O primeiro Deadly
Premonition apresentou-se como uma das experiências mais únicas e
interessantes do seu tempo. Apesar de ter sido mal recebido pela crítica e não
ter sido um sucesso de vendas, muitos foram os jogadores que ficaram fãs de
Francis York Morgan e da sua aventura paranormal, tornando aquele um jogo de culto. Agora, 10 anos depois do
original, somos brindados com uma sequela, e Deadly Premonition 2: A
Blessing in Disguise promete ser mais uma aventura estranha e recheada de
charme. Mas será esta realmente uma nova bênção, ou um presságio de algo terrível?
Em Deadly
Premonition 2, encontramos dois agentes do FBI a caminho de interrogar o
protagonista do final do jogo original, acerca de um misterioso caso passado na
cidade fictícia de Le Carré, Louisiana, em 2005. Ao contar os pormenores deste
caso, voltamos à pele de Francis York Morgan, que chega a esta pequena cidade
rural de férias e a querer aproveitar tudo o que a hospitalidade sulista tem
para oferecer. Mas eis que começa a ouvir histórias de um assassínio macabro de
uma adolescente, cujo corpo foi encontrado num altar, e York cedo se envolve na
procura do assassino. Mas estes acontecimentos estão relacionados com uma
investigação maior na qual tem trabalhado, conclusão a que York chega quando encontra vestígios da implacável
droga Saint Rouge. Assim, York desvendará uma conspiração com contornos
sobrenaturais que apenas ele poderá compreender, sendo o único capaz de levar
os criminosos à justiça.
Dois dos pontos fortes
do jogo original eram a sua história e as suas personagens, e o mesmo se pode
dizer de Deadly Premonition 2. York continua a ser um dos protagonistas
mais interessantes, com a sua ingenuidade e boa disposição a contracenarem
extremamente bem com algumas das estranhas e exageradas personagens de Le
Carré. O argumento equilibra bem assuntos pesados e complexos com momentos de leveza e
humor, sendo capaz de gerar situações nonsense hilariantes que
certamente retirarão boas gargalhadas de qualquer jogador. Também a história se
apresenta como intrigante, com várias personagens interessantes a
intrometerem-se na trama em momentos chave e a gerarem dúvidas constantes sobre
as circunstâncias e as causas dos crimes. Esta história não chega a atingir a qualidade da do primeiro jogo, sobretudo por ter estabelecido à partida uma família como
a principal entidade vilã e ilibado logo uma boa parte das personagens. Mas
consegue ainda gerar uma surpresa ou outra, e o acompanhar os acontecimentos
dos protagonistas no presente e no passado gera uma dinâmica narrativa
interessante o suficiente para se querer ver o desfecho.
Apesar da história ser
um ponto positivo, o modo como esta é jogada apresenta-se como o primeiro
grande aspeto negativo. Deadly Premonition 2 apresenta-nos uma estrutura
baseada em missões. A maioria destas assenta-se em objetivos básicos, como ir a
um certo local, recolher evidências, procurar e entregar itens específicos, ou
chegar ao fim de um labirinto no “outro mundo”. Para mais, estes objetivos
estão geralmente ligados a um limite horário, tendo de ter em conta os períodos
nos quais certas personagens ou lojas estão disponíveis. Até aqui não há
problema, já que adota a mesma estrutura do primeiro jogo e que as cutscenes
entre objetivos voltam a apresentar bastante valor de entretenimento. Mas desta
vez, o design à volta desta estrutura apresenta falhas inconcebíveis para um
jogo lançado em 2020.
Algumas das missões
mais memoráveis ganham esse estatuto pelos piores motivos ao apresentar as
piores versões possíveis deste design de missões já algo básico. Por exemplo, uma
missão pede que recolhamos uma série de itens para entregar ao padre da cidade,
que nos diz serem para criar uma trindade sagrada. Se à primeira vista podemos
achar humor num pedido tão ridículo, rapidamente passamos a sentir desprezo. Um dos
itens apenas pode ser encontrado numa ou duas das numerosas máquinas de vendas
espalhadas pela cidade, obrigando-nos a correr aleatoriamente de um lado para o
outro. Depois, outro dos itens apenas está disponível todas as segundas feiras
num determinado restaurante, mas como as missões anteriores me consumiram
alguns dias no jogo, tive de passar quase uma semana inteira à frente até
chegar ao dia e à hora certa para poder progredir. Isto é simplesmente um ritmo
narrativo mal desenhado e mal executado, já para não falar de uma filosofia de
design muito pouco interessante e arcaica.
Deadly Premonition
2 recupera ainda
outras mecânicas do seu antecessor, como as de fome, de sono e de odor corporal.
Mas enquanto estas mecânicas passavam extremamente despercebidas no primeiro
jogo, ao ponto de as considerar uma peculiaridade sem importância, aqui podem
assumir contornos bastante problemáticos. A mecânica de odor corporal salta à
memória, e mais uma vez por protagonizar um dos momentos mais irritantes e
frustrantes que passei na Nintendo Switch. Se descurarmos o odor corporal de
York, começamos a perder dinheiro cada vez que interagimos com um NPC. A
solução passa por tomar banho no hotel, mas este encontra-se avariado, com a
solução a ser-nos apresentada numa das várias missões secundárias do jogo. Mais
uma vez, estamos perante uma missão horrivelmente desenhada que nos obriga a interagir
com personagens disponíveis em momentos diferentes do dia para a concluirmos. Para
não atingir níveis problemáticos de pobreza, tive de largar completamente a
história e dedicar-me a esta missão particular, tendo de voltar a avançar
vários dias e a interagir com tantas pessoas que fiquei praticamente sem fundos.
São dois dos exemplos mais graves de toda a experiência, que exemplificam
explicitamente um design descuidado que pode prejudicar o prazer que há a ser
retirado da história e das personagens.
Lamentavelmente, isto também
nos esgota a vontade em utilizar o tempo livre entre missões para explorar Le
Carré. A pequena cidade está repleta de atividades secundárias e missões
opcionais interessantes e que podem ajudar a aprofundar as personalidades da
população. Estas atividades não passam de distrações, mas podem levar a
momentos bem-humorados e interessantes. Já as missões acabam por apresentar
objetivos algo repetitivos, pedindo-nos por vezes para desempenhar tarefas algo
desconfortáveis, como alvejar cães vadios. Algo positivo prende-se com o meio
de navegação pelo mundo aberto. Desta vez, York utiliza um skate para se deslocar
por Le Carré, com as mecânicas associadas a este meio de transporte a serem bastante
mais estáveis e satisfatórias do que as verificadas durante a condução do primeiro
Deadly Premonition. Esta é uma das alterações a relevar nesta sequela,
apresentando-se como uma das poucas melhorias significativas à experiência.
Mais uma vez, a
ligação de York ao paranormal e sobrenatural leva a que este seja capaz de
entrar numa espécie de mundo paralelo, neste jogo explicitamente apelidado de
outro mundo. É neste que York enfrentará inimigos monstruosos e será capaz de
ver e analisar acontecimentos passados relevantes para a investigação. Enquanto
é interessante ter York a presenciar estes acontecimentos e a perfilar os
intervenientes e respetivas motivações, há que apontar que estas secções do
jogo são muito pouco distinguíveis umas das outras. Enquanto no primeiro jogo estas
retinham o layout e várias características visíveis de locais anteriormente
explorados, aqui a decoração dos labirintos é sempre constituída pelas mesmas
cores e os mesmos elementos, com o layout a desviar-se bastante do que vimos no
“mundo real”. Assim, ficamos com a sensação de que estas secções se apresentam
como mais genéricas em Deadly Premonition 2. Sensação essa reforçada pelos
inimigos criativos mas pouco variados e pelas batalhas contra bosses repetitivas
e pouco estimulantes.
Olhando para as
mecânicas de jogo nas situações de confronto, York é capaz de combater graças a
uma arma de fogo. Desta vez, os botões atribuídos à mira e ao disparo são mais
intuitivos, e York é capaz de se movimentar enquanto aponta a sua arma. Também
a mira passa a mexer-se juntamente com a câmara, e não independentemente desta.
Nota-se uma clara tentativa de modernizar esta vertente da jogabilidade, mas isto
resulta apenas em mecânicas banais e numa perda de unicidade do todo da
experiência. Adicionalmente, disparar sobre um inimigo revela-se algo
inconsistente, com momentos em que com uma mira perfeitamente alinhada leva,
inexplicavelmente, a disparos ao lado. Outro aspeto problemáticos, mas que acaba por tornar tudo menos
frustrante, é o facto de os inimigos apresentarem uma inteligência artificial
bastante defeituosa, ficando muitas vezes congelados com um disparo acertado ou
presos quando nos desviamos de um ataque e este atinge um qualquer objeto.
Ainda assim, a
inconsistência de acerto dos disparos torna a inclusão de um sistema de
aflições problemática, havendo momentos de enorme frustração. Foram vários os
momentos no quais tinha um inimigo mesmo à minha frente, o disparo falhou aleatoriamente
e o ataque sofrido levou à paralisação de York. Para tratar esta aflição,
teremos de usar um item específico que pode cair de um inimigo derrotado. Mas o
melhor é não contarmos muito com isso, já que a queda de itens se revela
demasiado aleatória, levando pouco em conta as exigências de cada desafio,
outro aspeto do design geral que poderia ter sido melhorado. Compreende-se a
intenção de dar outra variedade a estas seções da experiência e de introduzir
novos elementos a gerir e ter em conta. E enquanto essa intenção é de louvar, é
impossível de a ver como algo de positivo quando nos deparamos com tantos
problemas básicos na jogabilidade.
Infelizmente, a todos
os problemas mecânicos e de design geral, acrescentam-se uma série de problemas
técnicos. Comecemos pela vertente mais gritante: o desempenho. Aberrante é
única palavra adequada para descrever o desempenho de Deadly Premonition 2.
Dentro de portas já vemos a framerate a cair um pouco quando temos mais
de uma mão cheia de personagens ou elementos mais complexos no ecrã. Fora de
portas, e sobretudo quando nos deslocamos no skate, o número de fotogramas por
segundo atinge valores baixíssimos, por vezes congelando a imagem durante
alguns segundos. Também os tempos de carregamento são excessivamente longos,
podendo levar minutos a carregar uma nova área. Esta vertente é tão desastrosa
que dei por mim a pensar inúmeras vezes que o jogo tinha dado um crash. Adicionalmente,
houve uma ocasião em que ao iniciar o jogo e tentar carregar o meu save
manual, a imagem não apareceu. O ecrã ficou continuamente preto, e se mexesse
York ouvia o som dos seus passos, mas nada aparecia. Aqui, tive de carregar um
ponto de gravação automático anterior, levando-me a perder progresso
significativo. Não há desculpa possível para tantos e tão grandes problemas de
desempenho.
A vertente gráfica de Deadly
Premonition 2 foi radicalmente mudada em relação ao seu antecessor. Este
jogo apresenta uma nova direção artística que utiliza cores mais vibrantes e
vívidas, bem como uma line art que ajuda a relevar as diferentes
características das personagens. Esta mudança é bem-vinda, e dá à experiência
um aspeto mais vivo e colorido. Infelizmente, volta a ser marcado pela gritante
falta de definição gráfica do ambiente e de muitos elementos e por texturas muito
pobres. Ao longe, esta direção gráfica dá um aspeto francamente bonito ao jogo,
mas quando nos aproximamos de uma personagem ou objeto, quer em secções
jogáveis quer em cenas cinemáticas, esta falta de definição torna-se por demais
evidente. Há que referir ainda que vários limites entre zonas do mundo aberto
são visíveis, dando a sensação de que cada área foi desenhada e criada em
separado e que a “colagem” umas com as outras foi descuidada. Nunca é bom
quando conseguimos ver as costuras de um mundo aberto, e é precisamente isso
que se passa com Le Carré.
Por fim, olhemos para
a vertente sonora e musical do jogo. Mesmo reutilizando várias trilhas do antecessor, a
generalidade da música continua a ser agradável e a ditar bem o tom de cada
cena, não sendo de espantar se se ficar com uma ou outra música presa na cabeça
depois de terminar a campanha. No entanto, é de lamentar que a mistura de som
seja menos arrojada desta vez, um dos aspetos que tanta personalidade deu ao Deadly
Premonition original. No que toca a desempenhos, há que destacar mais uma
vez o trabalho de Jeff Kramer no papel do protagonista, e ainda os trabalhos de
Cassandra Lee Morris como Patricia Woods, de Mela Lee como Aaliyah Davis e de Ogie
Banks como Melvin Woods. No final de contas, este acaba por ser o aspeto
técnico do jogo que menos problemas apresenta, mas há pelo menos um que é
relevante apontar. Há algumas cutscenes onde algumas falas não são
reproduzidas, e que as legendas que surgem no ecrã não são acompanhadas pelo
som. Naturalmente que isto causa estranheza e prejudica a já difícil tarefa de imersão
na experiência.
Conclusões
Deadly Premonition
2: A Blessing in Disguise afunda-se em demasiados problemas técnicos e mecânicos, ofuscando quase
completamente a sua história intrigante e as suas personagens memoráveis. O
desempenho do jogo é quase sempre atroz, as mecânicas são básicas e, ainda
assim, inconsistentes, e o design de vários aspetos é frustrante. Por baixo de
todos os defeitos, há aqui aspetos a aproveitar, mas apenas os ávidos fãs do
primeiro jogo e do fantástico protagonista quererão e poderão levar esta
experiência até ao fim.
O Melhor:
- Francis York Morgan continua a ser um excelente protagonista
- A história é interessante o suficiente para nos motivarmos a ver o seu desfecho
- A nova direção artística dá ao jogo um aspeto mais vívido, mas…
O Pior:
- Volta a sofrer de grandes problemas no que à definição gráfica diz respeito
- É um desastre em todos os aspetos técnicos, sobretudo no desempenho
- Péssimo design de missões
- Mecânicas de disparo muito pouco fiáveis
Pontuação
do GameForces – 4/10
Título: Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise
Desenvolvedora: Toybox
Publicadora: Rising
Star Games
Ano: 2019
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.
Autor da Análise:
Filipe Castro Mesquita
[Análise] Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise [NSW]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
agosto 08, 2020
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