Corria o
longínquo ano de 1994 quando os nossos companheiros da terra do sol nascente
viam ser lançado para a Super Famicom um curioso e inovador JRPG chamado LIVE A LIVE. Tal como vários outros jogos deste género, este título nunca saiu
do Japão, deixando os jogadores ocidentais sem a possibilidade de viver esta
aventura. Mas agora, quase três décadas mais tarde,
os jogadores da Nintendo Switch estão a ser brindados com um remake deste jogo
perdido no tempo, independentemente de onde se encontram no mundo. Mas será LIVE A LIVE a experiência de uma vida, ou deixar-nos-á com a sensação de
estarmos a desperdiçar a nossa?
O remake
de LIVE A LIVE assenta no mesmo género de jogo que o original lançado
nos anos 90, renovando a experiência visualmente e no que toca a alguns
elementos da sua qualidade de vida. Visualmente, o jogo adota o mesmo estilo
visual 2D-HD que encontramos em Octopath Traveler ou em Triangle Strategy, dando uma nova vida a todos os seus cenários e personagens.
Este estilo aplica-se na perfeição a este jogo, com a pixelização da maioria
dos elementos a conferir uma acolhedora sensação de nostalgia, enquanto a
utilização de um espectro de cores mais amplo e de diversos efeitos luminosos
conferem um tom bem mais moderno à experiência.
Para além de ser
um maior deleite para os olhos, há também várias mudanças que tornam esta uma
experiência mais agradável de se jogar. Temos excelentes desempenhos de voz em
japonês (e outros mais assim-assim em inglês), um mini mapa que nos ajuda a
orientar enquanto andamos pelos mundos, a possibilidade de passar à frente sequências cinemáticas, entre outras. Todas estas mudanças são bem-vindas,
assegurando que LIVE A LIVE se apresenta como um jogo muito mais ajustado a sensibilidades modernas.
De resto, LIVE A LIVE retém toda a sua jogabilidade original, a de um JRPG clássico. Vamos
controlando várias personagens que vão explorando os seus mundos, combatendo e ganhando
experiência para subir de nível, adquirir novas habilidades e melhorar as suas
capacidades. À medida que exploramos o mundo e vamos avançando nas narrativas,
podemos ver mais personagens a juntarem-se à nossa party, recolher itens
para utilizar em combate, ou encontrar armas, armaduras e outros equipáveis que
melhoram as nossas estatísticas de HP, ataque, defesa, velocidade, e por aí
fora.
Já o combate
ocorre sempre em arenas com grelhas de 7 por 7, tendo de esperar que a barra de
ação das nossas personagens fique cheia para as podermos movimentar ou para
podermos usar uma habilidade. Cada habilidade está associada a uma de quinze naturezas
(por exemplo, fogo, vento, demoníaca, cortante ou ágil), e pode servir para
infligir dano, recuperar HP, melhorar ou piorar capacidades, ou infligir um
efeito num inimigo ou num dos quadrados da grelha. Para as nossas habilidades
atingirem o seu alvo, este tem de ter o seu avatar a sobrepor-se a um dos
quadrados que estejam ao alcance do nosso ataque. Portanto, no desenrolar de
uma batalha temos sempre de ir gerindo o estado das nossas personagens,
enquanto estudamos o alcance dos ataques dos nossos inimigos e nos vamos
posicionando o melhor possível para que os nossos melhores ataques os atinjam
enquanto ficamos fora do alcance das habilidades opostas mais devastadoras.
Postas as coisas
deste modo, LIVE A LIVE parece ser um jogo complexo. Na verdade, é um
jogo cheio de nuances e com bastante profundidade estratégica, mas capaz de
acolher de braços abertos jogadores com variadíssimos níveis de experiência no
género. O facto de haver sempre um indicador das fraquezas e resistências de
cada inimigo, das dezenas diferentes que podemos enfrentar, de podermos sempre
pré-visualizar o alcance das nossas habilidades antes de as usarmos, ou de
termos um botão que equipa automaticamente as melhores armas e armaduras – tudo
isto faz com que os maiores novatos sejam capazes de se ambientar muito
rapidamente às mecânicas de jogo, enquanto os mais veteranos se sentirão de
imediato em casa.
Mas se pensam que
LIVE A LIVE é JRPG com combate por turnos em grelha como tantos outros,
chegou a altura de vos desenganar. Aquilo que distingue esta experiência é o
facto de ser composta por diversas campanhas, cada qual pode durar entre meia
hora e 3 horas. Cada uma contém diferentes protagonistas e antagonistas, e
passa-se num diferente ponto no tempo, desde a pré-história até ao futuro
distante. Para além disso, podemos abordar a maioria das histórias pela ordem
que quisermos, não havendo propriamente uma sequência correta. Cada uma
apresenta uma gimmick, uma particularidade na jogabilidade que distingue
as histórias umas das outras e que acrescenta bastante variedade ao geral da
experiência.
Inicialmente,
podemos escolher entre 7 narrativas diferentes. A primeira que abordámos foi a
passada na China Imperialista, na qual encarnamos um mestre de uma arte marcial
rara e que, ao pressentir que a sua vida está perto do fim, parte em busca de
três discípulos que possam herdar todo o seu conhecimento e as suas técnicas.
Nesta narrativa, temos de ir treinando os nossos três discípulos, cada qual
começa com níveis de proeza diferentes, escolhendo a qual deles queremos
prestar mais atenção e tornar mais forte, antes de enfrentar um clã criminoso
que utiliza as artes marciais para causar o caos e tomar o poder. Esta é a
história perfeita para começar, uma vez que introduz muitíssimo bem cada um dos
momentos da jogabilidade, tanto da exploração do mundo como de combate.
A história
passada no presente leva-nos a assumir o papel de Masaru Takahara, um lutador
de artes marciais mistas que se propõe a enfrentar os mais notórios mestres de
variadíssimas disciplinas de modo a apreender as suas capacidades e, assim,
tornar-se o lutador mais famoso do mundo. Esta curta campanha apresenta um formato
semelhante ao de um modo de arcada de um qualquer jogo de luta, pedindo-nos
para ir enfrentando um leque de personagens antes de confrontar um último
lutador maléfico, sempre no sistema de combate em grelha.
Viajando para a
pré-história, somos colocados na pele de Pogo, um homem das cavernas caçador
que tem de ajudar uma mulher das cavernas que se encontra a ser perseguida por
um grupo de rufias (das cavernas). As gimmicks deste capítulo são a
ausência de uma linguagem falada e a possibilidade de usarmos o poderoso olfato
do protagonista para não nos perdermos no meio das vastas planícies neste mundo
pré-civilizado. Esta é uma das histórias narrativamente mais recheadas, e está expõe todo o esplendor visual do estilo 2D-HD e do alcance que as animações no
mesmo podem alcançar.
Saltando para a
época do faroeste, somos postos em controlo de um pistoleiro conhecido como
Sundown Kid. Procurado pelas autoridades e constantemente a ser assediado por
caçadores da recompensa que tem em cima, este pistoleiro acaba por desencadear
a raiva de um perigoso gangue de foras-da-lei. Como tal, teremos de ajudar o
nosso cowboy a defender uma pequena vila desse gangue, e a preparar o confronto
com o seu lendário e sanguinário líder. Com a história a passar-se toda nessa
pequena vila, a maioria da jogabilidade desta narrativa passa por explorar a
dezena de edifícios na mesma em busca de recursos que nos ajudem a preparar
armadilhas, mobilizando a população para as montar e serem parte ativa nesta
resistência.
Depois, num
futuro próximo, temos de assumir o papel de Akira, um jovem órfão com poderes
psíquicos especiais que lhe permitem entrar na mente dos que o rodeiam, lendo
os pensamentos alheios ou afetando o estado mental de inimigos. Entre
desenterrar uma construção lendária, proteger os nossos irmãos órfãos de quem
lhe quer fazer mal e pôr fim a uma ampla conspiração ligada ao desaparecimento
de centenas de pessoas, temos de ir usando os poderes de Akira para recolher
provas e resolver puzzles através da leitura de mentes.
No futuro
distante, encontramos uma raça humana capaz de viajar no espaço e de construir e
programar robôs e sistemas de inteligência artificial complexos. Aqui, somos
postos na pele (metálica) de um pequeno robô redondo chamado Cube, cujo
objetivo é assistir toda a tripulação na missão de transportar uma criatura
mística e poderosa de volta para a Terra. Este é um capítulo praticamente vazio
de combates, pedindo-nos antes de andemos pela nave espacial a resolver
problemas ou puzzles enquanto sobrevivemos às ameaças perante as quais somos
impotentes. Trata-se, portanto, de uma narrativa que incorpora elementos de
terror e sobrevivência, oferecendo um ambiente de jogo completamente distinto
do dos restantes capítulos.
A sétima e última
história disponível à partida leva-nos ao final do período Edo no Japão, e ao
papel de um ninja chamado Oboromaru, que parte numa missão de resgate de um
prisioneiro que foi capturado por um governante ditatorial. Para cumprir essa
missão, teremos de infiltrar o castelo desse ditador, e explorar várias áreas
de modo a recolher informações que nos permitam soltar o prisioneiro e pôr fim
à vida do opressor. Este é o capítulo mais aberto de todos, não havendo um
único caminho que nos leve ao destino, nem um único método de cumprir a missão
– temos de optar entre ser assassinos impiedosos ou executar as nossas ordens o
mais silenciosamente possível, evitando o confronto a todo o custo.
Findadas todas
estas histórias, desbloqueamos ainda uma oitava campanha, que nos transporta
para a idade média e para a pele de um guerreiro chamado Oersted. Quando a
princesa do nosso reino, e nossa esposa, é raptada por um demónio, temos de
partir em busca de um herói lendário de modo a receber ajuda na luta contra um
implacável senhor do mal. Este é o capítulo que revela a existência de um elo
de ligação entre todas as narrativas que LIVE A LIVE nos oferece e que
estende o tapete para um derradeiro nono capítulo que fecha esta experiência
com uma chave de ouro.
Todas as
histórias são empolgantes e memoráveis, tendo quase todos qualquer coisa que
nos surpreende e que nos leva a exclamar “uau” a dada altura. São também
incrivelmente equilibradas e bem desenhadas, ao ponto de nunca termos sentido a
necessidade de perder um minuto que fosse a dar grind para colocar as
nossas personagens em níveis mais elevados. Nem mesmo no capítulo finalíssimo,
que oferece uma experiência muito mais próxima da de um JRPG clássico, juntando
todos os protagonistas no mesmo mundo. Isto levou-nos a ter de fazer uma gestão
da nossa party muito mais profunda e incentivou-nos a explorar o
desafiante, mas sempre recompensador, conteúdo secundário. LIVE A LIVE é, portanto, uma experiência que nos agarrou do primeiro ao último segundo, ao
ponto de termos rejogado o derradeiro capítulo várias vezes para experimentar
várias combinações de equipas e para viver os 5 desfechos finais possíveis.
Embora seja um
jogo incrivelmente bem conseguido, LIVE A LIVE não está isento de falhas
ou problemas. Para começar, há histórias claramente melhores, e capítulos com particularidades
de jogabilidade menos cativantes que os outros – o capítulo do faroeste
pede-nos que mobilizemos a população da vila um pouco às cegas e com informação
pouco clara quanto às forças e fraquezas de cada pessoa, e o capítulo do Japão
pede-nos para ir subindo uma torra com várias armadilhas algo injustas que nos
atiram de volta para o piso térreo, obrigando-nos a começar o processo de novo.
São apenas duas das oito gimmicks do jogo a serem algo frustrantes ou
menos divertidas, e é certo que o fator “uau” destes capítulos é bastante
empolgante, mas ficamos a desejar que estes problemas tivessem sido
endereçados neste remake.
Há outros dois
problemas que impedem LIVE A LIVE de ser um JRPG perfeito, sobretudo
para os fãs mais acérrimos do género. Primeiro, é o facto de quase todas as
histórias serem extremamente lineares. Temos sempre objetivos bem definidos e
sabemos quase sempre exatamente o que fazer, o que não motiva a grande
exploração. Não que haja assim tanto para explorar na maioria do tempo, já que
não há conteúdo secundário nem missões opcionais na grande maioria do tempo. De
facto, o capítulo final é o único que implementa masmorras extra para explorar
e saquear, e bosses opcionais para enfrentar.
Talvez também
pela falta destes elementos tão basilares de JRPGs, LIVE A LIVE acaba
por ser um jogo relativamente curto para o género, sendo perfeitamente possível
viver tudo o que há neste jogo em cerca de 25 horas. Consideramos que este
tempo de jogo acaba por assentar que nem uma luva, não nos deixando exaustos
nem propriamente a lamentar por mais, mas reconhecemos que os fãs ávidos deste
género poderão sentir que chegaram ao fim com alguma fome ainda por saciar.
Voltando a aspetos
francamente mais positivos, não podíamos deixar de referir a fenomenal banda
sonora deste remake de LIVE A LIVE. A trilhas musicais marcantes
da lendária compositora Yoko Shimomura foram aqui remasterizadas e
rearranjadas, e o resultado não podia ser mais cativante. Cada capítulo tem um
conjunto de músicas diferentes e perfeitamente condizentes com o período
histórico em que nos encontramos e perfeitamente adequadas ao momento do jogo e
da narrativa. A música deste jogo devia aparecer referenciada nos dicionários
como um exemplo ilustrativo de “earworm,” já que é impossível chegar aos
créditos finais sem uma mão cheia de temas na cabeça.
Por fim, temos de
olhar para alguns aspetos mais técnicos de LIVE A LIVE, uma área na qual
o jogo soluça ocasionalmente. A grande maioria do tempo, o jogo corre
perfeitamente bem, tanto no modo televisão como no modo portátil. Mas temos de
referir que os tempos de carregamento quando se entra numa nova área ou quando
se termina uma batalha são um pouco longos demais. Para além disso, sempre que
o jogo acaba de carregar, a imagem fica congelada durante um segundo ou dois. Também
temos algumas objeções ao texto que vai aparecendo durante as falas, que ocasionalmente
apresenta erros ortográficos ou gramaticais algo básicos. Reconhecemos um
esforço para dar a cada personagem e período histórico um dialeto específico, o
que explica muitas das imperfeições do inglês escrito, mas há demasiadas instâncias
em que não se trata de uma imperfeição dialética, mas sim de erros puros. Nada
disto é excessivamente danoso, mas é algo desapontante de verificar.
Conclusões
O remake de LIVE A LIVE é um triunfo.
Esta segunda vida do JRPG clássico oferece uma experiência variada, visualmente
deliciosa, auditivamente impecável e narrativamente impressionante. Apesar de
histórias com longevidades e níveis de qualidade um pouco diferentes, esta é
uma experiência consistentemente excelente. Quer sejam fãs de longa data deste
género, quer sejam completos novatos, este é um jogo facilmente recomendável, uma
das melhores experiências que a Switch tem para oferecer este ano. A vida vale a pena ser
vivida com LIVE A LIVE.
O Melhor:
- Oito narrativas
consistentemente boas e cativantes, com um final empolgante
- Jogabilidade
cheia de nuances estratégicas e táticas, mas fácil de aprender e dominar
- Estilo visual de
2D-HD que é um deleite para os olhos do início ao fim
- Banda sonora
retrabalhada é extraordinária
- Personagens
memoráveis e com gimmicks que tornam a experiência bastante variada, mas…
O Pior:
- … Duas histórias
com gimmicks de jogabilidade menos cativantes
- Grande maioria da
experiência é excessivamente linear e sem conteúdo secundário
- Alguns soluções
técnicos que ocasionalmente prejudicam o desempenho
Pontuação do
GameForces – 9/10
Título: LIVE A LIVE
Desenvolvedora: Square-Enix
Publicadora: Nintendo
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do
jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo
Portugal.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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