Há 7 anos fomos
brindados com The Last of Us, um jogo marcante e que elevou a fasquia no
que toca a histórias contadas através do meio de videojogos. De tal modo que muitos (eu próprio incluído) consideravam que uma sequela não era
necessária, e que um potencial segundo jogo arriscaria deteriorar o estatuto
deste franchise. Mas uma sequela foi anunciada, e finalmente nos chegou.
Não foi uma caminhada fácil, com reportagens a denunciar condições de trabalho
muito pouco saudáveis, leaks que detalharam pontos importantes do argumento, e
adiamentos sucessivos e por motivos variados. Será The Last of Us Part II
uma sequela digna, ou irá contaminar o modo como olhamos para este franchise?
4 anos depois do final
do primeiro jogo, Ellie e Joel estão a habitar em Jackson, tendo encontrado uma
forma de viver em comunidade e de estabelecer relações com outras pessoas no
mundo pós-apocalíptico devastado pela infeção fúngica dos cordyceps.
Sendo uma sobrevivente capaz, Ellie participa em patrulhas fora dos muros de
Jackson, de modo a manter o estilo de vida da comunidade imperturbada por
salteadores ou pior – pelos agressivos e mortíferos infetados. É numa destas
patrulhas que um grupo liderado por uma mulher chamada Abby interceta algumas
pessoas de Jackson e os ataca ferozmente, resultando numa perda inestimável
para Ellie. Agora, a jovem irá partir numa demanda para matar Abby e os seus
companheiros, para satisfazer os seus desejos de vingança, dando início a uma
aventura perigosa e violenta.
A viagem de Ellie
leva-a a Seattle, que se encontra ocupada por dois grupos em guerra: a milícia
chamada Washington Liberation Front (WLF), à qual pertence Abby e o seu grupo,
e os fanáticos religiosos dos Seraphites (ou Scars). A jovem irá participar num
círculo vicioso de violência, à medida que vai perseguindo e eliminando cada um
dos elementos presentes no momento da sua perda. Esta história de retaliação e
agressividade é intercalada por momentos de reflexão, no qual Ellie se recorda
de vários momentos dos últimos quatro anos da sua vida. Aqui, vivemos momentos
de incrível ternura que contrastam substancialmente com a aventura do presente,
e exploramos as consequências da escolha que Joel faz no final do primeiro
jogo. De facto, tudo o que envolve a história de Ellie, tanto no presente como
no passado, é extremamente louvável, apresentando uma narrativa emocionante que não tenta fugir a decisões controversas, quer passadas que presentes. Bem pelo contrário,
abraça-as e aprofunda as mesmas de um modo bastante credível e apelativo.
A dada altura, somos forçados a reviver os dias que Ellie passa em Seattle
na perspetiva de Abby, a mulher que está na origem da perda, dor e raiva da tão amada protagonista. Nestas horas da campanha, percebemos as suas motivações e
passamos muito tempo a conhecê-la e aos seus companheiros. A ideia é simples:
ganhar empatia por Abby, perceber que ela era movida por motivos tão
(i)legítimos quanto os de Ellie, e, assim, levar-nos a perdoar alguém que meras horas antes detestávamos. A história de Abby está extremamente bem escrita e é
apelativa, explorando o conflito entre si e os seus companheiros depois das
suas ações monstruosas no início do jogo, e o ódio injustificado existente
entre a WLF e os Scars. Agora, há dois fatores que impedem esta secção de
surtir todo o efeito intendido. Primeiro, ao voltar atrás no tempo, já sabemos
o destino de muitas das personagens com quem aqui interagimos. Depois, e o mais
importante, é impossível sentirmos por Abby e os seus aliados o que sentimos
por Ellie e companhia. Assim, dificilmente nos vamos sentir tão investidos em
Abby, e arrisco-me a dizer que durante o inevitável confronto entre as duas personagens, ninguém vai conseguir torcer contra a Ellie,
mesmo que a perceção da sua demanda mude.
The Last of Us Part
II apresenta-nos uma
história robusta, corajosa e atrevida, com a narrativa a focar-se em vários
temas difíceis de explorar, sobretudo em simultâneo: os custos pessoais e
represálias físicas e emocionais da sede de vingança, o trauma vindo da
violência desmedida causada por ódios cegos, e a possibilidade de perdoar
alguém que nos causa dor. Tudo isto é apresentado de forma coerente, sendo
sustentado por diálogos extremamente bem conseguidos e naturais, e por ações
condizentes com os estados de espírito de cada personagem. Apesar de sentir que
as horas de história na pele de Abby não me tenham atingido tal como era
suposto (ficando a impressão que esta componente da história se prolonga
demasiado), a verdade é que o resultado final vale a pena. Enquanto talvez
considere que esta história não é tão sólida quanto a do primeiro jogo, o final desta sequela é o mais impactante que já experienciei com um videojogo. É certo que esta
história e o seu fim serão alvo de muito pouco consenso, mas afetou-me como
nenhum outro jogo, filme ou livro alguma vez o tinha feito, ficando a processar
tudo o que me fez sentir durante dias após ter atingido os créditos finais.
Mas neste meio de
pouco serve uma excelente narrativa se não for acompanhada por mecânicas de
jogo a condizer, e nesta vertente The Last of Us Part II volta a
apresentar-se brilhante. Alguns dos momentos altos do jogo vêm das situações
nas quais estamos rodeados de inimigos, sejam humanos, infetados ou ambos. Nestas situações temos dois caminhos a seguir: o combate ou a furtividade. As mecânicas de
combate não se alteram muito do jogo anterior, tendo várias armas e outros
instrumentos disponíveis para eliminar os inimigos perante nós. As diferenças
prendem-se com o peso das armas, cada qual apresenta as suas dificuldades de
manuseamento da mira e várias violências de coice, e com o impacto de sermos
atingidos, que afeta a compostura, posicionamento e capacidade de resposta
rápida da nossa personagem, para além, claro, do dano sofrido. Outra grande
mudança acaba por vir nos confrontos corpo-a-corpo, nos quais tanto Ellie como
Abby se apresentam capazes de esquivas ágeis, que permitem deixar inimigos
próximos expostos a contra-ataques. Isto é particularmente relevante no
confronto com infetados mais fracos, dando-nos mais opções de combate quando
nos apanhados rodeados pelos mesmos.
Quanto à furtividade,
esta sequela constrói algo especial sobre a base previamente estabelecida, acabando
por apresentar uma série de opções de design que mudam completamente esta
vertente. Para além de novos utensílios para o efeito (silenciadores
improvisados ou explosivos por proximidade), o mundo apresenta extensões de
relva muito mais alta, o que nos permite navegar de modo tão menos visível quanto
mais longe um inimigo estiver. Outra grande mudança prende-se com a
possibilidade de nos deitarmos e arrastarmos pelo chão. Isto ajuda a reduzir a
possibilidade de sermos detetados, podendo ficar ainda mais ocultos na relva
ou escondermo-nos debaixo de objetos derrubados ou veículos pesados. Em
contrapartida, isto perturba também a nossa capacidade de ir sorrateira e
silenciosamente eliminando inimigos, uma vez que não somos capazes de ver através
da relva ou de outros objetos. O resultado destas mudanças e evolução é a jogabilidade furtiva mais gratificante de que tenho memória, havendo poucas coisas mais entusiasmantes que ultrapassar uma difícil área repleta de inimigos sem sermos detetados, quer optemos por os eliminar a todos ou por os rodearmos para escapar ilesos.
Com tudo isto, a palavra tensão acaba por ser a mais adequada para definir a grande maioria da jogabilidade. Para tal, contribui
o facto de toda a inteligência artificial ter sido retocada e aprimorada. Os
inimigos humanos movimentam-se de forma extremamente eficaz quando somos
detetados, tentando rodear-nos e assoberbar-nos com a vantagem numérica. Também
a inclusão de cães leva a que a furtividade tenha de ser mais cuidadosa, não
nos deixando estar muito tempo quietos no mesmo local a observar e planear.
Assim, há sempre uma sensação de urgência e de que temos de estar
constantemente em movimento, e a alternar entre o confronto e a furtividade,
que, felizmente, ocorre de forma extremamente fluída e credível. Já contra
inimigos infetados, nota-se que os comportamentos dos mesmos são mais erráticos
e imprevisíveis, apresentando-se como muito menos estáticos que no original.
Estes reagem muito mais freneticamente aos nossos ruídos e alguns apresentam
uma inteligência tática mais desenvolvida, podendo movimentar-se para nos
rodear ou até saltar de dentro de um casulo fúngico para nos apanhar de
surpresa. Também a inclusão de novos inimigos (incluindo um que se apresenta
como um boss que bem podia ter sido retirado de um qualquer Resident Evil)
levam que que sejamos confrontados com novas situações, obrigando-nos a
rapidamente analisar cada acontecimento e formular um plano de ação.
Finalizando os aspetos
da jogabilidade, não podia deixar de falar do design ambiental. De um modo
geral, todas as áreas do jogo se apresentam como muito mais abertas do que no
primeiro The Last of Us. Para áreas de combate, isto significa que
podemos perfeitamente navegar por uma área sem ter completa noção da quantidade
ou variedade de inimigos no nosso caminho, acrescentando à dificuldade geral de cada encontro. Quanto à exploração fora de conflito, existem muito
mais locais para investigar e procurar recursos ou colecionáveis. Mais uma vez,
esta exploração e recolha de recursos volta a ser importante, pois é através destes
que vamos podendo fabricar utensílios e melhorando as nossas capacidades ou
atributos das armas. Mais uma vez, o número de balas, de utensílios ou de materiais
que podemos carregar é bastante limitado. Adicionalmente, o número e variedade
de utensílios que podemos fabricar aumentou, e cada um utiliza alguns dos
mesmos materiais que outros, obrigando-nos a escolher o tipo de abordagem a
cada nova área. Dito isto, há que referir que cada colocação de objeto, de
colecionável ou de recurso útil parece ter sido levado a cabo com uma atenção e
uma consideração excecionais. Nunca fiquei com a sensação de estranheza ao
encontrar, por exemplo, uma garrafa vazia ou um frasco de medicamentos num
determinado local. Isto estende-se a algo que a Naughty Dog já fazia
extraordinariamente bem: narrativas ambientais. Cada nota encontrada conta uma
nova história sobre conflitos presentes ou passados, não só pelo
conteúdo da mesma mas também pelos corpos inanimados ou disposição de mobília e
outros elementos ambientais, denotando sempre uma atenção ao detalhe sem igual.
Olhando a aspetos mais
técnicos, não há nada que se possa verdadeiramente apontar a The Last of Us
Part II como sendo menos que excelente. A vertente gráfica está
fenomenalmente bem conseguida, sendo o jogo mais impressionante de toda esta
geração. Cada folha de árvore, cada tufo de relva, cada elemento ambiental, seja
ele maior ou menor, apresenta uma fidelidade gráfica e um nível de realismo sem
precedentes na indústria. A atenção ao detalhe dispensada para cada movimento,
cada pequena animação, cada expressão facial ou gesto das personagens, e cada
elemento do design dos repulsivos infetados; tudo isto acrescenta algo à
experiência, elevando a sua qualidade. A utilização de cor também é
irrepreensível, e a os efeitos luminosos e reflexos são os mais bem-conseguida até
hoje em jogos de consola. Graficamente, a PlayStation 4 foi completamente
levada ao limite, e o resultado é de cortar a respiração de tão estonteante que é a
apresentação de cada cenário e elemento.
Seria de esperar que o
desempenho fosse algo sacrificado em prol de tal fidelidade gráfica, mas, para
alguma surpresa, tal não é o caso. Mesmo numa PlayStation 4 base,
The Last of Us Part II corre de forma exemplar. Nunca sofri de quebras de framerate
ou experienciei bugs ou qualquer tipo de erro durante as 25 horas de jogo. É
certo que a framerate se fixou nos
30 fps, mas o facto de
o jogo conter tantas áreas amplas e tão recheadas de inimigos e conseguir
manter esta performance de modo extremamente estável é algo louvável. Isto
resultou numa experiência onde cada animação era fluída, cada comando
introduzido levava a uma ação rapidíssima e bastante responsiva no ecrã,
contribuindo para a excelência de toda a experiência.
Já no que toca à
vertente musical e sonora, tudo volta a ser apresentado de forma absolutamente
irrepreensível. Gustavo Santaolalla está de volta ao papel de compositor
principal, e com ele regressam as trilhas minimalistas, utilizadas apenas em
momentos mais emotivos ou mais tensos para enaltecer a sensação de cada cena. O
impacto destas volta a ser extremamente bem conseguido, tal como o de todos os
efeitos sonoros presentes no jogo. Os barulhos dos infetados, o som presente
quando estamos prestes a ser detetados por inimigos, as explosões de disparos,
e até os gritos ou sufocos gorgolejantes absolutamente viscerais de inimigos
mortalmente feridos; tudo isto torna a experiência mais impactante e, por
vezes, desconcertante. Uma palavra também para os desempenhos de todo o elenco,
que voltam a elevar a fasquia no que a esta indústria diz respeito. Ashley
Johnson (Ellie), Troy Baker (Joel) e Laura Bailey (Abby) em particular têm
alguns dos melhores desempenhos alguma vez conseguidos neste meio, e as suas
entregas a cada cena e a cada fala contribuem significativamente para o impacto
que a história tem e para a coesão de tantos fios narrativos e temas explorados
em The Last of Us Part II.
Por fim, e não menos
importante, há que referir o trabalho sem igual que The Last of
Us Part II apresenta no que toca às opções de acessibilidade. Antes mesmo
de iniciar o jogo podemos mexer num amplo leque de opções que permitirão a
qualquer pessoa passar por esta experiência, independentemente de quaisquer
problemas visuais, auditivos ou motores que se tenha. Estas opções variam entre mexer com a
vibração do DualShock 4, com o contraste e com vários automatismos (como apanhar objetos sem ter de o comandar), ou a introdução de outros modos
de jogar, por exemplo através de notificações sonoras ou da possibilidade de text-to-speech.
A Naughty Dog pretende que este jogo seja acessível a toda a gente, e
arrisco-me a dizer que este objetivo foi cumprido com distinção, tendo a produtora conseguido tornar The Last of Us Part II o primeiro jogo verdadeiramente acessível a toda
a comunidade.
Conclusões
The Last of Us Part
II é um corajoso e
muito bem-sucedido regresso a este mundo pós-apocalíptico que vai ao encontro
das decisões tomadas no original e as trabalha com mestria. Ao refinar e
evoluir a já excelente jogabilidade base, estamos perante algumas das mecânicas
mais sólidas e bem conseguidas desta geração, com uma variação tensa e
apelativa entre combate, furtividade e exploração. A história não será do
agrado de todos, mas é extremamente impactante, emocionante e coerente, apenas
pecando por excesso de longevidade em algumas secções. Tudo isto acompanhado
por desempenhos fenomenais por parte de todo o elenco, e por vertentes
gráficas, sonoras e de performance absolutamente irrepreensíveis fazem com que The
Last of Us Part II seja uma obra-prima em todos os aspetos. É o melhor
trabalho da Naughty Dog até à data, e está em disputa para ser o melhor jogo
desta geração.
O Melhor:
- A história volta a ser emocionante e emocional, com um final impactante
- A jogabilidade foi aprimorada em tudo, sendo a mais sólida alguma vez produzida pela Naughty Dog
- O mundo foi construído com um cuidado incomparável, com cada item e objeto cuidadosa e propositadamente colocado
- Visualmente estonteante e com um desempenho absolutamente impecável, mesmo na PS4 base
- Desempenhos de Ashley Johnson, Troy Baker e Laura Bailey voltam a elevar a fasquia
O Pior:
- Secção da história que acompanha Abby não tem todo o impacto desejado
Pontuação do GameForces – 10/10
Título: The Last of Us Part II
Desenvolvedora: Naughty
Dog
Publicadora: Sony
Ano: 2020
[Análise] The Last of Us Part II [PS4]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
julho 02, 2020
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