Depois de muitos anos de trabalho, e de
estar aparentemente preso no limbo, o filme de Uncharted chegou
finalmente às salas de cinema! Sendo um filme adaptado de uma série de jogos, e
ainda por cima um filme que passou por tantos problemas de produção, a expectativa
era muito baixa. Mas como amantes da série de jogos, e ainda por cima tendo
recebido um bilhete de oferta ao adquirirmos Uncharted: Legacy of Thieves Collection, não podíamos perder a oportunidade de ver Nathan Drake
estrear-se no mundo da sétima arte. Será este filme um verdadeiro tesouro
escondido, ou levar-nos-á numa viagem que preferimos não cartografar?
Em Uncharted, seguimos as façanhas
de um jovem Nathan Drake, diferente do que encontramos na série de videojogos. Tendo tido um crescimento solitário num orfanato,
após o seu irmão Sam se ter metido em sarilhos e ter sido expulso do mesmo,
Nathan é agora um bartender desavergonhado que usa algumas tramóias de
carteirista para ir lucrando paralelamente. Uma noite, um antigo aliado de Sam
testemunha uma destas tramóias, e desafia Nathan para a aventura da sua vida:
encontrar o há muito perdido tesouro de Fernão Magalhães, com o qual os irmãos
Drake tanto sonhavam quando eram crianças.
No geral, estamos perante uma história
simples e ocasionalmente divertida, com um sentido de humor leve a acompanhar bem o desenvolvimento do enredo. Mas é também uma história com algumas falhas algo graves. Há uma
linha narrativa ou duas que são levantadas logo a abrir o filme e no qual nunca
mais se pega, como, por exemplo, a questão da linhagem do nome Drake. O pior é
que se nota que muitas destas referências são um piscar de olhos aos fãs dos
jogos, sem acrescentar qualquer valor ao filme. Sobretudo porque são algumas
das falas mais constrangedoras também, dando ainda mais a sensação de que foram
introduzidas artificialmente.
Pese embora esta história não se passe nessa continuidade, quem conhece bem os jogo encontrara aqui pontos em comum suficientes para que os arcos
narrativos das personagens sejam os esperados – afirmação de Nathan como caçador
de tesouros enquanto se adapta a uma vida cheia de reviravoltas e traições,
Sully a ter de escolher entre estabelecer relações ou ceder à sua ganância
pura, e Chloe Frazer, aliada e interesse romântico de Nathan, a aprender a
formar parcerias com outros e não ceder ao seu instinto de desconfiança. Estes
arcos estão bem escritos, mas, por vezes, não tão bem produzidos. São várias as
cenas emocionais ou de aprofundamento das personagens que simplesmente não têm
tempo para respirar, durando meros segundos antes de avançar para a próxima
cena.
Por exemplo, no início do filme Nathan
começa por recusar o convite de Sully, vai para casa onde vê postais que o
fazem lembrar o irmão, e liga de imediato a dizer que afinal aceita. Esta
sequência de três cenas durou cerca de 40 segundos no total, não dando tempo à
audiência de sentir a dúvida de Nathan ou a desilusão inicial de Sully. Percebemos o que as personagens estão a sentir e o porquê das suas emoções, motivações e ações, mas não temos o tempo adequado para os processar. Este é
um exemplo de várias cenas onde sentimos que havia alguma pressa em avançar com
o filme, ficando com a impressão de que se tentou traduzir para cinema o ritmo
mais frenético dos jogos, o que foi um erro. Esta pressa acabou também por
levar a alguns erros de montagem onde, por exemplo, um item roubado via um
truque de carteirista ainda se encontra com o alvo do roubo quando já não era
suposto.
Com toda esta pressa, é fácil deduzir que
Uncharted é um filme com um ritmo sempre elevado. Se nos dois primeiros
atos isto é algo problemático, pelos motivos que já referimos, a verdade é que
resulta num terceiro ato muito bem conseguido. O ritmo a que Nathan começa a juntar
as últimas peças do puzzle e as cenas de ação fazem dos últimos 30/40 minutos
uma experiência de cinema divertida. Se o decifrar das pistas acaba por acontecer
com vários saltos lógicos, a verdade é que rapidamente nos esquecemos disso
quando nos colocam perante ação visualmente tão empolgante e de tão elevada qualidade.
A sequência do avião de transporte e o confronto final apresentam valores de
produção elevadíssimos, deixando um sabor agradável na boca quando os créditos
finais começam.
Se a questão do ritmo é bastante
inconsistente, o mesmo não podemos dizer dos desempenhos. Tom Holland e Sophia
Ali são as estrelas deste elenco, representando impecavelmente estas novas
versões de Nathan Drake e Chloe Frazer respetivamente. Ambos pegam em elementos
das personagens tal como as conhecemos dos jogos, dando-lhes um toque mais
pessoal e suficientemente diferenciador. Isto resulta em representações de grande
classe que ajudam a tornar ambas as personagens apelativas para fãs dos jogos e
para cinéfilos que nunca tenham pegado num comando PlayStation. Os seus
desempenhos individuais apenas são superados pelo trabalho conjunto, havendo
uma química palpável entre os atores quando contracenam.
O restante elenco também se apresenta
consistente… mas nem sempre pelos melhores motivos. Antonio Banderas e
Tati Gabrielle fazem um duo de vilões suficientemente bem conseguido, não se
destacando propriamente positiva ou negativamente. Já de Mark Wahlberg, nem
isso podemos dizer. Achamos o seu desempenho enquanto Sully fraquíssimo, muito
pouco convincente e sem qualquer química com qualquer outro dos atores
principais. Quando olhávamos para Tom Holland, víamos Nathan, e quando olhávamos
para Sophia Ali, víamos Chloe. Mas em Mark Wahlberg apenas víamos… bem, Mark
Wahlberg. Não vimos qualquer traço do charme malandro ou qualquer outra
característica de personalidade de Sully dos jogos, apenas um desempenho exatamente no mesmo registo que já vimos tantas outras vezes do ator.
E por falar nos jogos, se forem fãs há
aqui várias referências subtis, e inspirações mais óbvias, nos quatro Uncharted
que apresentam Nathan Drake como protagonista. Não querendo correr o risco de
apresentar aqui qualquer spoiler de relevo (até porque todos os detalhes
apresentados são óbvios nos trailers ou acontecem nos primeiros 20 minutos do
filme), este filme tenta misturar um pouco de cada um desses jogos, com
particular ênfase no terceiro e quarto. Deste modo, e apesar dos problemas já
referidos que isto muito provavelmente causou, os fãs dos jogos são brindados
com vários piscar de olhos divertidos sem que isso prejudique por demais o
prazer que alguém leigo na matéria possa retirar. Não é suposto este filme passar-se no mesmo universo que os jogos, mas estes pequenos toques são inofensivos para quem não está a par dos mesmos e recompensam os fãs de longa data que dêem uma chance a este novo meio.
Uma última palavra de apreço para o
trabalho de Ramin Djawadi com a banda sonora do filme. O experiente compositor
e vencedor de prémios Emmy foi a escolha perfeita para Uncharted, não só
pela sua reconhecida capacidade, mas também por ter um currículo que inclui
vários videojogos. A sua banda sonora para este filme adaptou exatamente o que
tinha de adaptar da dos jogos, misturando perfeitamente com trabalho mais
original que assenta no tom e na ação do filme que nem uma luva. É mais um
trabalho sublime de Djawadi que enaltece cada minuto do filme.
Conclusões
Uncharted
é uma primeira tentativa algo tosca, mas derradeiramente simpática de adaptar
um dos mais aclamados franchises da PlayStation ao cinema. A história é
suficientemente boa para satisfazer a plateia, pese embora alguns problemas
gritantes de produção e montagem. A ação está sempre muito bem conseguida, e os
desempenhos de Tom Holland e Sophia Ali elevam a qualidade do que vemos no
grande ecrã. Não será uma ida ao cinema que ficará gravada na memória, mas é um filme
divertido para se ir ver com amigos, sobretudo se forem todos fãs dos jogos.
O Melhor:
- Desempenhos de Tom Holland e de Sophia
Ali;
- Cenas de ação visualmente bem conseguidas;
- História geral leve e divertida,
sobretudo no terceiro ato;
- Banda sonora de Ramin Djawadi é de grande
qualidade.
O Pior:
- Desempenho de Mark Wahlberg como Sully;
- Cenas emotivas e de desenvolvimento das
personagens muito apressadas;
- Levanta vários pontos narrativos que não
explora;
- Algumas linhas de diálogo péssimas e
alguns problemas na montagem.
Pontuação
do GameForces – 6/10
Título: Uncharted
Produtora: PlayStation
Productions
Realizador: Ruben
Fleischer
Elenco:
Tom Holland; Mark Wahlberg; Sophia Ali; Antonio Banderas; Tati Gabrielle
Ano:
2022
Autor da Crítica: Filipe Castro Mesquita
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