Lembram-se da
velhinha Dreamcast, a derradeira consola da SEGA e, curiosamente, a primeira
consola “fixa” deste vosso redator? Apesar de amada por quem a tinha, esta acabou por ser um falhanço comercial. Mas tal não significa que não
tenha sido palco de vários títulos de qualidade. E quando olhamos para o género
de plataformas em 3D, é dessa consola que surge um jogo esquecido pelo tempo e que merece agora uma
segunda vida: Kao the Kangaroo. Esta pequena mascote, cujos jogos nunca
foram propriamente aclamados, tem agora uma segunda oportunidade para nos
encantar. Mas será este reboot de Kao the Kangaroo um salto para
o estrelato, ou levará esta mascote um novo murro no estômago?
Tal como manda a
tradição dos jogos de plataformas em 3D, Kao the Kangaroo apresenta-nos
uma história bastante simples. Kao é um pequeno canguru que vive numa ilha de
seres antropomórficos e que, contra os pedidos da sua mãe, parte em busca do
seu pai e da sua irmã, que se encontram perdidos. Pelo caminho, depara-se com
um par de luvas de boxe sobrenaturais e com um mestre de artes marciais que o treina relutantemente. Enquanto se desenvolve como lutador, Kao aprende que vários dos amigos do seu pai se encontram
corrompidos por uma força misteriosa, e que um ser misterioso chamado Guerreiro Eterno que está por
trás de tudo. Pressentindo que a sua família está no meio de todos estes
eventos, Kao parte numa aventura para se reunir com os seus entes-queridos e
para, simultaneamente, salvar o mundo.
Para condizer com
o género no qual se insere, a caminhada de Kao para a salvação da sua família e
do mundo obriga-o a atravessar uma série de níveis tridimensionais, saltitando
entre plataformas, enfrentando criaturas inimigas e recolhendo uma data de
diferentes colecionáveis escondidos. E como um jogo destes vive ou morre
consoante a qualidade dos seus níveis, é com prazer que constato que é neste
aspeto que Kao the Kangaroo mais se destaca. Sim, o design de níveis
deste jogo apresenta uma qualidade impecável, tendo sempre a longevidade e a
abertura certas para que possamos voar pelos níveis ou para que possamos
explorar com calma caminhos escondidos em busca de segredos.
Os desafios de
plataformas vão variando e novos inimigos vão sendo introduzidos à medida que
avançamos na história. Os níveis estão distribuídos por ilhas, com cada uma a
apresentar cerca de 4 níveis mais um confronto com um boss. Cada ilha apresenta
níveis de dificuldade crescente, e os bosses incorporam bem as mecânicas de
jogo. Quer os níveis quer os bosses apresentam sempre um nível de dificuldade
entre o agradável e o fácil, o que significa que os mais sedentos de
experiências castigadoras que testem a sua capacidade (e paciência), não
encontrarão aqui o que procuram. Embora geralmente caia mais para esse lado da
barricada, a verdade é que dei por mim a achar esta experiência mais tranquila
bastante prazerosa, apreciando os vários momentos de salto entre plataformas e de
exploração dos níveis.
Naturalmente que
nada disto seria possível se a jogabilidade fosse mal conseguida, e mais uma
vez esta vertente do jogo apresenta-se como positiva, embora não se destaque
particularmente. Enquanto controlamos Kao podemos saltar, rebolar e esmurrar. Por
vezes, para atingirmos uma nova plataforma teremos de levar Kao a agarrar-se a
saliências, a usar trampolins, a baloiçar-se em ganchos ou a atirar objetos
para ativar novas possibilidades de progressão. Kao pode ainda recolher esferas
que conferem às suas luvas poderes de fogo, gelo ou vento, que ajudarão a
resolver mais alguns dos puzzles ambientais com os quais se depara. É,
portanto, uma jogabilidade relativamente variada, que faz dos momentos de
plataformas bastante divertidos.
Já dos momentos
de combate, infelizmente não posso dizer o mesmo, pelo menos no que toca à
variedade. No início do jogo, Kao pode realizar uma combinação simples de 4
ataques, um ataque no ar, outro onde salta e se projeta contra o chão para
atordoar inimigos e um ataque mais devastador apenas disponível quando vários
ataques seguidos são desferidos com sucesso. No final jogo… exatamente o mesmo. Tudo o
que Kao the Kangaroo introduz de novo ao longo do jogo apenas refresca a
jogabilidade de plataformas, enquanto ignora completamente as mecânicas de combate.
Nem mesmo os poderes elementares parecem afetar de alguma maneira estes
momentos, para além de um efeito colorido diferente no ataque devastador. Não
há combos novos, opções diferentes para enfrentar multidões de inimigos,
inimigos com ataques de longo alcance ou inimigos voadores. Temos sempre o
mesmo leque de ataques, desde o primeiro minuto, até ao último. E não dá para
não ficar desiludido com isto.
E aqui não podia
deixar de falar de outro aspeto mais problemático do jogo: a sua câmara. É
certo que controlar a câmara é bastante simples, já que esta é bastante
responsiva a qualquer manusear do analógico direito. No entanto, esta parece
não ter quaisquer restrições de posicionamento relativo. Ou seja, praticamente
não há “paredes” contra as quais a câmara choque e que limitem a sua posição.
Isto gera alguns momentos quase indutores de enxaquecas em que a câmara
atravessa limites dos níveis ou obstáculos ambientais intransponíveis para Kao,
prejudicando as nossas manobras. Em combate isto é menos frequente, mas
encontramos outros defeitos, como posicionamentos problemáticos que nos impedem
de ver uma boa dose de inimigos que nos atacam de fora do ecrã. Enfim, se há um
aspeto deste jogo que nos lembra que Kao the Kangaroo é uma mascote do
início dos anos 2000, infelizmente é a câmara.
Vamos então para
aspetos técnicos do jogo, que, infelizmente, também se encontram bastante
inconsistentes. Comecemos pelo bom: Kao the Kangaroo é um jogo bonito e
fácil de apreciar visualmente. As personagens são expressivas, a utilização de
cores é muitíssimo boa e as várias animações das sequências de jogabilidade
apresentam um nível de qualidade elevadíssimo. A música é, de um modo geral,
também boa, adequando-se bem aos ambientes dos níveis, e o jogo corre a uma
taxa de fotogramas consistente e elevada. Por outro lado, as animações e a
qualidade de imagem parecem levar um rombo quando chegamos a sequências cinemáticas
(nas quais os posicionamentos estranhos da câmara voltam a fazer-se notar), os
desempenhos dos atores de voz são simplesmente maus, os efeitos sonoros dos
menus são incrivelmente básicos, a música pode subitamente deixar de tocar a meio de um nível, e há bugs… tantos, mas tantos bugs.
Encontramos
texturas mal sobrepostas que dão um ar bizarro ao cenário, indicadores de
objetivos com placeholders por substituir, indicadores de controlos nos
menus que não condizem com os botões da consola (jogando na PlayStation, é
comum encontramos indicadores referentes a botões A ou B, que não existem nessa
plataforma), objetos que permanecem no ecrã depois de colecionados ou partidos, efeitos sonoros que se prolongam eternamente apesar da sua ação associada estar concluída…
enfim, tudo coisas pequenas, mas que desgastam e que me foram, pouco a pouco, tirando
do sério. Depois há problemas mais danosos, como o facto de alguns inimigos nos
desferirem dano após lhes darmos o golpe final, o facto de haver alguns
colecionáveis que reaparecem quando caímos num buraco (sendo inconsistente com
todos os restantes colecionáveis que ficam connosco permanentemente), ou a
possibilidade de atravessarmos texturas de objetos ambientais que deveriam ser
sólidos.
Para ser justo,
não há um único bug com o qual me tenha deparado que torne Kao the Kangaroo
uma experiência insuportável ou impossível de jogar. Não posso deixar de lamentar tamanha
quantidade de problemas técnicos que tanto prejudicam a impressão com que
fico desta experiência, em todo o caso, de qualidade. Não obstante esta
miríade de problemas que sugerem uma falta de polimento, Kao the Kangaroo
é um jogo divertido, prazeroso e que, numa era de backlogs impossíveis
de abater, não ocupa demasiado tempo. De facto, os caçadores de troféus e de
conquistas conseguirão certamente chegar aos 100% em cerca de 10 horas e, acima
de tudo, chegarão a esse ponto ainda a divertirem-se na pele do jovem canguru.
Conclusões
Kao the Kangaroo é um jogo surpreendentemente bem conseguido, e um reboot de
qualidade para uma série que, até aqui, pouco impacto tem tido. As secções de
plataformas são sempre divertidas, e a busca por colecionáveis pode
entreter-nos durante várias horas. Apenas não é
uma experiência recomendável a qualquer fã de jogos de plataformas em 3D por
ter um sistema de combate desinspirado e uma quantidade de bugs e problemas
quase indesculpável. Com um pouco mais de amor e carinho, este pode muito bem
ser o renascer das cinzas desta mascote, cuja próxima entrada aguardaremos com
expectativa e interesse.
O Melhor:
- Design de níveis
bastante interessante e variado
- Ir à caça dos
colecionáveis é bastante divertido
- Jogabilidade
simples e que serve bem o propósito do jogo, mas…
O Pior:
- … Esperávamos
mais variedade nos momentos de combate
- A câmara é extremamente
inconsistente
- Miríade de pequenos
erros, bugs e problemas denotam uma falta de polimento gritante
Pontuação do
GameForces – 6.5/10
Título: Kao the Kangaroo
Desenvolvedora: Tate
Multimedia
Publicadora: Tate
Multimedia
Ano: 2022
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do
jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela Tate
Multimedia.
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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