É atribuído a Grand
Theft Auto 3 o louvor de ter dado aos jogos de mundo aberto a base que
viria a influenciar o design do género. Desde então, muitos foram os franchises
que tentaram tirar partido desta base e construir algo que fosse diferente e
alcançasse sucesso. Enquanto a série Saints Row pode, à primeira vista,
ser tida em conta como mais uma que disponibiliza clones de GTA, há algo mais
nos seus jogos. Estes têm uma identidade muito distinta e um levar ao limite da liberdade
que os mundos abertos podem proporcionar à experiência de jogo. Agora, 9 anos
depois, recebemos a remasterização de Saints Row: The Third, a terceira
entrada neste franchise, que para muitos é tida como a de maior qualidade.
Conseguirá manter esse estatuto na PlayStation 4, ou será melhor deixar os
santos descansar?
Em Saints Row: The
Third Remastered regressamos à pele do líder dos 3rd Street
Saints, um gangue que se tem imposto perante rivais e autoridades. Depois da
conquista da cidade fictícia de Steelwater, os Saints tornaram-se um fenómeno
mediático adorado pelo público geral, protagonizando bandas desenhadas e
lançando a sua própria marca de roupa e de bebidas energéticas. No entanto, as
raízes criminosas persistem, e quando o gangue tenta assaltar um banco
pertencente a um autêntico sindicato do crime organizado, vêem-se presos em Steelport e a lidar com
uma perda impactante, rodeados pelos violentos gangues
que compõem tal sindicato. Assim, os Saints partem para a vingança e para a
conquista de mais uma cidade corrupta e de todos os negócios obscuros que nela
ocorrem.
É verdade que a
premissa soa algo séria, e que estamos no comando de uma pessoa desenfreada que
não só procura o conflito armado e violento, como se deleita nesses momentos. No
entanto, Saints Row: The Third faz um trabalho fenomenal em colocar o
jogador do lado da sua personagem jogável através do seu argumento. A atitude
do líder dos Saints é sempre ligeira e bem-disposta e tem sempre uma piada
rápida e uma resposta bem-humorada para dar, quer aos seus companheiros quer
aos adversários. De facto, o início do jogo e as primeiras missões estabelecem
perfeitamente o tom da experiência que se terá pela frente: Saints Row: The
Third Remastered pode ser um jogo intenso e violento, mas não se leva
demasiado a sério, estando recheado de sentido de humor e de momentos absurdos
no melhor sentido da palavra.
As primeiras missões
de Saints Row: The Third Remastered apresentam um ritmo explosivo, e
grande parte da história mantém esse registo. Algumas das missões deste jogo
são extremamente memoráveis, desde a entrada de paraquedas numa penthouse
repleta de gangsters inimigos ao som de “POWER” de Kanye West, até à participação num evento que parodia a Wrestlemania, entre várias outras.
Mas entre a paródia a eventos e a outras instâncias da cultura popular,
encontramos várias atividades e minijogos diferentes, criativos e divertidos. Desde
atirarmo-nos para o trânsito para defraudar seguros, participar em gameshows
onde ganhamos dinheiro consoante o número de pessoas mascaradas de mascotes que
matamos ou surfar carros em andamento numa autoestrada, há muito com que nos
distrairmos em Steelport. Há atividades paralelas mais memoráveis e
interessantes que outras, mas o variadíssimo leque de conteúdo que encontramos
é impressionante. No entanto, é pena constatar que muitas missões da história
nos obrigam a regressar a conteúdo secundário que já conhecíamos. Isto
prejudica um pouco ambas as vertentes do jogo, diminuindo demasiado o ritmo da história
em alguns momentos e tirando alguma motivação para explorar algum do conteúdo
secundário.
A jogabilidade
apresentada acompanha extremamente bem o jogo e o seu tom. Podemos conduzir um
extenso catálogo de veículos diferentes, desde carros e motas, a barcos,
helicópteros e diferentes tipos de aviões e VTOLs. A maioria dos controlos de
veículos é intuitiva e fácil de dominar, com um ou outro a comportar-se de modo
algo bizarro em alguns momentos. Por exemplo, as motas em curvas apertadas
mostrarem-se excessivamente leves e pode facilmente perder-se o controlo das
mesmas. Quanto às mecânicas de disparo, a jogabilidade é bastante simples e
responsiva. Temos constantemente um pequeno ponto no ecrã que serve de mira,
tendo apenas de carregar no gatilho direito para disparar ou atacar
corpo-a-corpo, consoante a arma selecionada. Já a ausência de opções de
cobertura incentiva-nos a ser mais ousados e a enfrentar sem medo as legiões
de gangues inimigos que se atravessam no nosso caminho. Aqui, o índice de diversão
é ampliado pela variedade enorme de armas que temos ao nosso dispor. Desde as
habituais armas de mão, caçadeiras e snipers, temos muito arsenal criativo e a
roçar o ridículo, como armas que evocam tubarões, canhões estilo Mega Man
ou um dildo gigante. Opções não faltam, e é genuinamente prazeroso
experimentar uma ou combinações das armas loucas e únicas de que este jogo
dispõe.
De facto, um aspeto
louvável de Saints Row: The Third Remastered refere-se à diversidade de
opções de que dispomos para personalizar a nossa experiência, tanto ao nível da
jogabilidade como do próprio aspeto do líder dos Saints. No início do jogo,
deparamo-nos com um menu de personalização bastante completo, onde podemos
manusear vários aspetos do corpo da nossa personagem. Ao incluir opções de
escolha de género, de voz e de alguns elementos de personalidade, o character
creator deste jogo rivaliza com o de qualquer RPG puro. Ao longo do jogo,
vamos podendo adquirir imensos itens de roupa para uma caracterização mais
profunda, e vamos podendo melhorar várias armas e veículos. Temos também um
sistema de desenvolvimento onde podemos melhorar aspetos como a potência das
nossas armas, as nossas resistências a diversos tipos de dano ou a quantidade
de dinheiro ou de respeito que vamos recebendo. No final de tudo, podemos
tornar o líder dos Saints alguém virtualmente invencível e com uma capacidade
de destruição quase ilimitada. Tudo isto subentende que Saints Row: The
Third Remastered quer que no divirtamos, ao deixar-nos jogar como quisermos
e bem entendermos.
No entanto, há que
referir que controlar a câmara apresenta algumas dificuldades em momentos
específicos do jogo. Quando nos encontramos em espaços mais apertados, a câmara
pode aproximar-se demasiado da nossa personagem e desorientar-nos um pouco,
criando problemas em missões onde os inimigos abundam. Nos momentos de condução
podemos sentir a câmara algo rígida, virando de forma pouco natural numa curva
ou reposicionar-se automaticamente sem qualquer input da nossa parte. Para além
das implicações na própria condução, isto dificulta um pouco o disparo quando
se está na posição de condutor de um veículo. E nas secções em que estamos num
helicóptero controlado por NPCs e temos apenas de apontar e disparar, a colocação
da câmara é algo bizarra, estando atrás de nós numa posição demasiado próxima,
o que leva a que metade do ecrã esteja coberto, dificultando a nossa tarefa.
Felizmente, quando nos encontramos a pé e em espaços mais abertos, como
acontece na maioria do tempo, não existem quaisquer problemas, com a câmara a
apresentar-se fluída e fácil de manusear.
Esta versão de Saints
Row: The Third vem com todo o conteúdo adicional e DLC. Para além de uma
boa quantidade de itens, veículos e armas, temos acesso aos pacotes Genkibowl
VII, Gangstas in Space e The Problem With Clones. O primeiro
adiciona novas instâncias do já mencionado violento gameshow que envolve
matar mascotes, bem como novas atividades que envolvem, por exemplo, conduzir
um carro munido de um lança-chamas para destruir alvos ou a prática de queda livre pela cidade.
Os restantes pacotes contêm novas missões com pequenas narrativas contidas. Gangstas
in Space vê o chefe dos Saints a participar num filme onde o realizador
consegue ser psicopático ao ponto de levar todo o elenco à loucura, e The
Problem With Clones vê um fã obcecado com os Saints a clonar um dos seus
elementos com resultados desastrosos. Todos estes pacotes acrescentam conteúdo
muito bem produzido e que reforça este como um jogo divertido, diverso e com um
sentido de humor delicioso.
Algo que ainda não
referimos mas é importante ressalvar é que tudo isto não tem de ser uma
experiência a solo. Todo o conteúdo de Saints Row: The Third Remastered
pode ser desfrutado com outro jogador online. Aqui, a experiência será variada, consoante seja um parceiro aleatório online ou um amigo convidado. Infelizmente, é necessário o
segundo jogador ter a sua própria cópia e uma subscrição PS Plus, e a ausência
da possibilidade de jogar localmente é especialmente lamentável. Não tendo
ninguém disponível que satisfaça estes requisitos, não foi possível usufruir desta
opção, podendo apenas especular o quão mais caótica e explosiva a experiência cooperativa com um amigo poderá ser.
Outro modo incluído em
Saints Row: The Third Remastered é o “Whored Mode”. Neste, encontramos
algo semelhante a modos de sobrevivência, onde temos de enfrentar hordas de
prostitutas violentas e armadas. Dispomos de armas específicas, munições limitadas e algumas inibições em ondas
específicas, na tentativa de dar alguma vida e desafio a este modo que nada de
especial acrescenta à experiência. De facto, durante o modo de campanha podemos encontrar minijogos que replicam quase ponto por ponto o que este modo oferece, mas com membro de gangues rivais como inimigos a eliminar, algo que, tendo tudo em consideração, é de muito melhor gosto. Apesar de não ser um corpo estranho tendo em
conta o enquadramento do resto do jogo, este modo é o único grande tiro ao
lado, não sendo de espantar, nem de censurar, se os jogadores passarem por toda
a experiência da campanha de Saints Row: The Third Remastered sem olhar duas vezes para esta vertente.
Tratando-se esta de
uma versão remasterizada, há que prestar atenção às melhorias visuais levadas a
cabo. E atenção é a palavra de ordem no que toca a este aspeto do trabalho que Saints
Row: The Third Remastered apresenta. Todos os modelos presentes no jogo foram
trabalhados e revitalizados, apresentando uma cidade de Steelport
resplandecente. As estradas, os edifícios, as armas estão notavelmente mais
nítidas, e novos efeitos luminosos foram incluídos, tornando este o jogo Saints
Row mais vivo até à data. Ao conduzir durante a noite podemos ver os
reflexos das iluminações no nosso carro e nas poças de água presentes na
estrada. Também verificamos que os efeitos da água estão mais realistas e refletem
de modo nítido os edifícios rodeantes. Os modelos das personagens também foram
trabalhados, mas continuam a ser o aspeto mais fraco da vertente gráfica, sendo
o aspeto mais indicativo de que se trata de um jogo originalmente pertencente à
geração de consolas anterior.
Quanto à música e ao
som, pouco foi trabalhado, mas estamos perante uma questão de não se mexer no
que já estava bem. Os desempenhos das seis vozes possíveis (sete se contarmos
com a hilariante opção zombie) continuam a ser todos impecáveis, bem como os
das vozes das outras personagens centrais. Como é habitual neste género, temos uma
panóplia de músicas licenciadas que surgem nas estações de rádio, havendo uma
boa seleção de vários géneros – rock, metal, rap, clássica, entre outros. As
músicas originais adequam-se à temática e ao tom do jogo e suas personagens,
mas é na ocasional utilização de músicas licenciadas durante missões que este
aspeto se destaca. Tal como na invasão à penthouse mencionada anteriormente,
este título utiliza incrivelmente bem estas músicas noutros momentos. Alguns
outros momentos memoráveis foram a corrida a um salvamento ao som de “Holding
Out For A Hero” de Bonnie Tyler, ou o chefe dos Saints e um companheiro a desafinar
“What I Got” de Sublime numa longa viagem de carro.
Por fim, esta versão
remasterizada de Saints Row: The Third tem um desempenho exemplar
durante a maioria do tempo. Ao correr sempre a um mínimo de 30 fps e com um alcance
de objetos significativamente superior à versão original, estamos perante uma
experiência fluida no que toca a esta vertente. Ocasionalmente a
imagem congela durante umas frações de segundo quando o ecrã está recheado de
explosões, ou alguns erros de colocação de objetos podem ocorrer aqui e ali. Apesar
disto, estas ocorrências nunca são numerosas, sendo muito poucas as vezes que
tal aconteceu. Assim, estes pequenos erros nunca foram algo verdadeiramente
prejudicial nas cerca de 30 horas de jogo levadas a cabo.
Conclusões
Saints Row: The
Third já era dos
jogos mais divertidos do género mundo aberto, e esta remasterização faz um
excelente trabalho de transição para a atual geração. Com uma variedade
incrível de armas, veículos e opções de personalização, temos um leque de
opções muito amplo e criativo no que toca abordar as várias missões, atividades
secundárias e minijogos. Com uma vertente gráfica significativamente melhorada,
trabalhos de voz impecáveis e uma utilização de música licenciada que enaltece
os momentos altos do jogo, esta é uma experiência que os fãs de mundo aberto
quererão, pelo menos, experimentar. Saints Row: The Third Remastered
oferece uma quantidade enorme de conteúdo que irá certamente entreter e levar
os jogadores a dar uma boa quantidade de gargalhadas.
O Melhor:
- Melhorias gráficas são notáveis, particularmente nos efeitos luminosos
- Utilização de músicas licenciadas nas missões leva a momentos memoráveis
- Valor de entretenimento da jogabilidade continua a ser fantástico
- Variedade de armas, veículos e opções de personalização é impressionante
- Argumento divertido, com diálogos muito bem escritos e com excelente sentido de humor
O Pior:
- Controlar a câmara tem os seus momentos complicados
- Integração de atividades secundárias na história é algo exagerada
- Whored Mode não acrescenta nada à experiência, passando-se bem sem lhe tocar
Pontuação
do GameForces – 8.0/10
Título: Saints Row:
The Third Remastered
Desenvolvedora: Sperasoft
Publicadora: Deep
Silver
Ano: 2020
Autor da Análise:
Filipe Castro Mesquita
[Análise] Saints Row: The Third Remastered [PS4]
Reviewed by Filipe Castro Mesquita
on
junho 05, 2020
Rating:
Sem comentários: