quando tenho em conta o assunto mais desconfortável de todo este conjunto: o preço de The Last of Us Parte I. Este é um tópico sobre o qual nunca escrevo em análises desta natureza, e por bons motivos. Primeiro, porque cada jogador avalia o valor de uma experiência de modo muito subjetivo e individual. Segundo, porque não conheço a realidade financeira de cada leitor que se depare com estas palavras. E terceiro, mesmo que conhecesse, eu não sou ninguém para sugerir seja a quem for o que fazer com o seu dinheiro. Normalmente, espero que as minhas análises e o relatar das minhas experiências com cada jogo possam ajudar cada leitor a decidir se o jogo irá ao encontro dos seus gostos e se vale a pena, ou não, investir no mesmo.

As mudanças e as melhorias aqui presentes impactam a experiência, elevando a mesma, e representam, sem dúvida nenhuma, valor acrescentado face às versões PS3 e PS4. Mas numa era de atualizações gratuitas e serviços de subscrição recheadas de valor, é-me extremamente difícil argumentar a favor da diferença de valor desta versão face à da remasterização lançada em 2014. Ainda para mais quando esta já foi oferecida antes na PS Plus e se encontra atualmente disponível num dos níveis do serviço. Se forem recém-chegados à PlayStation e nunca experienciaram esta história, então The Last of Us Parte I pode muito bem valer a pena o seu preço. Afinal de contas, continua a ser uma das melhores histórias que esta indústria já produziu e que agora se apresenta técnica, visual e mecanicamente aperfeiçoada até ao limite. Para os restantes que já viveram esta jornada antes, continuo a achar que reviver esta história através desta oferta vale bem a pena… mas talvez mais tarde.


Conclusões
The Last of Us Parte I é um remake bastante competente de um dos jogos mais galardoados de sempre. A história de humanidade num mundo plenamente desumano continua a ser extraordinária, e as várias melhorias visuais, sonoras e técnicas elevam-na para um novo patamar. É um trabalho de renovação louvável e admirável que torna esta a melhor maneira de viver esta aventura marcante. Mas a ausência do modo multijogador e facto de haver uma versão já de enorme qualidade e igualmente disponível para se jogar numa PlayStation 5 podem não justificar, para já, o regresso dos fãs que conheçam este mundo de trás para a frente.

O Melhor:
  • As melhorias visuais são surpreendentemente profundas, elevando ainda mais a história
  • Inteligência artificial significativamente melhorada
  • Novas opções de acessibilidade são de louvar
  • Novos modos de jogo podem apimentar a experiência  
  • A mesma narrativa emocionante e os mesmos desempenhos brilhantes que já conhecemos
O Pior:
  • Sentimos a falta de um modo multijogador 
Pontuação do GameForces – 9.5/10

Título: The Last of Us Parte I
Desenvolvedora: Naughty Dog
Publicadora: PlayStation Studios
Ano: 2022

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela PlayStation Portugal.

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita

Análise | The Last of Us Parte I – Um Esforço Que Não É Em Vão Análise | The Last of Us Parte I – Um Esforço Que Não É Em Vão Reviewed by Filipe Castro Mesquita on setembro 08, 2022 Rating: 5

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