Jogos de puzzle é um
género muitas vezes esquecido e geralmente pouco apreciado por uma boa parte
dos fãs de videojogos. De facto, se pensar bem no assunto, apenas dois grandes
jogos deste género me vêm à cabeça como tendo atingido o estrelato: Portal
e The Witness. Mas jogos focados em quebra-cabeças podem ser inventivos,
criativos e dar uma sensação de conquista como poucos outros, tal como esses
dois exemplos demonstram. E é isso que Superliminal tenta fazer: dar
algo de novo a este género muitas vezes injustamente ignorado e fornecer uma
experiência recompensante aos jogadores. Conseguirá mudar a perspetiva geral
deste género, ou não passará essa pretensa de uma ilusão de ótica?
Em Superliminal
jogamos na pele de um paciente que se submeteu a um tratamento experimental
baseado em terapia de sonhos. Guiados pela voz do supervisor desta terapia, o
Dr. Glenn Pierce, vamos navegando por várias salas e resolvendo alguns
quebra-cabeças de modo a chegar à saída. Mas a dada altura algo corre mal, e
vemo-nos presos num sonho cíclico. Com o mundo a comportar-se de forma mais
bizarra e imprevisível, teremos de continuar a navegar este sonho e encontrar a
saída de cada nova sala, de modo a conseguirmos escapar deste ciclo. Esta
premissa permite justificar a ideia principal por detrás da jogabilidade: a
utilização da perspetiva e das ilusões de ótica para manipular objetos de modo
a resolver vários puzzles.
Decorrendo totalmente
na perspetiva da primeira pessoa, em Superliminal a jogabilidade base
apresenta-se bastante simples. Neste título, podemos mexer-nos num espaço
tridimensional, saltar, agarrar objetos e rodá-los. Contudo, as mecânicas são
um pouco mais complexas: o tamanho dos objetos pode ser manipulado ao serem
colocados em perspetiva com outros elementos da sala. Por exemplo, podemos
pegar num cubo e ao olhar para outro ponto na sala, este cairá bastante maior
quando largado. Assentando na ideia da perspetiva forçada, o dado parece manter
o mesmo tamanho, mas o jogo lê-o como estando encostado à parede ou objeto mais
distante na nossa perspetiva, calculando a escala a que este teria de estar e
aplicando as transformações físicas adequadas a esse cálculo. Inicialmente esta
mecânica pode causar alguma estranheza, mas meros minutos depois muito
facilmente nos adaptamos e começamos a utilizar a mesma com naturalidade, evidência
de um design cuidadoso e inteligente.
Esta capacidade de
manipular o tamanho de objetos é virtualmente infinita, pelo que podemos ir
constantemente alterando o tamanho de cubos, rampas, entre outros, até os
conseguirmos colocar em posições vantajosas para solucionar o puzzle, sendo
apenas limitados pela área do espaço. Mas esta não é a única mecânica, e ao
longo da campanha vamos sendo desafiados por novas ilusões óticas. A certa
altura teremos de alinhar desenhos colocados numa sala até formarem um objeto
em 2D que podemos agarrar, interagir com objetos que se duplicam quando
agarrados ou descobrir passagens secretas criadas por sombras projetadas numa
parede. Isto significa que vamos sendo constantemente desafiados por puzzles
mais variados (e alguns mais bizarros), obrigando-nos a utilizar a nossa
capacidade visual, inteligência espacial e pensamento abstrato para ir
resolvendo problemas cada vez mais complexos mas sempre bastante gratificantes.
Assim, Superliminal
apresenta-se como uma experiência verdadeiramente interessante e com momentos
genuinamente memoráveis. Para além dos vários momentos “Eureka” quando
descobrimos a solução para um problema desafiante, temos ocasiões que nos fazem
querer exclamar o quão engenhosa a experiência é. Um dos momentos marcantes foi
o de ter de pegar na lua como se esta fosse uma mera lâmpada, aumentar um pouco
o seu tamanho usando a perspetiva forçada e verificar que esta continha objetos
interativos escondidos na sua superfície. Mas não é o único, com a exploração
dos espaços aparentemente limitados a resultar na descoberta de zonas
escondidas e de vários colecionáveis. Tudo isto denota um nível de criatividade
louvável e genuinamente prazeroso de ver neste género, e serve de exemplo
perfeito para demonstrar o quão únicos os jogos de puzzles podem ser.
Esta experiência vai
sendo acompanhada por ocasionais narrações que pretendem acrescentar alguma profundidade
às nossas ações e alguma motivação para a resolução dos puzzles. Estes momentos
acabam por nos expor a um argumento bem escrito, que tanto transmite a sensação
de que algo de sinistro se passa nos bastidores desta terapia de sonhos, como
nos arranca um sorriso ou gargalhada com um comentário bem-humorado. Este
argumento nunca chega a atingir o brilhantismo que observamos, por exemplo, na
série Portal, mas faz um trabalho competente e atinge o objetivo de
acrescentar algo de interessante à campanha. Muito mais do que interessante foi
a mensagem final com a qual Superliminal culmina. O jogo termina com uma
“moral da história” positiva e importante, que qualquer pessoa precisa de ouvir
de vez em quando, sobretudo em momentos de dificuldade. Este final irá ressoar
de modo diferente com cada jogador, mas é um remate final surpreendente,
louvável e, acima de tudo, importante.
É relevante mencionar
que esta é uma experiência relativamente curta, com a campanha a durar sensivelmente duas horas na primeira vez que for jogada. Tendo em conta que os puzzles estão
bastante bem desenhados e o ritmo de introdução de novas mecânicas é elevado,
nunca nos aborrecemos com o que nos é apresentado nem sentimos que o conteúdo
seja repetitivo. Embora isto seja uma vantagem, há alguns senãos. Um jogo de
puzzles curto significa que mais facilmente nos vamos lembrar de uma grande
parte das soluções, desvalorizando em parte a rejogabilidade. Por outro lado,
fica a sensação de que Superliminal tem muito potencial por explorar, e que tal poderia ser feito em conteúdo adicional ou numa potencial
sequela. Um exemplo seria aprofundar as interações físicas entre objetos,
levando-os a reagir aos movimentos de ou impactos com outros elementos manipuláveis. Tudo o que o jogo apresenta e faz denote mestria, mas adições desta natureza seriam interessantes e coerentes com o que já contém.
Olhando para questões
mais técnicas, é uma pena constatar que um jogo com conteúdo tão cheio de
qualidade apresenta algumas dificuldades na vertente do desempenho. Durante a
grande maioria do tempo, Superliminal corre bem, mesmo que não se torne nenhuma
referência no que à framerate diz respeito. Mas infelizmente há momentos
em que este desempenho sofre quebras notórias, tanto em salas com um elevado
número de objetos como em corredores desprovidos de elementos. Muito raramente,
também acontece um objeto manipulável reagir mal ao contacto com uma parede e
tremer descontroladamente durante uns segundos, ou perdermos um objeto
importante para o puzzle e sermos obrigados a recarregar o puzzle. Contudo, há
que dizer que apesar de estes serem erros notórios e de impactarem a imersão,
são tão pouco frequentes que nunca chegam a ser um detrator significativo nesta
experiência de qualidade.
Virando a página para
a vertente gráfica, esta também se apresenta sólida. A utilização de cores vibrantes dá um aspeto
bastante agradável à experiência, e contribui para alguns puzzles bastantes interessantes. Sendo um jogo baseado em ilusões óticas e perspetivas, cada
elemento visual foi implementado com bastante cuidado, reforçando a qualidade geral
do design dos níveis e dos puzzles. No entanto, peca em alguns detalhes, com
elementos ou objetos não essenciais para cada quebra-cabeças a apresentarem-se menos detalhados ou menos límpidos. Por fim, a vertente sonora não apresenta nada que
se lhe possa apontar. As narrações dos atores de voz são bastante sólidas e contribuem
para o impacto da mensagem final, e o piano que constitui a banda sonora do
jogo e acompanha cada puzzle contribui para uma experiência agradável e
descontraída.
Conclusões
Com uma premissa
original e mecânicas de jogo relativamente simples, Superliminal
apresenta-se como um jogo de puzzles bastante competente e gratificante. Somos
constantemente confrontados com novas maneiras de interagir com este bizarro
mundo, o que nos desafia a encarar cada nova sala com novos olhos e um
espírito aberto. Tem uma duração relativamente curta, e fica a sensação de
muito potencial ainda por explorar, mas não dura mais do que precisa para
passar uma mensagem final significativa e importante. No fim de contas, Superliminal
é um jogo especial, que acrescenta algo de novo a este género e que fãs de
quebra-cabeças irão seguramente apreciar.
O Melhor:
- Premissa com mecânicas originais e que dá algo de novo ao género
- Puzzles são inventivos e variados, desafiando-nos a pensar muitas vezes fora da caixa
- Jogabilidade é acessível e torna-se facilmente intuitiva
- Argumento com algum humor e com uma mensagem final importante
O Pior:
- Apresenta alguns problemas de otimização no que toca ao desempenho e à vertente gráfica
- Ocasionais bugs perturbam a resolução de um puzzle ou outro
Pontuação
do GameForces – 8/10
Título: Superliminal
Desenvolvedora: Pillow
Castles
Publicadora: Pillow
Castles
Ano: 2020
Nota: Esta análise foi
realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de
um código gentilmente cedido pela Pillow Castles.
Autor da Análise:
Filipe Castro Mesquita
[Análise] Superliminal [NSW]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
julho 13, 2020
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