Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition [PS5] – Falta de Respeito Pelos Mais Velhos


Sabem aquele jogo, ou aquela série de jogos, que vos agarra de tal maneira que nunca mais esquecem, e que fazem de vocês fanáticos por videojogos? Bem, para mim um dos jogos que surtiu este efeito foi um Grand Theft Auto (mais concretamente, Vice City). Quando era mais novo – demasiado novo -, explorar os amplos mapas, brincar com códigos e simplesmente causar o caos enquanto ignorava as missões ocupou-me durante horas – demasiadas horas!

Portanto, foi com um entusiasmo imensurável que recebi a notícia de que a trilogia de GTAs originalmente lançada para a PlayStation 2 iria regressar com melhorias implementadas. Mas será Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition um regresso triunfal destes clássicos, ou serão as memórias do passado mais doces do que a experiência do presente?
 

Remasterização de Três Clássicos – O Que Mudou?
 
Primeiro, tenho de pôr uma coisa em pratos limpos: esta coleção propõe-se a remasterizar três jogos, não a refazê-los de raiz. Julgo que falo por todos os fãs de GTA quando digo que seria fenomenal ver estes títulos reconstruídos no motor de jogo de Grand Theft Auto V e Red Dead Redemption 2. Mas esse não foi o propósito deste projeto. O objetivo aqui foi implementar melhorias que modernizassem alguns aspetos visuais, técnicos e de jogabilidade, enquanto se preservava uma sensação de jogo próxima dos originais. É importante ter isto em conta para contextualizar muito do que vou discutir ao longo dos próximos parágrafos e secções desta análise, e para não criarmos falsas expectativas quando olhamos para esta trilogia.
 
Posto isto, segue-se a pergunta: o que mudou então? Começando pelo óbvio, os jogos apresentam-se visualmente rejuvenescidos. Os mundos de Liberty City, Vice City e San Andreas apresentam-se com texturas mais nítidas e mais detalhadas, com efeitos luminosos mais complexos que resultam em reflexos mais realistas e em ambientes mais imersivos. Ver as luzes dos candeeiros de rua, dos letreiros em néon ou dos faróis de outros carros a serem refletidos nos nossos carros é extraordinário. Igualmente impressionante é ver a diferente luminosidade nas várias fases do dia a darem a todo o mundo uma cor de fundo diferente.
 

Outro aspeto visual diferente, mas certamente menos consensual, prende-se com os modelos das personagens. Todos estes modelos foram claramente retocados numa tentativa de se tornarem mais nítidos, mas sem mudar muito a identidade de cada personagem. O resultado foi um conjunto de autênticos bonecos de plástico, que por vezes parecem retirados de uma série de animação em 3D (estilo Star Wars: Clone Wars), e outras vezes parecem ser feitos do mesmo material que uma Barbie. Mesmo havendo alguns modelos mais difíceis de ver como bem conseguidos – já lá vamos, porque há uns realmente importantes que estão horríveis -, não me custou tanto a habituar aos mesmos como temia. A meio de GTA 3, senti-me perfeitamente ambientado ao novo estilo das personagens, mesmo continuando com algumas animações bastante arcaicas.
 
De resto, esta coleção tenta melhorar alguns aspetos mais técnicos, levando toda a ação a decorrer a 60 fotogramas por segundo, com níveis de sucesso variados de jogo para jogo – uma vez mais, já lá vamos. Também de um ponto de vista mecânico, estes jogos implementam um sistema de mira e disparo mais próximo do moderno, o que maioritariamente favorece a experiência desta trilogia remasterizada – e atentem bem à palavra “maioritariamente.” Já as mecânicas de condução permanecem praticamente intocadas, com as mudanças a serem mínimas e devidas meramente aos sistemas de colisão e de leis da física que parecem um pouco mais exagerados. Mas sinceramente, ainda bem que não mexeram muito na condução, uma vez que olho para esta componente da jogabilidade como bastante mais apelativa e divertida nos jogos clássicos do que nos mais modernos.
 
Posto isto, chegou a hora de olhar para cada um dos três jogos desta coleção: Grand Theft Auto 3, Grand Theft Auto: Vice City e Grand Theft Auto: San Andreas. Abordarei como estas mudanças foram implementadas em cada título, bem como o prazer que cada uma das experiências ainda proporciona (ou não) em 2021. E claro, vou fazê-lo pela ordem de chegada dos originais, a mesma ordem pela qual joguei Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition.
 

Grand Theft Auto 3 – Um Marco Histórico Mais Belo À Distância
 
Em GTA 3, assumimos o papel de um criminoso sem grande crédito chamado Claude que é baleado pela sua parceira Catalina durante um assalto. O resultado disto é a prisão de Claude, que apenas consegue escapar à justiça quando o seu transbordo para a cadeia é intercetado por um gangue que pretende soltar um outro recluso. Agora em liberdade, temos de ajudar Claude a ganhar a vida em Liberty City e a vingar-se de Catalina, participando primeiro em pequenas atividades criminosas e, eventualmente, estabelecendo parceria com algumas das maiores organizações criminosas da cidade. Isto resulta numa história bastante básica e cheia de personagens inconsistentes, sobretudo pelo facto de Claude ser mudo e não conseguir transmitir qualquer traço de personalidade estável para além da sua psicopatia.
 
O que não ajuda a tornar esta história minimamente cativante é o design das missões. Praticamente todas as missões de GTA 3 consistem em ver uma curta sequência cinemática e desempenhar uma tarefa simples. Ganha uma corrida, vai matar personagem X, vai roubar aquele carro… posso apenas contar pelos dedos de uma mão as missões que variam significativamente destes três protótipos de missão. Mesmo as personagens com as quais interagimos acabam por ser demasiado unilaterais e estereotípicas, ainda que reconheça algum valor de entretenimento pela crítica social ou cultural que as mesmas fazem.
 
A cidade de Liberty City apresenta-se como o grande ponto forte deste jogo. Mesmo 20 anos depois, continua a ser divertido explorar todos os recantos da cidade em busca de atividades secundárias, como as “Rampages,” de colecionáveis ou de armas escondidas. Duas das três ilhas de Liberty City continuam a estar muito bem conseguidas e povoadas, com a terceira e última a conter uma grande área, mas muito pouco para fazer na mesma.
 

Infelizmente, uma opção de design bizarra acaba por manchar uma grande parte do prazer que podia advir desta exploração, e mesmo de algumas missões. Ao longo da história, Claude vai-se aliando e traindo quase todas as organizações criminosas do jogo, o que o torna uma persona non grata aos olhos de quase toda a gente.
 
Ou seja, sempre que um membro de um gang ou de uma família mafiosa que antagonizamos nos vê na rua, começa de imediato a atacar-nos. O resultado disto é que praticamente não podemos andar pela cidade no final do jogo, uma vez que as ruas de Liberty City estão apetrechadas de criminosos, tornando qualquer exploração e várias das missões ao longo da campanha autênticos exercícios de resistência à frustração.
 
Olhando agora para como as mudanças desta remasterização foram implementadas, tenho de as considerar como algo inconsistentes. De um ponto de vista gráfico, a cidade de Liberty City e os seus ambientes encontram-se muito mais vivos e nítidos, e, como referi antes, habituar-me aos modelos das personagens foi relativamente rápido – exceto ao modelo de Asuka, que se apresenta difícil de vislumbrar. Os efeitos luminosos estão bem conseguidos, as novas mecânicas de disparo são um claro salto qualitativo face ao que tínhamos antes, e é glorioso testemunhar GTA 3 a correr a 60 FPS… quando se aguenta.
 

Infelizmente, quando nos encontramos numa rua com mais de uma mão cheia de carros, sobretudo se for de noite, o desempenho do jogo decresce significativamente. Mesmo no modo gráfico que privilegia o desempenho em detrimento da fidelidade, nunca consegui passear 5 minutos seguidos por Liberty City sem que a taxa de fotogramas se aguentasse nos 60 por segundo. Se isto já é incompreensível para um jogo com 20 anos, não consigo deixar de manifestar a minha estupefação com o facto destas quebras diminuírem estes valores para menos de metade, havendo ocasiões em que o jogo estava claramente a correr a menos de 25 FPS.
 
Portanto, o que dizer mais de GTA 3? Reconheço o seu valor como clássico, e o seu mérito por dar ao design de videojogos todo um novo mundo de hipóteses para explorar – todo um novo mundo aberto, até. Trocadilhos à parte, o valor de impacto deste jogo há duas décadas serve de pouco para justificar a frustração quase constante que é passar por esta experiência nos dias de hoje. São demasiadas as opções de design que estragam muito do prazer que se poderia retirar, a narrativa e as personagens são altamente inconsistentes, e de um ponto de vista técnico, esta versão do jogo grita falta de polimento. GTA 3 merece bem o estatuto de clássico que tem, mas envelheceu demasiado mal e é claramente um jogo que fica melhor quanto mais nos distanciarmos dele.
 

Grand Theft Auto: Vice City – Rei (Com Olhos Esbugalhados) Desta Montanha
 
Passamos agora para GTA: Vice City, no qual retrocedemos até aos anos 80 para encarnar Tommy Vercetti, um criminoso acabado de sair da cadeia depois de cumprir uma longa sentença. Sendo visto como um ativo tóxico, a família mafiosa à qual pertencia envia Tommy para Vice City, numa tentativa de expandir para o negócio do narcotráfico longe da base de operações. Mas quando um negócio corre mal, e Tommy vê a sua droga e dinheiro roubados, começa uma corrida contra o tempo para descobrir os responsáveis e estabelecer-se como o novo rei do crime nesta cidade exótica.
 
Olhando puramente para a narrativa e para todas as personagens com as quais nos cruzamos, GTA: Vice City é um claro e confiante passo em frente face ao seu antecessor. Com missões muito mais variadas, um enorme elenco de personagens memoráveis, como Lance Vance, Ricardo Diaz ou Ken Rosenberg, e uma narrativa recheada de reviravoltas que fazem sentido e não são meramente explicadas pela psicopatia do protagonista, esta foi uma história que me deu um prazer enorme reviver. Algumas das missões que me lembro de serem mais frustrantes, como a do avião de brincar, ou a da corrida contra Hilary, afiguraram-se agora bastante mais acessíveis. Infelizmente, missões onde somos acompanhados por outros, nomeadamente por Lance, continuam a ser um pesadelo, com a inteligência artificial a continuar a deixar imenso a desejar.
 

Outro aspeto que não posso deixar de louvar na narrativa e design geral de GTA: Vice City é a questão do domínio da cidade. A dada altura na narrativa, somos forçados a comprar uma série de propriedades e negócios e cumprir algumas missões de modo a tornar os mesmos rentáveis. Esta é uma ideia que nunca foi propriamente replicada noutro jogo, seja de GTA ou de outra série similar, e que me envolve na história e no destino desta cidade como não me lembro de alguma vez outro jogo conseguir.
 
E por falar na cidade, Vice City não se apresenta como o mundo aberto mais expansivo, mas talvez como o mais bem recheado da série – quiçá de toda a indústria. Com apenas duas ilhas para explorar, cada rua, atalho ou recanto parece esconder um segredo, um colecionável ou uma pequena missão secundária para conquistar. A quantidade de atividades que Vice City contém é verdadeiramente impressionante, e o melhor de tudo é que a maioria destas é bastante divertida e ficamos genuinamente com vontade de ver e fazer tudo. Este é daqueles mundos abertos nos quais posso enterrar dezenas de horas meramente a explorar e a redescobrir (e a causar caos, não vou mentir), que dificilmente me aborrecerei.
 
Olhando para o trabalho de remasterização, encontramos aqui o mais sólido dos três jogos. A vivacidade que o GTA: Vice City original já conseguia transmitir apresenta-se aqui indubitavelmente ampliado. Ver os efeitos luminosos dos placares em néon a iluminarem tudo à sua volta enquanto passeamos pela cidade à noite é fantástico, a grande maioria das texturas apresenta-se com uma qualidade bastante superior, e uma boa dose das personagens apresenta-se com modelos refrescantes. Infelizmente, há duas ou três personagens para as quais custa imenso olhar, e uma delas é a de Tommy.
 

Sim, o modelo da nossa personagem apresenta-se algo inchado durante duas ou três das sequências cinemáticas do jogo. Mas o maior pecado acaba mesmo por ser a sua nova cara. Todas as falas de Tommy, brilhantemente desempenhadas por Ray Liotta convém referir, fazem desta uma personagem sempre intimidante, zangada e perigosa para quem se atravessa no seu caminho. Mas testemunhar isto vindo de uma cara que transmite algo mais aproximado do sentimento de “gosto bastante de estar aqui, obrigado por me convidarem”, do que de “saiam-me da frente, seus c******, senão destruo-vos” é, no mínimo, desconcertante.
 
De resto, há muito pouco que seja motivo de queixa nesta nova versão remasterizada de GTA: Vice City. O sistema de mira e disparo volta a ser superior ao que o jogo apresentava em 2002, tornando o geral das sequências de ação menos frustrantes do que na versão original. Mesmo o desempenho do jogo apresenta-se muitíssimo consistente, conseguindo aguentar-se nos 60 FPS durante a grande maioria do tempo. Há algumas quebras aqui e ali, sobretudo quando o ecrã está cheio de carros com os faróis ligados, mas mesmo estas quebras nunca são muito acentuadas, mantendo-se sempre solidamente acima dos 30 fotogramas por segundo. Há apenas dois ou três bugs algo chatos e persistentes, que se prendem sobretudo com a presença de objetos ambientais fora do sítio, ou com o comportamento estranho de alguns carros. Nada que perturbe muito o geral da experiência, mas há que ter estes problemas em conta, visto que se trata de uma remasterização de um jogo com quase duas décadas de existência.
 
Com tudo isto, Grand Theft Auto: Vice City apresenta-se aqui como uma experiência que se mantém incrivelmente divertida e recomendável. Com o mundo aberto mais recheado e melhor desenhado de que tenho memória, associado a uma narrativa que nos agarra e envolve do início ao fim, esta é uma experiência tão sólida agora como era há 19 anos atrás. Não é o melhor jogo desta série – mais uma vez, já lá vamos -, mas é, a meu ver, a primeira grande afirmação de que GTA é um franchise ao qual todos têm de prestar atenção. E sendo o jogo desta trilogia que aqui se apresenta como o mais sólido visual e tecnicamente, faz deste título o rei da montanha de conteúdo que é este conjunto. Só é pena faltarem algumas das icónicas músicas às playlists das estações de rádios…
 

Grand Theft Auto: San Andreas – O Melhor GTA, Mesmo com as Rótulas Partidas
 
E chegamos finalmente a GTA: San Andreas, aquele que ainda hoje considero o melhor jogo da série até agora, e, muito sinceramente, um jogo que está no meu top 5 de favoritos de todos os tempos. Neste título, assumimos o papel de Carl Johnson – CJ para os amigos. Quando CJ regressa a Los Santos para ir ao funeral da sua mãe, volta a juntar-se ao gang do seu bairro, agora liderado pelo seu irmão Sweet. Com isto, temos de ajudar CJ a ganhar de novo o respeito do seu gang, a descobrir a verdade por detrás da morte da sua mãe e pôr um fim a todos os envolvidos numa mega organização criminosa responsável pelas suas perdas.
 
Tudo isto leva-nos numa longa narrativa, onde a temática da identidade, da traição e do regresso às origens assumem o palco. Uma vez mais, estamos perante uma história mais complexa que as anteriores, mas igualmente mais bem conseguida, com um design geral de missões muitíssimo variado e sempre divertido. Sim, mesmo aquelas mais frustrantes, como a da perseguição ao comboio ou a do avião de brincar, que se encontram muito mais acessíveis agora. O único calcanhar de Aquiles continua a ser missões onde somos acompanhados por outra personagem importante, e a (falta de) inteligência artificial volta a ser um fator de alguma frustração.
 
Contando com imensas voltas e reviravoltas, um elenco ainda maior de personagens memoráveis, e finalmente um protagonista mais redimível e com uma luta com a qual é mais fácil simpatizarmos, faltam-me os adjetivos para elogiar a campanha de GTA: San Andreas. Tendo como pano de fundo todo o conflito de gangues nos bairros sociais americanos dos anos 90, o jogo terá  um ambiente e uma identidade completamente distintos, enquanto mantém a criminalidade como aspeto central de tudo o que fazemos e acontece ao longo da história.
 

E ainda bem que a narrativa é apelativa, mesmo quando jogada nos dias de hoje. Isto porque GTA: San Andreas é uma autêntica viagem, levando-nos a atravessar três grandes cidades. Cada uma destas é uma representação simplificada, mas reconhecível, de grandes metrópoles americanas. Visualmente, também é muito fácil de distinguir cada cidade: Los Santos apresenta um bom misto de grandes edifícios e de pequenas residências; San Fierro é uma cidade mais acinzentada e cheia de ruas a subir e a descer; e Las Venturas é uma cidade cheia de grandes hotéis e casinos rodeada de deserto. Cada cidade encontra-se numa ilha diferente, cada qual também com vastas áreas descampadas. Assim, este é um dos maiores mapas que já se viu num GTA, mas com vastas áreas algo despojadas de conteúdo ou pontos de interesse para explorar.
 
Não posso, portanto, em boa consciência dizer que o mundo aberto de San Andreas é o mais bem desenhado da série, sobretudo tendo acabado de aterrar vindo de Vice City. Mas isto não significa que haja pouco para fazer, muito pelo contrário. Para além das habituais corridas, missões secundárias e colecionáveis, há uma miríade de novas distrações espalhadas pelas cidades do jogo. Desde um triatlo, um minijogo de assaltos a casas, alguns minijogos de ritmos, até jogos de casinos, é incrivelmente fácil perdermo-nos em atividades secundárias durante horas e horas. Sobretudo porque alguns desses jogos secundários apresentam interfaces de utilizador e mecânicas muito mais intuitivas do que na versão original deste clássico.
 
Para adicionar a tudo isto, temos ainda profundíssimos sistemas de desenvolvimento e de personalização de CJ. Para além de ser o primeiro título no qual podemos comprar individualmente peças de roupa e acessórios, temos ainda a possibilidade de dar ao protagonista diferentes cortes de cabelo e uma grande variedade de tatuagens. Depois, podemos visitar ginásios para ganhar massa muscular e resistência cardiorrespiratória, restaurantes de comida rápida para ganhar massa gorda, ou carreiras de tiro para ir ganhando mais proficiência com cada uma das dezenas de armas ao nosso dispor.
 

E eis que tenho a infeliz tarefa de olhar para como as novidades desta remasterização foram aqui implementadas. Spoiler: não são nada boas. Mas bom, comecemos pelo mais positivo, que se prende com as texturas ambientais. São vários os elementos decorativos, tanto no interior de edifícios como nos vários ambientes ao ar livre, que se apresentam bastante mais nítidos. A grande maioria dos modelos das personagens também se apresenta aqui com qualidade superior, com algumas exceções notáveis: CJ parece estar constantemente de olhos fechados, Sweet fecha mais a boca ao falar, gerando o bizarro espetáculo de vermos o seu queixo a bater no seu céu da boca, e Rider apresenta proporções estranhíssimas na maioria das suas sequências cinemáticas.
 
De um ponto de vista técnico, não tenho qualquer prazer em reportar que GTA: San Andreas é desastroso. A taxa de fotogramas vai abaixo inúmeras vezes (não tantas como em GTA 3, mas mais do que em Vice City). O mundo está recheado de texturas e elementos em falta, ao ponto de nos depararmos com pequenas pontes em falta em algumas zonas de descampado. O sistema de mira e disparo é um claro passo atrás face ao que se via no original, perdendo, por exemplo, a nuance estratégica da proximidade levar a um apontar automático para a cabeça de um antagonista. E a cereja no topo deste terrível bolo é o facto deste jogo ir abaixo quase uma vez em cada sessão de jogo. Muito sinceramente, perdi a conta ao número de vezes que o jogo bloqueou e foi abaixo, obrigando-me a reiniciá-lo e a começar de novo várias missões. Em mais de 12 meses de PlayStation 5, este foi o jogo mais instável até ao momento.
 
Esta versão remasterizada de GTA: San Andreas é, portanto, um jogo bipolar. Por um lado, temos como base o melhor jogo desta série até à data, e uma experiência incrivelmente divertida, repleta de conteúdo e extraordinariamente recomendável ainda nos dias de hoje. Por outro, temos o jogo menos bem otimizado desta trilogia, e um desastre quase absoluto do ponto de vista técnico. Se esta experiência continua a valer a pena, mesmo com tantos novos defeitos? Eu diria que sim. Mas se há por aí versões deste jogo mais bem otimizadas, menos problemáticas e que, por extensão, proporcionam uma experiência geral melhor? Também diria que sim. Sem dúvida que ainda dá para retirar bastante prazer deste jogo, mas apenas posso para olhar para esta versão do mesmo como uma desilusão.
 

Uma Edição Definitivamente Manchada
 
Posto tudo isto, vamos então à pergunta final: Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition vale a pena? Eu diria que a resposta é sim, mas apenas para duas categorias de jogadores: os maiores e mais acérrimos fãs da série, e os que nunca sequer tocaram em qualquer um dos três títulos aqui presentes. Como tentei descrever, e espero ter conseguido transmitir, há aqui muita qualidade contida, mas a grande maioria dessa qualidade deve-se ao trabalho feito pela Rockstar há já 17 anos ou mais. Muito pouco do que encontramos renovado ou refrescado nesta oferta vale o preço de lançamento aqui pedido.
 
Sim, os gráficos apresentam-se melhores na grande maioria das situações, mas é notório que este upgrade visual foi feito recorrendo a processos automáticos de inteligência artificial, e não por “mão humana.” Caso contrário, como explicar a miríade de referências e de piadas subtis perdidas, ou tamanha disparidade entre jogos e, por vezes, dentro dos próprios títulos? Mas mesmo o que foi propositadamente redesenhado se apresenta extremamente defeituoso. O exemplo mais clamoroso disto é o sistema de checkpoints pessimamente implementado em GTA 3 e Vice City, com o carregamento automático a trazer-nos sempre para o início da missão falhada. Teria custado assim tanto implementar um mísero checkpoint extra que fosse nas missões mais longas e árduas destes jogos, como foi feito aqui em San Andreas? Sinceramente, podia pegar em mais um exemplo ou dois, mas não quero que esta secção se torne demasiado exaustiva.
 
Até porque se for um jogador que não se identifica com uma das categorias que referi anteriormente, não significa que esta coleção seja uma completa perda de tempo. Durante esta jornada, os produtores têm trabalhado arduamente para corrigir os inúmeros erros e problemas – alguns dos quais aqui criticados até já se encontram amenizados. Mas esta vai ser sem dúvida uma tarefa hercúlea para a Grove Street Games, e por muito que seja de louvar a tentativa, a verdade é que Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition nunca deveria ter sido lançado no estado abismal em que estava, e ainda está. Portanto, se não forem fãs acérrimos de GTA ou se já tiverem as versões clássicas destes jogos, fiquem-se por aí e esperem para ver se esta oferta se torna algo que valha verdadeiramente a pena.
 

Conclusões
Não há como deixar de classificar esta oferta como desapontante. Há mérito no trabalho de tornar estes clássicos visualmente mais apelativos e mecanicamente mais modernos, mas as falhas são demasiadas e incompreensíveis. Os três jogos apresentam-se extremamente defeituosos tecnicamente, com enormes quebras e variadíssimos bugs a atormentarem a experiência geral. Ainda assim, jogar Vice City e San Andreas continua a ser incrivelmente divertido e prazeroso. Portanto, há aqui valor, mas estes jogos mereciam muito mais amor e carinho por parte de todos os envolvidos.

O Melhor:
  • Vice City e San Andreas continuam a ser clássicos intemporais e divertidos de jogar
  • Grande maioria das texturas ambientais e efeitos luminosos dão nova vida a estes jogos
  • Melhorias na jogabilidade e na qualidade de vida são maioritariamente bem-vindas

O Pior:
  • GTA 3 envelheceu incrivelmente mal, sendo uma experiência dolorosa nos dias de hoje
  • Quantidade imperdoável de bugs e problemas técnicos nos três jogos
  • Alguns dos modelos de personagens estão piores do que nos originais
 
Pontuação do GameForces – 6/10


Título: Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition
Desenvolvedora: Grove Street Games
Publicadora: Rockstar Games
Ano: 2021


Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition [PS5] – Falta de Respeito Pelos Mais Velhos Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition [PS5] – Falta de Respeito Pelos Mais Velhos Reviewed by Filipe Castro Mesquita on dezembro 09, 2021 Rating: 5

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