Sabem aquele
jogo, ou aquela série de jogos, que vos agarra de tal maneira que nunca mais
esquecem, e que fazem de vocês fanáticos por videojogos? Bem, para mim um dos
jogos que surtiu este efeito foi um Grand
Theft Auto (mais concretamente, Vice
City). Quando era mais novo – demasiado novo -, explorar os amplos
mapas, brincar com códigos e simplesmente causar o caos enquanto ignorava as
missões ocupou-me durante horas – demasiadas horas!
Portanto, foi com
um entusiasmo imensurável que recebi a notícia de que a trilogia de GTAs originalmente lançada para a
PlayStation 2 iria regressar com melhorias implementadas. Mas será Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive
Edition um regresso triunfal destes clássicos, ou serão as memórias do passado
mais doces do que a experiência do presente?
Remasterização de Três Clássicos – O Que Mudou?
Primeiro, tenho
de pôr uma coisa em pratos limpos: esta coleção propõe-se a remasterizar três
jogos, não a refazê-los de raiz. Julgo que falo por todos os fãs de GTA quando digo que seria fenomenal ver
estes títulos reconstruídos no motor de jogo de Grand Theft Auto V e Red Dead
Redemption 2. Mas esse não foi o propósito deste projeto. O objetivo aqui
foi implementar melhorias que modernizassem alguns aspetos visuais,
técnicos e de jogabilidade, enquanto se preservava uma sensação de jogo próxima
dos originais. É importante ter isto em conta para contextualizar muito do que
vou discutir ao longo dos próximos parágrafos e secções desta análise, e para
não criarmos falsas expectativas quando olhamos para esta trilogia.
Posto isto,
segue-se a pergunta: o que mudou então? Começando pelo óbvio, os jogos
apresentam-se visualmente rejuvenescidos. Os mundos de Liberty City, Vice City
e San Andreas apresentam-se com texturas mais nítidas e mais detalhadas, com
efeitos luminosos mais complexos que resultam em reflexos mais realistas e em
ambientes mais imersivos. Ver as luzes dos candeeiros de rua, dos letreiros em
néon ou dos faróis de outros carros a serem refletidos nos nossos carros é
extraordinário. Igualmente impressionante é ver a diferente luminosidade nas
várias fases do dia a darem a todo o mundo uma cor de fundo diferente.
Outro aspeto
visual diferente, mas certamente menos consensual, prende-se com os modelos das
personagens. Todos estes modelos foram claramente retocados numa tentativa de
se tornarem mais nítidos, mas sem mudar muito a identidade de cada personagem.
O resultado foi um conjunto de autênticos bonecos de plástico, que por vezes
parecem retirados de uma série de animação em 3D (estilo Star Wars: Clone Wars), e outras vezes parecem ser feitos do mesmo
material que uma Barbie. Mesmo havendo alguns modelos mais difíceis de ver como
bem conseguidos – já lá vamos, porque há uns realmente importantes que estão
horríveis -, não me custou tanto a habituar aos mesmos como temia. A meio de GTA 3, senti-me perfeitamente ambientado
ao novo estilo das personagens, mesmo continuando com algumas animações
bastante arcaicas.
De resto, esta
coleção tenta melhorar alguns aspetos mais técnicos, levando toda a ação a decorrer
a 60 fotogramas por segundo, com níveis de sucesso variados de jogo para jogo –
uma vez mais, já lá vamos. Também de um ponto de vista mecânico, estes jogos
implementam um sistema de mira e disparo mais próximo do moderno, o que
maioritariamente favorece a experiência desta trilogia remasterizada – e
atentem bem à palavra “maioritariamente.” Já as mecânicas de condução
permanecem praticamente intocadas, com as mudanças a serem mínimas e devidas
meramente aos sistemas de colisão e de leis da física que parecem um pouco mais
exagerados. Mas sinceramente, ainda bem que não mexeram muito na condução, uma
vez que olho para esta componente da jogabilidade como bastante mais apelativa
e divertida nos jogos clássicos do que nos mais modernos.
Posto isto, chegou
a hora de olhar para cada um dos três jogos desta coleção: Grand Theft Auto 3, Grand
Theft Auto: Vice City e Grand Theft
Auto: San Andreas. Abordarei como estas mudanças foram implementadas em
cada título, bem como o prazer que cada uma das experiências ainda proporciona
(ou não) em 2021. E claro, vou fazê-lo pela ordem de chegada dos originais, a
mesma ordem pela qual joguei Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive
Edition.
Grand Theft Auto 3 – Um Marco Histórico Mais Belo À
Distância
Em GTA 3, assumimos o papel de um criminoso
sem grande crédito chamado Claude que é baleado pela sua parceira Catalina
durante um assalto. O resultado disto é a prisão de Claude, que apenas consegue
escapar à justiça quando o seu transbordo para a cadeia é intercetado por um
gangue que pretende soltar um outro recluso. Agora em liberdade, temos de
ajudar Claude a ganhar a vida em Liberty City e a vingar-se de Catalina,
participando primeiro em pequenas atividades criminosas e, eventualmente,
estabelecendo parceria com algumas das maiores organizações criminosas da
cidade. Isto resulta numa história bastante básica e cheia de personagens
inconsistentes, sobretudo pelo facto de Claude ser mudo e não conseguir
transmitir qualquer traço de personalidade estável para além da sua psicopatia.
O que não ajuda a
tornar esta história minimamente cativante é o design das missões. Praticamente todas as
missões de GTA 3 consistem em ver uma
curta sequência cinemática e desempenhar uma tarefa simples. Ganha uma corrida,
vai matar personagem X, vai roubar aquele carro… posso apenas contar pelos
dedos de uma mão as missões que variam significativamente destes três
protótipos de missão. Mesmo as personagens com as quais interagimos acabam por
ser demasiado unilaterais e estereotípicas, ainda que reconheça algum valor de
entretenimento pela crítica social ou cultural que as mesmas fazem.
A cidade de
Liberty City apresenta-se como o grande ponto forte deste jogo. Mesmo 20 anos
depois, continua a ser divertido explorar todos os recantos da cidade em busca
de atividades secundárias, como as “Rampages,” de colecionáveis ou de armas
escondidas. Duas das três ilhas de Liberty City continuam a estar muito bem
conseguidas e povoadas, com a terceira e última a conter uma grande área, mas
muito pouco para fazer na mesma.
Infelizmente, uma
opção de design bizarra acaba por manchar uma grande parte do prazer que podia
advir desta exploração, e mesmo de algumas missões. Ao longo da história,
Claude vai-se aliando e traindo quase todas as organizações criminosas do jogo,
o que o torna uma persona non grata
aos olhos de quase toda a gente.
Ou seja, sempre
que um membro de um gang ou de uma família mafiosa que antagonizamos nos vê na
rua, começa de imediato a atacar-nos. O resultado disto é que praticamente não
podemos andar pela cidade no final do jogo, uma vez que as ruas de Liberty City
estão apetrechadas de criminosos, tornando qualquer exploração e várias das
missões ao longo da campanha autênticos exercícios de resistência à frustração.
Olhando agora
para como as mudanças desta remasterização foram implementadas, tenho de as
considerar como algo inconsistentes. De um ponto de vista gráfico, a cidade de
Liberty City e os seus ambientes encontram-se muito mais vivos e nítidos, e,
como referi antes, habituar-me aos modelos das personagens foi relativamente
rápido – exceto ao modelo de Asuka, que se apresenta difícil de vislumbrar. Os
efeitos luminosos estão bem conseguidos, as novas mecânicas de disparo são um
claro salto qualitativo face ao que tínhamos antes, e é glorioso testemunhar GTA 3 a correr a 60 FPS… quando se
aguenta.
Infelizmente,
quando nos encontramos numa rua com mais de uma mão cheia de carros, sobretudo
se for de noite, o desempenho do jogo decresce significativamente. Mesmo no
modo gráfico que privilegia o desempenho em detrimento da fidelidade, nunca
consegui passear 5 minutos seguidos por Liberty City sem que a taxa de
fotogramas se aguentasse nos 60 por segundo. Se isto já é incompreensível para
um jogo com 20 anos, não consigo deixar de manifestar a minha estupefação com o
facto destas quebras diminuírem estes valores para menos de metade, havendo
ocasiões em que o jogo estava claramente a correr a menos de 25 FPS.
Portanto, o que
dizer mais de GTA 3? Reconheço o seu
valor como clássico, e o seu mérito por dar ao design de videojogos todo um
novo mundo de hipóteses para explorar – todo um novo mundo aberto, até.
Trocadilhos à parte, o valor de impacto deste jogo há duas décadas serve de
pouco para justificar a frustração quase constante que é passar por esta
experiência nos dias de hoje. São demasiadas as opções de design que estragam
muito do prazer que se poderia retirar, a narrativa e as personagens são
altamente inconsistentes, e de um ponto de vista técnico, esta versão do jogo
grita falta de polimento. GTA 3
merece bem o estatuto de clássico que tem, mas envelheceu demasiado mal e é
claramente um jogo que fica melhor quanto mais nos distanciarmos dele.
Grand Theft Auto: Vice City – Rei (Com Olhos
Esbugalhados) Desta Montanha
Passamos agora
para GTA: Vice City, no qual
retrocedemos até aos anos 80 para encarnar Tommy Vercetti, um criminoso acabado
de sair da cadeia depois de cumprir uma longa sentença. Sendo visto como um
ativo tóxico, a família mafiosa à qual pertencia envia Tommy para Vice City,
numa tentativa de expandir para o negócio do narcotráfico longe da base de
operações. Mas quando um negócio corre mal, e Tommy vê a sua droga e dinheiro
roubados, começa uma corrida contra o tempo para descobrir os responsáveis e
estabelecer-se como o novo rei do crime nesta cidade exótica.
Olhando puramente
para a narrativa e para todas as personagens com as quais nos cruzamos, GTA: Vice City é um claro e confiante
passo em frente face ao seu antecessor. Com missões muito mais variadas, um
enorme elenco de personagens memoráveis, como Lance Vance, Ricardo Diaz ou Ken
Rosenberg, e uma narrativa recheada de reviravoltas que fazem sentido e não são
meramente explicadas pela psicopatia do protagonista, esta foi uma história que
me deu um prazer enorme reviver. Algumas das missões que me lembro de serem mais
frustrantes, como a do avião de brincar, ou a da corrida contra Hilary,
afiguraram-se agora bastante mais acessíveis. Infelizmente, missões onde somos
acompanhados por outros, nomeadamente por Lance, continuam a ser um pesadelo,
com a inteligência artificial a continuar a deixar imenso a desejar.
Outro aspeto que
não posso deixar de louvar na narrativa e design geral de GTA: Vice City é a questão do domínio da cidade. A dada altura na
narrativa, somos forçados a comprar uma série de propriedades e negócios e
cumprir algumas missões de modo a tornar os mesmos rentáveis. Esta é uma ideia
que nunca foi propriamente replicada noutro jogo, seja de GTA ou de outra série similar, e que me envolve na história e no
destino desta cidade como não me lembro de alguma vez outro jogo conseguir.
E por falar na
cidade, Vice City não se apresenta como o mundo aberto mais expansivo, mas
talvez como o mais bem recheado da série – quiçá de toda a indústria. Com
apenas duas ilhas para explorar, cada rua, atalho ou recanto parece esconder um
segredo, um colecionável ou uma pequena missão secundária para conquistar. A
quantidade de atividades que Vice City contém é verdadeiramente impressionante,
e o melhor de tudo é que a maioria destas é bastante divertida e ficamos
genuinamente com vontade de ver e fazer tudo. Este é daqueles mundos abertos
nos quais posso enterrar dezenas de horas meramente a explorar e a redescobrir
(e a causar caos, não vou mentir), que dificilmente me aborrecerei.
Olhando para o
trabalho de remasterização, encontramos aqui o mais sólido dos três jogos. A
vivacidade que o GTA: Vice City
original já conseguia transmitir apresenta-se aqui indubitavelmente ampliado.
Ver os efeitos luminosos dos placares em néon a iluminarem tudo à sua volta
enquanto passeamos pela cidade à noite é fantástico, a grande maioria das
texturas apresenta-se com uma qualidade bastante superior, e uma boa dose das
personagens apresenta-se com modelos refrescantes. Infelizmente, há duas ou
três personagens para as quais custa imenso olhar, e uma delas é a de Tommy.
Sim, o modelo da
nossa personagem apresenta-se algo inchado durante duas ou três das sequências
cinemáticas do jogo. Mas o maior pecado acaba mesmo por ser a sua nova cara.
Todas as falas de Tommy, brilhantemente desempenhadas por Ray Liotta convém
referir, fazem desta uma personagem sempre intimidante, zangada e perigosa para
quem se atravessa no seu caminho. Mas testemunhar isto vindo de uma cara que transmite algo mais aproximado do sentimento de “gosto bastante de estar aqui,
obrigado por me convidarem”, do que de “saiam-me da frente, seus c******, senão
destruo-vos” é, no mínimo, desconcertante.
De resto, há
muito pouco que seja motivo de queixa nesta nova versão remasterizada de GTA: Vice City. O sistema de mira e
disparo volta a ser superior ao que o jogo apresentava em 2002, tornando o
geral das sequências de ação menos frustrantes do que na versão original. Mesmo
o desempenho do jogo apresenta-se muitíssimo consistente, conseguindo
aguentar-se nos 60 FPS durante a grande maioria do tempo. Há algumas quebras
aqui e ali, sobretudo quando o ecrã está cheio de carros com os faróis ligados,
mas mesmo estas quebras nunca são muito acentuadas, mantendo-se sempre solidamente acima
dos 30 fotogramas por segundo. Há apenas dois ou três bugs algo chatos e
persistentes, que se prendem sobretudo com a presença de objetos ambientais
fora do sítio, ou com o comportamento estranho de alguns carros. Nada que
perturbe muito o geral da experiência, mas há que ter estes problemas em conta,
visto que se trata de uma remasterização de um jogo com quase duas décadas de
existência.
Com tudo isto, Grand Theft Auto: Vice City apresenta-se
aqui como uma experiência que se mantém incrivelmente divertida e recomendável.
Com o mundo aberto mais recheado e melhor desenhado de que tenho memória,
associado a uma narrativa que nos agarra e envolve do início ao fim, esta é uma
experiência tão sólida agora como era há 19 anos atrás. Não é o melhor jogo
desta série – mais uma vez, já lá vamos -, mas é, a meu ver, a primeira grande
afirmação de que GTA é um franchise ao qual todos têm de prestar
atenção. E sendo o jogo desta trilogia que aqui se apresenta como o mais sólido
visual e tecnicamente, faz deste título o rei da montanha de conteúdo que é
este conjunto. Só é pena faltarem algumas das icónicas músicas às playlists das
estações de rádios…
Grand Theft Auto: San Andreas – O Melhor GTA, Mesmo
com as Rótulas Partidas
E chegamos
finalmente a GTA: San Andreas, aquele que ainda hoje considero o melhor
jogo da série até agora, e, muito sinceramente, um jogo que está no meu top 5
de favoritos de todos os tempos. Neste título, assumimos o papel de Carl
Johnson – CJ para os amigos. Quando CJ regressa a Los Santos para ir ao funeral
da sua mãe, volta a juntar-se ao gang do seu bairro, agora liderado pelo seu
irmão Sweet. Com isto, temos de ajudar CJ a ganhar de novo o respeito do seu
gang, a descobrir a verdade por detrás da morte da sua mãe e pôr um fim a todos
os envolvidos numa mega organização criminosa responsável pelas suas perdas.
Tudo isto
leva-nos numa longa narrativa, onde a temática da identidade, da traição e do
regresso às origens assumem o palco. Uma vez mais, estamos perante uma história
mais complexa que as anteriores, mas igualmente mais bem conseguida, com um
design geral de missões muitíssimo variado e sempre divertido. Sim, mesmo
aquelas mais frustrantes, como a da perseguição ao comboio ou a do avião de
brincar, que se encontram muito mais acessíveis agora. O único calcanhar de
Aquiles continua a ser missões onde somos acompanhados por outra personagem
importante, e a (falta de) inteligência artificial volta a ser um fator de
alguma frustração.
Contando com imensas
voltas e reviravoltas, um elenco ainda maior de personagens memoráveis, e finalmente um protagonista mais redimível e com uma luta com a qual é
mais fácil simpatizarmos, faltam-me os adjetivos para elogiar a campanha de GTA:
San Andreas. Tendo como pano de fundo todo o conflito de gangues nos
bairros sociais americanos dos anos 90, o jogo terá um ambiente e uma
identidade completamente distintos, enquanto mantém a criminalidade como aspeto
central de tudo o que fazemos e acontece ao longo da história.
E ainda bem que a
narrativa é apelativa, mesmo quando jogada nos dias de hoje. Isto porque GTA:
San Andreas é uma autêntica viagem, levando-nos a atravessar três grandes
cidades. Cada uma destas é uma representação simplificada, mas reconhecível, de
grandes metrópoles americanas. Visualmente, também é muito fácil de distinguir
cada cidade: Los Santos apresenta um bom misto de grandes edifícios e de
pequenas residências; San Fierro é uma cidade mais acinzentada e cheia de ruas
a subir e a descer; e Las Venturas é uma cidade cheia de grandes hotéis e
casinos rodeada de deserto. Cada cidade encontra-se numa ilha diferente, cada
qual também com vastas áreas descampadas. Assim, este é um dos maiores mapas
que já se viu num GTA, mas com vastas áreas algo despojadas de conteúdo ou
pontos de interesse para explorar.
Não posso,
portanto, em boa consciência dizer que o mundo aberto de San Andreas é o mais
bem desenhado da série, sobretudo tendo acabado de aterrar vindo de Vice City.
Mas isto não significa que haja pouco para fazer, muito pelo contrário. Para
além das habituais corridas, missões secundárias e colecionáveis, há uma
miríade de novas distrações espalhadas pelas cidades do jogo. Desde um triatlo, um minijogo de assaltos a casas, alguns minijogos de ritmos, até jogos de
casinos, é incrivelmente fácil perdermo-nos em atividades secundárias durante
horas e horas. Sobretudo porque alguns desses jogos secundários apresentam interfaces de utilizador e mecânicas muito mais intuitivas do que na versão original deste clássico.
Para adicionar a
tudo isto, temos ainda profundíssimos sistemas de desenvolvimento e de
personalização de CJ. Para além de ser o primeiro título no qual podemos
comprar individualmente peças de roupa e acessórios, temos ainda a
possibilidade de dar ao protagonista diferentes cortes de cabelo e uma grande
variedade de tatuagens. Depois, podemos visitar ginásios para ganhar massa
muscular e resistência cardiorrespiratória, restaurantes de comida rápida para
ganhar massa gorda, ou carreiras de tiro para ir ganhando mais proficiência com
cada uma das dezenas de armas ao nosso dispor.
E eis que tenho a
infeliz tarefa de olhar para como as novidades desta remasterização foram
aqui implementadas. Spoiler: não são nada boas. Mas bom, comecemos pelo mais
positivo, que se prende com as texturas ambientais. São vários os elementos
decorativos, tanto no interior de edifícios como nos vários ambientes ao ar
livre, que se apresentam bastante mais nítidos. A grande maioria dos modelos
das personagens também se apresenta aqui com qualidade superior, com algumas
exceções notáveis: CJ parece estar constantemente de olhos fechados, Sweet
fecha mais a boca ao falar, gerando o bizarro espetáculo de vermos o seu queixo
a bater no seu céu da boca, e Rider apresenta proporções estranhíssimas na
maioria das suas sequências cinemáticas.
De um ponto de
vista técnico, não tenho qualquer prazer em reportar que GTA: San Andreas
é desastroso. A taxa de fotogramas vai abaixo inúmeras vezes (não tantas como
em GTA 3, mas mais do que em Vice City). O mundo está recheado de
texturas e elementos em falta, ao ponto de nos depararmos com pequenas pontes em
falta em algumas zonas de descampado. O sistema de mira e disparo é um claro
passo atrás face ao que se via no original, perdendo, por exemplo, a nuance
estratégica da proximidade levar a um apontar automático para a cabeça de um
antagonista. E a cereja no topo deste terrível bolo é o facto deste jogo ir
abaixo quase uma vez em cada sessão de jogo. Muito sinceramente, perdi a conta
ao número de vezes que o jogo bloqueou e foi abaixo, obrigando-me a reiniciá-lo
e a começar de novo várias missões. Em mais de 12 meses de PlayStation
5, este foi o jogo mais instável até ao momento.
Esta versão
remasterizada de GTA: San Andreas é, portanto, um jogo bipolar. Por um
lado, temos como base o melhor jogo desta série até à data, e uma experiência
incrivelmente divertida, repleta de conteúdo e extraordinariamente recomendável
ainda nos dias de hoje. Por outro, temos o jogo menos bem otimizado desta
trilogia, e um desastre quase absoluto do ponto de vista técnico. Se esta
experiência continua a valer a pena, mesmo com tantos novos defeitos? Eu diria que
sim. Mas se há por aí versões deste jogo mais bem otimizadas, menos
problemáticas e que, por extensão, proporcionam uma experiência geral melhor?
Também diria que sim. Sem dúvida que ainda dá para retirar bastante prazer
deste jogo, mas apenas posso para olhar para esta versão do mesmo como uma desilusão.
Uma Edição Definitivamente Manchada
Posto tudo isto,
vamos então à pergunta final: Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition
vale a pena? Eu diria que a resposta é sim, mas apenas para duas categorias de
jogadores: os maiores e mais acérrimos fãs da série, e os que nunca sequer
tocaram em qualquer um dos três títulos aqui presentes. Como tentei descrever,
e espero ter conseguido transmitir, há aqui muita qualidade contida, mas a
grande maioria dessa qualidade deve-se ao trabalho feito pela Rockstar há já 17
anos ou mais. Muito pouco do que encontramos renovado ou refrescado nesta
oferta vale o preço de lançamento aqui pedido.
Sim, os gráficos
apresentam-se melhores na grande maioria das situações, mas é notório que este
upgrade visual foi feito recorrendo a processos automáticos de inteligência
artificial, e não por “mão humana.” Caso contrário, como explicar a miríade de
referências e de piadas subtis perdidas, ou tamanha disparidade entre jogos e,
por vezes, dentro dos próprios títulos? Mas mesmo o que foi propositadamente redesenhado
se apresenta extremamente defeituoso. O exemplo mais clamoroso disto é o sistema de checkpoints pessimamente
implementado em GTA 3 e Vice City, com o carregamento automático
a trazer-nos sempre para o início da missão falhada. Teria custado assim tanto
implementar um mísero checkpoint extra que fosse nas missões mais longas e
árduas destes jogos, como foi feito aqui em San Andreas? Sinceramente,
podia pegar em mais um exemplo ou dois, mas não quero que esta secção se torne
demasiado exaustiva.
Até porque se
for um jogador que não se identifica com uma das categorias que referi
anteriormente, não significa que esta coleção seja uma completa perda de tempo.
Durante esta jornada, os produtores têm trabalhado arduamente para corrigir os
inúmeros erros e problemas – alguns dos quais aqui criticados até já se encontram
amenizados. Mas esta vai ser sem dúvida uma tarefa hercúlea para a Grove Street
Games, e por muito que seja de louvar a tentativa, a verdade é que Grand
Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition nunca deveria ter sido lançado
no estado abismal em que estava, e ainda está. Portanto, se não forem fãs
acérrimos de GTA ou se já tiverem as versões clássicas destes jogos, fiquem-se
por aí e esperem para ver se esta oferta se torna algo que valha
verdadeiramente a pena.
Conclusões
Não há como deixar de
classificar esta oferta como desapontante. Há mérito no trabalho de tornar estes
clássicos visualmente mais apelativos e mecanicamente mais modernos, mas as
falhas são demasiadas e incompreensíveis. Os três jogos apresentam-se
extremamente defeituosos tecnicamente, com enormes quebras e variadíssimos bugs
a atormentarem a experiência geral. Ainda assim, jogar Vice City e San
Andreas continua a ser incrivelmente divertido e prazeroso. Portanto, há
aqui valor, mas estes jogos mereciam muito mais amor e carinho por parte de
todos os envolvidos.
O Melhor:
- Vice City e San Andreas continuam a ser
clássicos intemporais e divertidos de jogar
- Grande maioria
das texturas ambientais e efeitos luminosos dão nova vida a estes jogos
- Melhorias na
jogabilidade e na qualidade de vida são maioritariamente bem-vindas
O Pior:
- GTA 3 envelheceu incrivelmente mal, sendo uma experiência dolorosa nos dias de
hoje
- Quantidade
imperdoável de bugs e problemas técnicos nos três jogos
- Alguns dos modelos
de personagens estão piores do que nos originais
Pontuação do
GameForces – 6/10
Título: Grand Theft Auto: The Trilogy – Definitive Edition
Desenvolvedora: Grove
Street Games
Publicadora: Rockstar
Games
Ano: 2021
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
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