[Análise] Ghostrunner [PS4]


Num mundo cada vez mais tecnologicamente avançado, há algo de inerentemente curioso e atraente na ficção com temáticas cyberpunk. Os videojogos não são exceção, tendo assistindo a um surgimento em força desta temática nos últimos anos. Com elementos de ação baseada em parkour, encontramos em Ghostrunner uma oferta interessante que se propõe a misturar esta temática tão popular e mecânicas de jogo na qual estranhamente não se aposta muito. Conseguirá, no entanto, Ghostrunner correr para o sucesso, ou será antes uma experiência fantasmagórica?
 

Ghostrunner é um jogo de ação na primeira pessoa, no qual assumimos o papel de Jack, um ser cibernético que acorda sem memória após uma derrota que o deixou fora de serviço. Ao despertar, Jack ouve a voz do Arquiteto, a mente preservada de um dos governantes do arranha-céus que contém o que resta da humanidade após uma calamidade global. Esta voz explica que uma entidade perigosa chamada Mara tomou conta deste arranha-céus e o mergulhou na corrupção,  pobreza e no desespero, sendo a nossa missão trepar a mesma até a podermos confrontar e derrotar. Pelo caminho, vamos conhecendo mais deste mundo e percebendo que nem tudo é o que parece, com Jack a estar no meio de uma guerra de poderes enquanto a humanidade luta pela sobrevivência.
 
No geral, a narrativa é interessante o suficiente, apesar de algo previsível, com qualquer consumidor minimamente regular de entretenimento a conseguir prever a grande reviravolta nesta história. Mas o ponto focal desta experiência é outro: a jogabilidade. Ao longo de 17 níveis lineares, teremos de utilizar bem as capacidades do nosso protagonista para correr nas paredes, saltar entre estas, trepar estruturas e plataformas, e impulsionar para ir progredindo. Geralmente, estas as secções de navegação e plataformas estão bem desenhadas e garantem uma sensação de grande satisfação com cada sucesso.
 
Também nos momentos de combate estas mecânicas de parkour são bem utilizadas, atribuindo a cada confronto um ritmo frenético. Quando se consegue saltar de parede em parede para aterrar atrás de um inimigo escudado, ou se "voa" pela área de combate em direção a inimigos que disparam sobre nós, o entusiasmo sentido é quase incomparável. Estes momentos ficarão sem dúvida na memória dos jogadores como alguns dos melhores do ano.

 
Esta sensação de entusiasmo é potenciada não só pela excelente criatividade e variedade de habilidades dos inimigos, mas também pelo nosso leque de capacidades. No início, apenas temos ao nosso dispor uma espada, mas à medida que vamos progredindo ganhamos algumas habilidades especiais, como virar um inimigo contra os outros ou disparar ondas de energia devastadoras. Vamos ainda desbloqueando módulos equipáveis que melhoram alguns aspetos destas habilidades ou das nossas capacidades básicas (por exemplo, refletir balas contra o inimigo que a disparou). Há aqui muita variedade, e com a filosofia de design que assenta na tentativa e erro, vamos tendo a oportunidade de experimentar diferentes combinações até perceber quais os módulos ou as habilidades mais eficazes para cada situação.
 
Quanto aos inimigos, vamos sendo colocados perante um elenco deles com diferentes habilidades à medida que vamos avançando nos níveis. Desde a utilização de pistolas, metralhadoras, espadas, ondas de energia ou combate corpo a corpo, a variedade é bastante boa. Mais do que isso, a mistura de inimigos de vários géneros contribui para uma maior sensação de variedade e de desafio. Cada inimigo é derrotado com um golpe, mas nós também caímos com a mesma facilidade. Assim, cada encontro pode ser encarado como um puzzle, onde temos de, através de várias tentativas de diferentes combinações de habilidades e de movimentos, descobrir qual o melhor percurso, quais os momentos de ataque ou de salto, ou qual a ordem pela qual temos de despachar os opositores. A grande exceção foram alguns dos encontros com bosses, onde a ação era sempre demasiado lenta e previsível reduzindo bastante o nível de desafio, particularmente no confronto final com a principal vilã da história.
 

Desvendar estes "puzzles" é bastante prazeroso e gratificante; executar as ações que desvendamos como as corretas é que por vezes já não o é. Que o leitor não me interprete mal: a jogabilidade é muito boa e cada vitória é, como referi antes, entusiasmante… quando tudo funciona bem. Infelizmente, foram várias as ocasiões onde senti que tinha executado a minha manobra bem, mas vi-me a escorregar por uma parede abaixo quando queria nela correr. Foram também várias as vezes onde me tentei impulsionar numa determinada direção e não saí do sítio, ou fiquei preso em objetos que não devia. Isto prejudicou bastante alguns dos encontros com inimigos, bem como algumas das secções de plataformas. Sobretudo nas secções passadas no ciberespaço, senti que muitos destes problemas foram exacerbados, levando a muitos momentos de frustração e à sensação de alguns designs bastante mal conseguidos.
 
Também fiquei com a impressão de que a inteligência artificial dos inimigos sofre de alguma inconsistência. Como referi, é bastante boa a sensação de desvendar um puzzle, mas como se pode ser derrotado tão facilmente, é natural não chegarmos logo à vitória quando percebemos o que fazer. Um salto errado, uma pequena hesitação ou um ataque mal temporizado levam a inúmeras mortes. Isto faz parte do processo e do desafio no jogo, denotando uma opção de design louvável. Agora, muitos destes encontros podem tornar-se frustrantes quando inimigos nos detetam ou disparam de forma algo inconsistente. Foram vários os encontros onde fiquei com a sincera impressão que desempenhos exatamente iguais levaram a desfechos completamente diferentes, porque um inimigo me detetou mais cedo do que na tentativa anterior ou porque um inimigo quebrou o ritmo de ataque ao qual me tinha habituado e me atingiu quando não seria de esperar. Cada encontro exige de nós uma elevada precisão, e não é de estranhar que se sinta alguma injustiça quando o jogo parece não exigir o mesmo de si mesmo.
 

De referir que Ghostrunner recebeu uma atualização a meio da minha viagem pelo jogo, atualização essa que não tocou minimamente nos aspetos negativos descritos nos parágrafos anteriores. Não tocou também no que foi o maior problema com que me deparei. Há um nível no qual temos de reativar um sistema de ventilação para impedir a vilã da história de envenenar e asfixiar uma parte da população. A dada altura fazemo-lo com sucesso, e algumas das ventoinhas ativadas acabam por nos ajudar a navegar até ao final do nível. Nas várias vezes que atravessei este nível, antes e depois da atualização, foi bastante comum deparar-me com várias ventoinhas por ligar, prejudicando o meu progresso. A muito custo, consegui ultrapassar esta adversidade ao “esticar” os limites da mecânica de parkour, trepando e correndo em estruturas que não era suposto. O pior, é que das 5 vezes que voltei ao nível para verificar a consistência destes problemas, eram sempre ventoinhas diferentes que não se ativavam, com uma das mais imprescindíveis a aparecer ligada apenas uma vez.
 
Para reiterar, estes problemas, bugs e pequenos detalhes por afinar podem gerar muita frustração e prejudicar algo significativamente algumas partes da experiência. Mas no geral continua a ser bastante entusiasmante atravessar cada nível, correr ou saltar de um lado para o outro enquanto se despacha hordas de inimigos. Tanto que fiz questão de regressar a todos os níveis para encontrar todos os colecionáveis ou simplesmente para melhorar os meus tempos e números de mortes. Os colecionáveis dão-nos a conhecer um pouco sobre o presente e o passado deste mundo e das suas personagens, e vários tipos de espadas que podemos selecionar para personalizar um pouco a nossa experiência. Mas é nas leaderboards que os maiores fãs do jogo encontrarão a motivação para voltar a jogar tudo, servindo também de incentivo a experimentação de diferentes táticas até chegar a tempos melhorados.
 

Olhando agora para vertentes mais técnicas, há que destacar o aspeto de Ghostrunner, que apresenta tanto ambientes como personagens de forma bastante nítida e apelativa. Com a temática cyberpunk, o jogo é visualmente muito coerente, ao ponto de ser difícil de afirmar que cada nível tem uma identidade visual muito própria. No entanto, é nos detalhes que esta vertente visual brilha, com a destruição de alguns elementos ambientais ou a colocação de alguns graffitis a contarem muita da história de sobrevivência da humanidade neste mundo.
 
Quanto ao design sonoro, há que apontar o trabalho competente aqui apresentado. A música eletrónica acompanha bem a ação, e volta a ser outro elemento de coerência com a temática cyberpunk do jogo. No entanto, a banda sonora não é particularmente memorável, sendo difícil ouvir uma das trilhas e apontar com segurança para o nível ao qual pertence. Também os efeitos sonoros e os desempenhos dos atores de voz são suficientemente competentes; não sendo os mais espetaculares que podemos ouvir, ajudam-nos a estar mais investidos nos acontecimentos.
 
Já o desempenho de Ghostrunner tem algo que se lhe diga. A maioria do tempo o jogo corre perfeitamente bem e com estabilidade, sendo sobretudo de destacar a velocidade com que conseguimos voltar ao jogo depois de uma morte. No entanto, e para além dos vários bugs e problemas já referidos, foram alguns os momentos onde se percebe que o jogo correu notavelmente abaixo dos 30 fps, e ainda várias as vezes em que o jogo simplesmente foi abaixo (uma das quais segundos depois de ligar a consola e abrir o jogo). Também o menu de seleção de níveis se comporta frequentemente de maneira estranha, ficando o indicador preso num nível enquanto tentava fazer descer a lista. De notar que a grande maioria destes problemas foram verificados mesmo depois da já referida atualização, pelo que parece que ainda há muito trabalho a fazer para colocar este jogo no estado que os seus produtores certamente queriam.
 

Conclusões
Quando funciona tudo bem, Ghostrunner é dos jogos mais entusiasmantes do ano. É brutalmente desafiante, tem um ritmo bastante acelerado e a jogabilidade é estilosa e gratificante. Mas secções com designs frustrantes, a inconsistência na inteligência artificial, bem como vários bugs impedem este título de atingir patamares de excelência. Há muito para adorar em Ghostrunner, e com um pouco mais de trabalho pode vir a ser algo realmente especial.


O Melhor:
  • Jogabilidade a um ritmo acelerado e geralmente bastante entusiasmante
  • Dificuldade exigente onde cada sucesso é gratificante
  • Design de ambientes e de inimigos é bastante interessante
  • Visualmente apelativo, interessante e coerente com a temática
 
O Pior:
  • Vários bugs e problemas frustrantes que perturbam ocasionalmente a jogabilidade
  • Inteligência artificial inconsistente choca com a precisão exigida nos encontros de combate
  • Encontros com boss bastante desinspirados
 
 
Pontuação do GameForces – 7/10
 
Título: Ghostrunner
Desenvolvedora: One More Level
Publicadora: All In! Games
Ano: 2020
 
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de um código gentilmente cedido pela All In! Games.
 
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita


[Análise] Ghostrunner [PS4] [Análise] Ghostrunner [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on novembro 19, 2020 Rating: 5

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