A expressão “construído sobre os ombros
de gigantes” é uma que assenta que nem uma luva à indústria dos videojogos. É
bastante comum pegarmos num jogo acabadinho de sair e identificar vários
elementos inspirado em grandes clássicos ou em títulos marcantes que ajudaram a
inovar esta indústria. É este o caso de Eternal Hope, um novo jogo indie
que tenta agora pegar na fórmula de Limbo e inspirar-se na mesma para
nos oferecer uma experiência nova e envolvente. Mas conseguirá Eternal Hope
ser um jogo que ficará para sempre na nossa memória, ou irá essa esperança revelar-se
vã?
Em Eternal Hope assumimos o papel
de um jovem ser solitário chamado Ti’bi. Ti’bi viveu toda a sua vida sozinho, não
tendo ninguém com quem partilhar os bons ou maus momentos. Contudo, a sua vida altera-se drasticamente quando um dia conhece uma jovem que, como ele, havia passado toda a sua vida na mesma
solidão. Ambos os jovens começam uma bonita amizade e, eventualmente, desenvolvem
um amor profundo, até ao dia em que, num acidente trágico, a jovem parceira de Ti’bi perde a sua vida. No auge do seu desespero, um ser que afirma ser o
guardião das almas daquele mundo, aparece perante Ti’bi e explica que a alma da
sua amada se fragmentou, o que o impede de fazer o seu trabalho. Assim, o nosso
protagonista parte em busca dos fragmentos da alma da sua cara-metade, com a
promessa de que se os conseguir reunir, o guardião usará o seu poder para a
ressuscitar.
E assim se dá início a uma aventura que
levará Ti’bi a arriscar tudo em nome do seu amor, tendo de atravessar um mundo repleto
de perigos e criaturas impiedosas. O resultado disto é uma narrativa surpreendentemente
emocional e cativante, durante a qual não conseguimos deixar de torcer pelo
nosso jovem protagonista do início ao fim. Os truques narrativos poderão ir um
pouco longe demais para alguns, pintando Ti’bi como um personagem excessivamente
trágico. Não obstante, o contrabalanço introduzido por algumas reviravoltas e por algumas
das pequenas narrativas de desespero, coragem e sobrevivência que vamos
encontrando espalhadas pelo mundo acabam por mitigar este exagero. É, portanto,
uma curta aventura de 2 a 3 horas, durante as quais sentimos um aperto no coração
sempre que um novo obstáculo ameaça pôr fim à demanda de Ti’bi.
Tudo isto se desenrola num mundo
inteiramente em 2D, ao longo do qual teremos de ajudar Ti’bi a atravessar,
saltitando entre plataformas ou resolvendo inúmeros puzzles ambientais. A
jogabilidade é extremamente simples: o nosso protagonista pode saltar, agarrar-se
a parapeitos ou cordas, empurrar ou puxar objetos e, eventualmente, planar. Adicionalmente,
Ti’bi recebe também a habilidade de atravessar dimensões e colocar-se no mundo
das sombras temporariamente, revelando elementos importantes para resolver um puzzle
ou abrir novos caminhos para podermos prosseguir. A simplicidade da
jogabilidade acaba por ser uma das forças de Eternal Hope, permitindo a
qualquer jogador pegar num comando e dominar rapidamente os controlos,
independentemente do seu grau de familiaridade com videojogos.
De facto, esta é uma simplicidade que
tanto ajudou a destacar um outro título independente lançado há mais de uma
década – Limbo. Infelizmente para
Eternal Hope, a inspiração nesse aclamado clássico, que se verifica em
mais vertentes para lá da jogabilidade simples, leva a um jogo que fica
bastante aquém da expectativa. Mantendo o foco na jogabilidade, Eternal Hope
não consegue traduzir a sua simplicidade mecânica numa experiência totalmente
consistente e gratificante.
São demasiadas as vezes em que os saltos iguais
parecem ter alcances suficientemente diferentes para significar o sucesso ou o
insucesso. São também demasiadas as vezes em que o limite de altura que Ti’bi
pode cair sem morrer parece ser arbitrariamente diferente. É também bastante
frequente alguns elementos ambientais necessários à resolução de um puzzle,
sobretudo criaturas hostis, terem timings de reação pouco consistentes às
nossas ações com Ti’bi. E, mais grave que tudo, parece sempre haver um período
de latência suficiente notório entre o pressionar de um botão no nosso comando
e a reação do protagonista no ecrã. A titulo de exemplo, uma rápida
sequência de mudança de direção e salto pode não ser devidamente registada, com Ti’bi
a saltar sem se virar para a direção que precisamos (não dando para mudar de
direção a meio do salto). Tudo isto é significativamente danoso
para um jogo de puzzles e plataformas como Eternal Hope.
Para piorar as coisas, há ainda o facto de os puzzles serem todos incrivelmente simples de resolver. Apenas contamos dois ou três quebra-cabeças ambientais que nos obrigaram a uma ou duas instâncias de tentativa e erro, antes de percebermos a solução. Por outro lado, foram mais os puzzles onde necessitamos de diversas tentativas (por vezes mais do que uma mão cheia), devido a um elemento importante não se comportar como devia ou a uma falta de responsividade por parte do nosso protagonista. Esta disparidade entre a simplicidade da resolução e a dificuldade em colocar o nosso avatar a desempenhar as ações por nós preconizadas pode ser bastante enervante. Nunca é bom quando um jogo exige do jogador uma precisão que a sua jogabilidade não consegue garantir, e infelizmente, Eternal Hope é um desses casos.
Há ainda outro aspeto criticável, que se
prende com a variedade da jogabilidade. Como demos a entender antes, há uma
habilidade que Ti’bi apenas adquire a meio do jogo: a de planar. Esta
habilidade tira partido do cachecol que o protagonista usa, peça de roupa que pertencia
à sua amada e que traz com ele desde o início da sua demanda. Mas apenas podemos
usar esta habilidade sensivelmente a partir da segunda metade do jogo, quando
esta teria sido bastante útil em ocasiões anteriores. Se aliarmos isto ao facto
de a variedade de desafios ambientais ser muito pouco variada, não podemos
olhar para o design geral do jogo como sendo nada mais do que razoável. Recuperando
novamente a comparação com Limbo, não há aqui interessantes puzzles com
gravidade, nem nada de equivalente. Para grande pena nossa, acabamos por
encarar Eternal Hope como um jogo cheio de potencial desperdiçado.
Avançando para aspetos mais técnicos, ficará ainda mais claro porque é que as comparações com Limbo foram tão frequentes ao longo desta análise. Como as imagens usadas até agora têm ilustrado bem, Eternal Hope tem uma direção artística também ela bastante inspirada nesse indie clássico. Apesar de utilizar um espectro de cores mais amplo, e de o fazer com qualidade, a inspiração do design das personagens e dos ambientes é inegável.
Felizmente, esta é uma vertente onde essa
inspiração se sai bastante bem, sendo sempre um deleite para os olhos ver os
cenários belos do mundo de Ti’bi, sobretudo quando contrastados com os cenários
mais macabros e com vários elementos de terror do mundo das sombras para o qual
vamos saltitando ao longo da campanha. A banda sonora simplista também parece
ter sido inspirada em Limbo, e volta a ser um elemento bastante positivo
da experiência, enaltecendo os momentos de maior tensão e fornecendo uma trilha
sonora mais tranquila nos momentos de exploração ou resolução de puzzles sem
grandes constrangimentos de tempo.
De um ponto de vista da performance,
gostaríamos que Eternal Hope se comportasse melhor. Para além dos
problemas de input que referimos anteriormente, o jogo demora demasiado tempo a
colocar-nos de novo em controlo de Ti’bi após uma morte, algo sobretudo
inexplicável se considerarmos que passámos por esta experiência numa consola de
nova geração. Isto para não falar do facto de o jogo correr sempre entre os 30
fotogramas por segundo e valores ligeiramente superiores (supomos que 40-45 fps),
quando um título tão simples deveria poder chegar facilmente aos 60 fotogramas
que a nova geração normalizou. Estes problemas acabam por não ser tão danosos
como alguns do que detalhamos em parágrafos anteriores, mas não podemos deixar
de assinalar como acabam por prejudicar a fluidez desta experiência.
Conclusões
Eternal Hope é um jogo com várias qualidades, mas cujos
defeitos o deixam bastante aquém das suas inspirações. Enquanto a narrativa é
bastante envolvente e a direção visual é vibrante, a simplicidade mecânica não
se traduz numa jogabilidade completamente gratificante devido a problemas
notórios e a puzzles muito pouco desafiantes. É um título que dará alguns
momentos de prazer aos fãs de jogos de plataformas e puzzles, mas cujas
inspirações no aclamadíssimo Limbo nos deixam com a sensação de um enorme
potencial por realizar.
O Melhor:
- Uma narrativa surpreendentemente emocionante
e cativante
- Direção artística é simultaneamente
animada e arrepiante
- Mecânicas de jogo simples, intuitiva e
fácil de dominar, mas…
O Pior:
- … A jogabilidade é pouco fiável e pouco
responsiva em várias ocasiões
- Puzzles são sempre incrivelmente fáceis
de resolver
- Alguns aspetos técnicos que perturbam a
fluidez do jogo
Pontuação
do GameForces – 6/10
Título: Eternal Hope
Desenvolvedora: Doublehit
Games
Publicadora: DX
Gameworks
Ano:
2022
Nota: Esta análise foi
realizada com base na versão digital do jogo para a Xbox One, através de um
código gentilmente cedido pela VIM Global.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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