Se estivermos a
andar pela rua e, por algum motivo, quisermos meter conversa com um estranho, e
se, vá-se lá saber porquê, lhe perguntarmos sobre a era dourada das mascotes
nos videojogos, o mais provável é que olhem para nós como se não batêssemos bem
e virarem costas sem responder. Mas caso aconteça fazermos isto com alguém que
acompanhe com algum interesse esta indústria, diria que o auge dessa era foi
ali algures entre os anos 90 e o início dos anos 2000. Seja por nostalgia ou
por um espaço atualmente pouco ocupado no mercado, a verdade é que temos assistido a um
ressurgimento dos jogos que giram à volta de mascotes.
Desde Crash Bandicoot, a Spyro the Dragon, passando por nomes menos
impactantes como Ty the Tasmanian Tiger ou Kao the Kangaroo,
os jogos que se focam em pequenos seres antropomórficos parecem ter voltado a
estar na moda. E é neste contexto que surge Klonoa: Phantasy Reverie Series,
um título que tenta ressuscitar mais uma mascote esquecida há décadas. Mas será
este jogo uma porta de regresso da série Klonoa à ribalta, ou teria sido
melhor não termos levantado o véu desta experiência?
Klonoa: Phantasy
Reverie Series é uma coleção de
remasterizações dos primeiros dois jogos desta série de plataformas em 2.5D.
Primeiro, temos Klonoa: Door to Phantomile, originalmente lançado para a
primeira PlayStation em 1998 (na Europa), que conta a história da primeira
aventura do titular Klonoa, que tem de enfrentar um espírito sombrio chamado
Ghadius. O objetivo deste vilão é recolher um pingente mágico que lhe permitirá
transformar toda a terra de Phantomile num mundo de pesadelos. Depois, temos Klonoa
2: Lunatea’s Veil, uma sequela direta que chegou originalmente à
PlayStation 2 em 2001. Nesta aventura, temos de ajudar Klonoa a impedir que um
sino mágico seja tocado, de modo a impedir que toda a terra de Lunatea seja
dominado por mágoa tendo que, pelo caminho, impedir uma antiga sacerdotisa de forçar uma tragédia para se assumir como a salvadora do mundo.
E francamente, é
tudo o que conseguimos dizer sobre as histórias destes jogos – e mesmo para
estes bocados, temos de agradecer à Wikipedia pela assistência. Isto porque
cada uma das narrativas introduz tantos conceitos, despeja tanta informação em
cima de nós em cada sequência cinemática, e dá tantas voltas e reviravoltas bizarras que nos
deixaram simplesmente confusos do início ao fim. O único aspeto narrativo que se safa no meio de toda esta
confusão é a qualidade das personagens, com os elencos de ambos os jogos a
apresentarem-se vivaços e com traços de personalidade bem distintos. Ou seja, é
bem natural que qualquer jogador chegue ao fim de cada um (ou de ambos) estes
jogos sem perceber patavina das suas histórias, mas a lembrar-se de momentos
específicos das várias personagens bem memoráveis. Certamente que os fãs de
boas narrativas ficarão desiludidos com essa vertente do jogo, é mesmo a mais
negativa desta experiência que, no total, andará à volta das cerca de 8 a 10
horas.
Felizmente,
quando olhamos para a jogabilidade quase que apenas conseguimos apontar
louvores. Como já referimos, ambos os jogos se apresentam em 2.5D – ou seja,
toda a jogabilidade de plataformas (saltos, combate, exploração e busca de
colecionáveis) decorre num plano bidimensional, mas os ambientes em si são
todos tridimensionais. Esta opção não é única, nem de perto nem de longe, mas a
conjugação da jogabilidade de Klonoa com o design em 2.5D roça a
perfeição. Para além de saltar e de planar no ar durante uns segundo, Klonoa
usa um anel para disparar balas de vento. Mas em vez destas derrotarem
inimigos, as balas atordoam-nos e trazem-nos para a posse de Klonoa, de modo a poderem
ser transportados e, depois, atirados contra outros inimigos, contra elementos
ambientais ou contra o chão de modo a poder executar um duplo salto.
O entrosamento
perfeito com os ambientes tridimensionais vem quando nos apercebemos que Klonoa
se pode virar para a câmara ou para o plano de fundo do nível e,
consequentemente, interagir com inimigos e objetos fora do seu percurso
bidimensional. Isto significa que cada nível nos obriga a prestar bastante
atenção a todo o ambiente, de modo a desvendar segredos, descobrir
colecionáveis ou até para resolver puzzles essenciais para a progressão no
nível. Esta tridimensionalidade é um dos motivos pelos quais saímos destes
jogos incrivelmente satisfeitos com cada um dos níveis. Estes estão
meticulosamente desenhados, estão recheados de puzzles cujas resoluções são
gratificantes, e são amplos o suficiente para incentivar a exploração de caminhos
alternativos e sem nunca nos sentirmos perdidos.
Isto tudo já é
verdade no primeiro Klonoa, e em Klonoa 2 sentimos uma clara
evolução desta fórmula, com puzzles ainda mais interessantes, uma maior
variedade de inimigos, um leque de possibilidades de navegação mais amplo e a
introdução de níveis ou secções puramente em 3D, onde o protagonista surfa ou
patina pelos ambientes com a câmara colocada na perspetiva da terceira pessoa.
Sim, sentimos que Lunatea’s Veil é um jogo visivelmente superior a Door
to Phantomile, tanto na qualidade do design dos níveis como na variedade da
jogabilidade, mas é algo que não sentimos que prejudique o pacote geral deste
conjunto de remasterizações. Os níveis do primeiro jogo estão muitíssimo bem
desenhados para a sua jogabilidade menos ampla, e o facto de termos
naturalmente começado por aí e depois passado para a sequela fez com que Klonoa:
Phnatasy Reverie Series transmitisse uma sensação de que ia melhorando à
medida que avançávamos, sensação essa sempre muito gratificante.
Permitam-nos dar
um ligeiro passo atrás para voltarmos a elogiar a ligação entre a jogabilidade
praticamente toda em 2D e os ambientes tridimensionais, porque nos falta falar
do auge desta opção de design: os confrontos com bosses. Não há puzzle ou
inimigo que aproveite tão bem o facto de os jogos serem em 2.5D como os vários
e memoráveis bosses destes jogos. Estes obrigam-nos a desempenhar manobras e a
aplicar estratégias específicas, que não surgem durante os níveis,
apresentando-se como desafios únicos e divertidos.
O único problema
destas instâncias não tem a ver com os bosses em si, mas com o facto de os
tutoriais poderem estragar o desafio destes. Se tivermos os tutoriais ligados,
antes de começar uma batalha são colocados perante nós cartões que explicam
cada fase do boss e o que fazer para o derrotar. Fazer isto com bosses tão impecavelmente
desenhados devia ser considerado um crime, já que pode prejudicar
imensuravelmente a sensação de desafio e de eureka que estes confrontos
normalmente proporcionam.
Como seria de
esperar, à medida que vamos avançando nas campanhas, os níveis vão ficando
progressivamente mais desafiantes. Os posicionamentos de inimigos geram
situações de combate mais desafiantes, os puzzles complexificam-se e as
sequências de plataformas vão ficando mais exigentes. E é aqui que temos de
parar de louvar o jogo para apontar o único aspeto da jogabilidade que achámos
problemático. Algumas destas sequências de plataformas mais difíceis exigem que
interliguemos várias manobras aéreas de apanhar inimigos que flutuam para
saltar mais alto até alcançarmos um novo inimigo para apanhar e voltar a
saltar, por aí adiante. Mas esta tentativa de tirar partido das boas mecânicas
de jogo acaba por sair ligeiramente furada, uma vez que sentimos alguma inconsistência
nos timings destas manobras aéreas. Há momentos em que o jogo parece exigir uma
precisão quase ao pixel para agarrarmos um inimigo com sucesso, enquanto a
nossa margem de timing parece ser bem mais ampla noutras instâncias
semelhantes. Esta inconsistência não mancha a nossa percepção da grande
qualidade geral da jogabilidade, mas leva a algumas mortes frustrantemente
desnecessárias.
Como também é
hábito em jogos de plataformas, ambos os jogos Klonoa encontram-se recheados de colecionáveis. Primeiro temos as pedras preciosas, que nos
conferem uma vida extra quando colecionamos 100 em ambos os jogos. Caso
colecionemos todas as pedras preciosas de um nível em Klonoa 2, estas
também nos desbloqueiam fotografias para um álbum. Depois, cada nível tem 6
estrelas para encontrar e colecionar. No primeiro jogo, as estrelas contêm um
cidadão do mundo apanhado pelos capangas do vilão, e salvar todos os 6 cidadãos
em todos os níveis desbloqueia um nível extra, que testa os limites do nosso
domínio das mecânicas e apresenta o maior desafio de toda esta coleção de
remasterizações. No segundo jogo, as estrelas contêm pedaços de bonecos, e à
medida que vamos colecionando esses bonecos vamos desbloqueando também alguns
níveis extra. Fazer com que valha a pena ir atrás de todos os colecionáveis
pode, por vezes, parecer uma arte perdida, mas ambos os jogos Klonoa
conseguem fazê-lo com mestria, incentivando-nos a voltar a níveis passados para
atingir uma conclusão a 100%.
Tratando-se este
título de uma coleção de remasterizações, não podíamos deixar de olhar para o
que é que mudou face aos lançamentos originais. Começando pelo óbvio, ambos os
jogos se apresentam visualmente retrabalhados, com modelos de personagens, de
itens e de criaturas bastante mais nítidos e modernizados. No entanto, a direção
artística mantém sempre o seu aspeto "cartoonesco," sendo sempre um prazer para
os olhos, sobretudo devido à qualidade da utilização de cores vivas. Também a
banda sonora se apresenta aqui remasterizada, e as trilhas sonoras são de qualidade. A música nunca é particularmente memorável, mas contribui bastante bem para o tom jovial da maioria dos níveis, enquanto denota alguma
ameaça nos confrontos com bosses.
Quanto a outras
mudanças, Klonoa: Phantasy Reverie Series acrescenta um novo nível de
dificuldade mais fácil. Este destina-se sobretudo a jogadores menos experientes
ou a estreantes nesta série, dando a Klonoa mais vida, reduzindo dano sofrido e
conferindo vidas ilimitadas. Os mais veteranos da série podem optar por jogar
ambos os títulos com o nível de dificuldade clássico, enquanto novos jogadores
encontram aqui uma opção que torna esta experiência mais convidativa. Nesta
coleção, podemos ainda acelerar o passo das numerosas e (excessivamente) longas
sequências cinemáticas, outra adição bem-vinda tendo em conta o quão rapidamente
perdemos todo e qualquer interesse nas narrativas sem sentido destes jogos.
Por fim, e olhando
para algo mais técnico, constatamos que Klonoa: Phantasy Reverie Series
corre consistentemente bem. Mesmo quando o ecrã se enchia de inimigos e de
efeitos visuais, não sentimos que a taxa de fotogramas tenha caído uma vez, nem mesmo quando se jogava em modo cooperativo. Os
tempos de carregamento também foram sempre curtos, nunca havendo mais de um
segundo de transição entre a escolha de um nível e o seu início (ou o início de
uma sequência cinemática). Mas convém ressalvar que passámos por esta experiência
numa das consolas de nova geração, e que esta vertente técnica do jogo pode
variar caso se esteja numa Switch, numa PS4 ou numa Xbox One.
Conclusões
Klonoa: Phantasy Reverie Series é uma remasterização bastante bem-conseguida de dois
clássicos esquecidos há demasiado tempo. Com dezenas de níveis divertidos,
bosses memoráveis e personagens cheias de vida, esta é uma experiência da qual
qualquer fã de plataformas retirará horas de diversão – desde que não esperem
que a jogabilidade apelativa se faça acompanhar de boas histórias. Quer sejam
estreantes ou fãs de longa data, este regresso de Klonoa é um sonho tornado
realidade, e esperamos que esta mascote renascida tenha mais para dar no
futuro.
O Melhor:
- Jogos visualmente
ricos com designs de criaturas e ambientes com imensa qualidade;
- Jogabilidade em
2.5D é bastante distintiva face a outros jogos deste género;
- Design dos níveis
é de elevadíssima qualidade, melhorando do primeiro para o segundo jogo;
- Novo nível de
dificuldade abre a porta a novos jogadores e a jogadores mais novo;
- A banda sonora de qualidade e bastante apelativa.
O Pior:
- As narrativas de
ambos os jogos são uma confusão sem grande sentido;
- Ligeiras
inconsistências nos timings das habilidades no ar;
- Tutoriais podem
estragar qualquer sensação de desafio dos bosses.
Pontuação do
GameForces – 8/10
Título: Klonoa: Phantasy Reverie Series
Desenvolvedora: Monkey
Craft
Publicadora: Bandai
Namco
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do
jogo para a Xbox Series X|S, através de um código gentilmente cedido pela Bandai
Namco.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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